Quem protege os cidadãos da propaganda enganosa e dos produtos nocivos à saúde ou defeituosos? Em princípio, todo um arsenal de leis de defesa do consumidor. Mas na maioria dos países desenvolvidos existe também uma imprensa especializada que zela pelo bolso e pela saúde dos consumidores – esses seres desconhecidos e despersonalizados, que só existem na medida em que dispõem de um cartão de crédito, de um talão de cheques ou de dinheiro vivo na carteira. E que saem aos bandos à caça de produtos para comprar e se sentirem parte do mundo. Consumo, logo existo, diria Descartes hoje.
Na França, as revistas Que choisir [‘que escolher’ (www.quechoisir.org)] e 60 millions de consommateurs [60 milhões de consumidores (www.60millions-mag.com)] são as grandes aliadas de 60 milhões de franceses na hora de escolher produtos para comer, vestir, tornar a casa mais confortável e segura e dotar o escritório da mais moderna tecnologia. Até para a escolha do camping ou do hotel em outros países, essas revistas são úteis dando dicas para o leitor não cair em arapucas muitas vezes muito bem ‘embaladas’. E os próprios leitores tratam de denunciar armadilhas das quais foram vítimas, como a de um hotel cinco estrelas em Túnis: as fotos na internet não correspondiam exatamente à realidade do local, cuja limpeza e beleza deixavam a desejar.
Condições de trabalho
Como suas congêneres, as revistas francesas dirigidas as consumidores fazem testes comparativos do mesmo tipo de produto, publicam conselhos práticos, denunciam abusos e dão informações jurídicas. Mas os resultados dos testes comparativos e as informações publicadas nas revistas não podem ser exploradas em anúncios publicitários.
Na Inglaterra, a revista Which?, fundada em 1957, tem como lema: ‘Nós o ajudamos a escolher os melhores produtos e a evitar os piores’. Este poderia ser o slogan das revistas de consumidores do mundo inteiro. A mais antiga delas é a americana Consumer Reports, criada em 1936, que tem cerca de quarenta jornalistas e tiragem de 4 milhões de exemplares. A mais influente é a holandesa Consumentengids, lida pela maioria dos holandeses e assinada por 16% da população do país. A alemã Test tem 1 milhão de assinantes e a belga Test Achats, uma tiragem de 300 mil exemplares.
No Canadá francês, a revista Protégez Vous revelou este ano que em 14% dos produtos analisados nos laboratórios, as informações de quantidades ou de ingredientes das etiquetas eram falsas. Em Portugal, a revista Proteste concluiu que nenhum fabricante de automóveis do mundo está isento de causar prejuízos ao meio ambiente. Além disso, foram analisadas as condições de trabalho dos operários que fazem os automóveis. Em termos de responsabilidades sociais (condições de trabalho decentes), os fabricantes que tiveram as melhores performances foram BMW, Volvo e Ford.
Qualidades e defeitos
Que água mineral comprar ? Qual a diferença entre elas? Os cremes anti-celulite funcionam? Como se proteger das armadilhas de sites caça-níqueis da internet? Quais as diferenças entre os diversos aparelhos que medem a taxa de álcool do sangue, muito úteis para quem tem que dirigir? O que diz a lei sobre os deveres assumidos entre uma agência imobiliária e um cliente que a contrata para vender seu imóvel? O que fazer quando se compra um produto defeituoso? Como escolher uma máquina de fotografia digital? Que males para a pele podem causar os maiôs e biquínis feitos com tecidos ‘transbronzeantes’, ‘que deixam passar os raios solares e permitem um bronzeamento total’?
Essas e outras perguntas são respondidas por Que choisir e 60 millions que, aparentemente, navegam imunes a qualquer tipo de crise.
Que choisir, publicada pela Union Féderale des Consommateurs-Que choisir, apresenta-se como uma revista ‘independente dos fabricantes e do Estado’ e vende nada menos que 423 mil exemplares mensais. Já 60 millions de consommateurs é editada pelo Institut National de la Consommation e tem, por isso, um perfil de serviço público, com uma tiragem mensal de 250 mil exemplares. Para serem absolutamente independentes, nenhuma das duas revistas tem publicidade.
O centro de testes do INC (Instituto Nacional dos Consumidores), responsável por 60 millions, compra em total anonimato os produtos que são testados por experts, para informar os leitores das qualidades e dos defeitos de cada um. A revista Que choisir funciona de maneira mais ou menos semelhante.
Óculos de sol
As reportagens são de grande utilidade para o leitor, principalmente quando tratam de alimentos ou produtos para o corpo. Uma matéria sobre as águas minerais francesas, por exemplo, é um verdadeiro mergulho no universo das águas, com ou sem gás.
No número de julho-agosto (duplo por causa das férias de verão), 60 millions fez uma grande pesquisa sobre as águas minerais pertencentes a três grandes grupos industriais: Nestlé, Danone e Neptune. Da Perrier à Evian, passando pela Contrex e Vichy, foram testadas 46 marcas entre águas de fonte, águas minerais naturais gasosas e naturais sem gás.
Quem ler a reportagem de 14 páginas vai se sentir um especialista, pois terá aprendido decifrar as complicadas etiquetas para escolher a água mais adequada às necessidades de toda a família, inclusive ao preparo da mamadeira do bebê. A revista explica o método usado para a pesquisa e quais os médicos e cientistas consultados.
Em pleno verão europeu, quando não se pensa em mais nada a não ser nas férias e no bronzeado, 60 millions publicou um resumo da última grande reportagem (de junho) em que foram testados os cremes que prometem redução das gorduras localizadas e da celulite. As mulheres que tinham comprado os cremes que ganharam as notas mais baixas na avaliação geral da revista não vão hesitar em correr às farmácias e lojas de cosméticos para comprar os que obtiveram os melhores resultados.
No último número, Que choisir fez uma grande pesquisa sobre a proteção e a eficácia das lentes e dos modelos de óculos de sol das 30 marcas mais vendidas na França. É uma verdadeira aula sobre os estragos que os raios solares podem causar à vista – e que cuidados tomar para comprar a melhor marca. Detalhe: segundo a reportagem, as crianças também devem se proteger com óculos escuros dos efeitos nocivos do sol sobre os olhos.