– Há pouco mais de uma semana, o “La Hora”, terceiro maior jornal do Equador, recebeu mais uma multa da Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), criada há dois anos para executar a Lei da Comunicação sancionada pelo presidente Rafael Correa. É a 12ª aplicada ao periódico, o recordista de punições, mas seu caráter insólito chamou a atenção de meios internacionais: a versão local do diário foi multada por não realizar a cobertura da prestação de contas da prefeitura de Loja, um ato público.
A Supercom considerou que o evento em si era uma notícia de interesse público – o artigo 18 da legislação estabelece que a “omissão deliberada e recorrente da difusão de temas de interesse público constitui ato de censura prévia”. Nas redes sociais, defensores do prefeito de Loja, José Bolívar Castillo, difundiram as hashtags “Mereço ser informado” e “Não ao apoio à censura prévia”. Editor-geral do “La Hora”, Luis Vivanco explica ao GLOBO por que desta vez o jornal decidiu não acatar o castigo e recorreu da decisão.
– Entendemos que há uma ambiguidade no conceito do que é ou não de interesse público ao leitor e declaramos nosso direito de resistência.
Apenas um dos três jornais da cidade cobriu o ato, mas só o “La Hora”, um dos mais críticos ao governo, foi sancionado. No total, foram 12 processos, por faltas como divergências entre título e conteúdo da matéria, tamanho indevido de retificação e até o teor de um anúncio. Os dois maiores do país, “El Comercio” e “El Universo”, também foram alvo de sanções nos dois anos de vigência da lei. Um dos casos mais simbólicos foi o do cartunista Xavier Bonilla, conhecido como Bonil, do “El Universo”. O órgão exigiu a retificação da frase que acompanhava um de seus desenhos – o que foi feito – e cobrou uma multa de US$ 95 mil.
No “El Comercio” foram quatro processos no total, incluindo três ao “Últimas Noticias” e “El Ambateño”, publicações locais do grupo:
– Há um viés político na aplicação da lei. As sanções e o escárnio público do governo inibem o exercício jornalístico. É uma mensagem ruim para a sociedade e sobretudo para os jornalistas jovens – defende o diretor adjunto Marco Arauz.
Para Maurício Alarcón, da ONG Fundamedios, a situação do Equador é comparável à da Venezuela no que diz respeito à liberdade de imprensa. Assim como no país de Nicolás Maduro, alguns jornais tiveram de fechar as portas. Muitos, principalmente os regionais, alegaram as altas multas e sanções como a principal causa. O mais emblemático foi o tradicional “Hoy”, que deixou de circular em junho do ano passado, mantendo a versão on-line.
À época, Correa disse tratar-se de uma tendência mundial do jornalismo, e acusou seu dono, Jaime Mantilla (ex-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa), de “tentar vitimizar-se”.
– Desde o dia em que tomou posse, Rafael Correa declarou a imprensa como sua principal inimiga. Ele repete constantemente a mesma frase: “Nossos inimigos não são os opositores, mas os meios de comunicação” – diz Alarcón.
Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP e diretor do semanário uruguaio “Búsqueda”, é ainda mais pessimista: para ele, a situação no Equador é a pior da região, já que a censura é legitimada pela legislação.
– Na Venezuela, há jornalistas exilados, a TV está completamente tomada pelo regime de Maduro e restam apenas algumas rádios que fazem jornalismo independente. A imprensa escrita crítica é asfixiada economicamente. Mas no Equador é ainda pior: trata-se da lei mais totalitária contra a liberdade de expressão existente hoje na América Latina.
Desde 2007, a Fundamedios monitora ameaças e agressões à liberdade de imprensa. No primeiro informe, em 2008, reportava pouco mais de 20 sanções aos meios de comunicação; no ano passado, foram mais de 300. Os relatórios indicam ainda que 95% das multas são aplicadas a jornais críticos ao governo, reprimidos com mais força e agressividade.
Em entrevista ao “El País”, há um ano, Correa defendeu a lei, afirmando que “o poder midiático, como todo poder, necessita de regulação social”.
– Por que é um poder que se autolegitima dizendo que é liberdade de imprensa? Os bancos também se autolegitimavam dizendo que eram liberdade de mercado e olha aonde isso nos levou. – afirmou ao jornal espanhol.
A SIP denunciou a multa imposta ao “La Hora”.
– A lei pretende transformar todos os meios equatorianos em simples apêndices do regime de Rafael Correa – afirma Paolillo. – Ele se comporta como um pequeno rei malcriado, detona diários de que não gosta em frente às câmeras e ainda incita o ódio e desprezo públicos a jornalistas, diretores e proprietários de meios de comunicação.
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Marina Gonçalves, do Globo