Em 30 de abril de 2009, os ministros do Supremo Tribunal Federal Eros Grau, Menezes Direito, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Celso de Mello acompanharam o relator, ministro Carlos Ayres Britto, no sentido de julgar procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 130, declarando a não receptividade da Lei de Imprensa nº 5250/67 pela atual Constituição Federal. Aludida arguição foi proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT, sob o fundamento de que a Lei de Imprensa violava alguns artigos da Carta Constitucional, sobretudo o artigo 5°, incisos IV, V, IX, X, XIII e XIV, e 220 a 223. Ressaltou-se na ação em comento que referida Lei, sancionada na época da ditadura militar, seria incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Com a declaração de inconstitucionalidade, muito se falou acerca da insegurança jurídica e do ‘vazio legislativo’ no ordenamento jurídico brasileiro, que deixaria de ter previsões legais específicas acerca da liberdade de expressão pelos veículos de comunicação, incluindo a imprensa.
Por outro lado, não se pode perder de vista que inúmeras são as previsões constitucionais extravagantes, ratificadas pela ordem jurídica pátria que garantem não somente o pleno exercício do jornalismo (liberdade de imprensa), como também asseguram a livre expressão do pensamento. Sob essa ótica, o artigo 5º, inciso IX, da Constituição pátria expressa que ‘é livre a manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença’. O cerne libertário igualmente se expressa no artigo 220, proclamando: ‘A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’.
Mercado livre das ideias
A influência do jornalista no âmbito constitucional das liberdades de comunicação (expressão, informação e imprensa) é preponderante no tema abordado, exercendo seu mister com independência profissional para dinamizar as discussões acerca dos diferentes acontecimentos de ordem pública e social, pois suas matérias jornalísticas, quando dotadas de cunho crítico e opinião, em muitas situações são interpretadas como ofensas pessoais ou insultos intencionais.
Contudo, em análise da essência e do propósito vinculado às matérias que versam sobre os acontecimentos de interesse público, envolvendo a atuação de pessoas públicas ou de notoriedade no cenário nacional, conclui-se que essas nada mais são do que fruto de um jornalismo puramente cívico, adequado à realidade democrática brasileira e aos princípios fundamentais do Estado de Direito, resistindo às pressões políticas e do mercado, em vista da promoção de debates inerentes a temas de interesse geral. Paul W. Jamieson [Jamieson, Paul W., Lost in Translation: Civic Journalism’s Applicability to Newspaper Coverage of the U.S. Supreme Court. 1998, 1ss, esp. 3 ss.] conceitua o jornalismo cívico como um jornalismo que não se limita a noticiar objetivamente, conservando uma posição de distanciamento perante os sujeitos e os objetos da informação, mas também [não se limita] a promover ativamente o debate público e a estruturar um espaço aberto de discussão e transformação da informação em ação.
Ainda, a construção de narrativas com o padrão abordado (cívico) segue o modelo da teoria do mercado livre das ideias, consagrada pelo debate robusto e a competição de idéias e utilizada como mecanismo estrutural de interação comunicativa com os leitores (inclusão e participação dos indivíduos). A doutrina do mercado livre das ideias parte do princípio de que todas as opiniões devem ser admitidas à divulgação e discussão, independentemente do seu conteúdo. Jónatas E. M. Machado, explicando a aludida teoria, elucida que o texto do jornalista deve ser objeto de crítica, assinalando que, se um grupo de neonazistas deseja manifestar-se contra indivíduos de outra raça deve fazê-lo, desde que de forma pacífica e sem armas [Machado, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão – Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. Coimbra Editora, 2002, p. 188].
Superposição necessária de valores
Essencial é o debate envolvendo o exercício da liberdade de expressão, a imprensa e os demais valores fundamentais (direitos individuais da personalidade) que, em incontáveis situações do cotidiano, ocasiona o confronto dessas garantias e liberdades, a reclamar solução, assegurando uma delas, devendo o Poder Judiciário utilizar-se de critérios que permitam avaliar qual direito prevalecerá em cada caso, considerada a situação concreta. Certamente haverá circunstâncias de inconciliabilidade entre o exercício absoluto e ilimitado desses direitos, igualmente protegidos pelo texto constitucional, visto que, quando colocados em concreta oposição, implicarão no acerto do exercício de um direito fundamental na invasão da esfera de proteção do outro.
Sobre o assunto, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, no brilhante voto proferido na ADPF n.º 130 afirmou: (…) Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento.
Temos, portanto, que os dispositivos constitucionais de proteção da liberdade de expressão (direitos transindividuais), sobrepostos aos interesses individuais, ocasionam necessariamente a restrição do último. A evolução do conceito de informação e opinião pública, bem como a importância conferida a esses institutos nos tempos atuais justificam predominância da liberdade de expressão e imprensa em face dos interesses individuais da personalidade.
A informação, hoje universal, não deve ficar no recôndito. A liberdade de expressão e informação, estimada como um direito fundamental que transcende a dimensão de garantia individual por contribuir para a formação da opinião pública, essencial para a sociedade democrática, não deve ser restringida, de modo que resulte totalmente desnaturalizada. Não se trata de ser preceito ilimitado e absoluto, mas de superposição necessária de valores ante cada caso concreto, cumprindo ao Poder Judiciário coibir decisões censurais.
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Presidente da Comissão de Direito Civil da OAB e professor da FMU