A cooptação de veículos tradicionais e a intimidação do governo de Nicolás Maduro contra jornalistas na Venezuela não impediu Tamoa Calzadilla de fazer um trabalho investigativo que lhe valeu o Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo Investigativo. A ex-diretora de investigação da rede dona dos jornais “Últimas Noticias” e “El Mundo” detalhou nesta terça-feira seu trabalho de investigação multimídia que retirou a acusação de homicídio contra Leopoldo López por conta de mortes em manifestações violentas – e provou que agentes da inteligência mataram dois jovens no auge dos protestos, em fevereiro de 2014.
Em conferência sediada pela Fundação GGM para o Novo Jornalismo Iberoamericano (FNPI) na Universidade Externado, na Colômbia, Tamoa criticou as várias formas aplicadas pelo governo venezuelano de aplicar censura e controlar o trabalho da imprensa independente, da censura à cooptação. Tamoa foi da equipe investigativa do grupo empresarial Cadena Capriles por 15 anos, trabalhando nos jornais “Últimas Noticias” e “El Mundo”.
– Os princípios democráticos garantem que a informação possa circular livremente. No entanto, recentemente nem mesmo o subsídio ao papel a veículos que criticavam o governo sobreviveu. Ocorrem agressões físicas ilegais por grupos paramilitares até contra quem vai a algum lugar. Jornalistas sofrem roubos, acusações falsas com apoio da Justiça. É uma impunidade absoluta com o que o governo faz. Usam os meios do Estado para transformar a imprensa em órgãos oficiais do Estado. Os jornais tradicionais e até os independentes começaram a ser comprados por grupos obscuros que fizeram com que vários deles passassem a falar bem do governo.
Quando o conglomerado acabou comprado por grupos ligados ao chavismo, em 2013, sua vida se tornou complicada demais por conta das pressões.
– Estava tudo muito descarado, porque nos pediam que manipulássemos as informações para beneficiar o governo, tudo era ‘golpismo’. Me neguei, nosso trabalho foi censurado e pedi demissão no dia seguinte. Em seis meses, ninguém daquela equipe estava mais lá. Não era possível ficar.
Hoje, Tamoa dirige a editoria investigativa no portal RunRunEs com o experiente Nelson Bocaranda, um dos mais importantes jornalistas do país durante a era Chávez. Mesmo como ocasionais intimidações, continua denunciando abandonos na saúde pública, argumentos da chamada guerra econômica que Maduro acusa, e a situação dos presos políticos que continuam presos até hoje (“Submetem os jovens a torturas psicológicas, com luzes acesas, intimidações”)
– A ideia do jornalista investigativo foi mudando completamente com as novas tecnologias, e toma ainda mais profundidade com a presença de outros profissionais interdisciplinares de áreas jornalísticas, gráficas, tecnológicas, trabalhamos pelo melhor possível. Isto é ainda mais fundamental num local onde a situação democrática é muito precária, onde os poderes já não estão separados do Executivo, o que dificulta em muito a busca pela justiça.
Uma ajuda premiada a Leopoldo e à verdade
Um mês antes de enfim decidir deixar seu cargo por conta das pressões, novos protestos 12 de fevereiro de 2014 concentram um número inédito de manifestantes contra filas, crise econômica, violência, má situação da saúde. Em pleno centro de Caracas, um grupo decide atirar pedras, e a violência aumenta. Ao meio-dia, dois estudantes morrem. Havia muita confusão nos relatos.
– As redes sociais mostraram imagens que nos permitiram a chegar nestas relações terríveis. O vídeo que ganhou mostrava panelaços, homens armados de moto, alguns uniformizados. nossa lei proíbe que funcionários usarem armas. Homens à paisana começam a dominar a área, e quando alguém tenta pegar uma moto deles, começam a disparar. Um primeiro jovem acaba morrendo, e ninguém o auxilia. A Guarda Nacional Bolivariana fica inerte. Depois, se retiram do lugar sem cerimônia. Conseguimos confirmar independentemente a autenticidade.
>> Vídeo de um enfrentamento de estudantes com policiais em Caracas (12/2/2014)
Os milicianos ainda voltaram à noite para ameaçar e intimidar para que os vizinhos entregassem quaisquer gravações, ela relatou. Presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello culpou as mortes aos próprios manifestantes. Em vídeo, chamou-os de assassinos, “gente do inferno” e representantes dos líderes opositores Leopoldo López e María Corina Machado. No entanto, quando a equipe de Tamoa foi investigar quem atirou, tratava-se de um homem da escolta de Freddy Bernal, ex-prefeito de Caracas e hoje responsável pela reformulação das forças policiais. Ele admitiu após provas de vídeo.
Os milicianos ainda voltaram à noite para ameaçar e intimidar para que os vizinhos entregassem quaisquer gravações, ela relatou. Presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello culpou as mortes aos próprios manifestantes. Em vídeo, chamou-os de assassinos, “gente do inferno” e representantes dos líderes opositores Leopoldo López e María Corina Machado. No entanto, quando a equipe de Tamoa foi investigar quem atirou, tratava-se de um homem da escolta de Freddy Bernal, ex-prefeito de Caracas e hoje responsável pela reformulação das forças policiais. Ele admitiu após provas de vídeo.
– Quando a imprensa chegou depois daquilo, vimos que tinhamos algo gigante. Foi o Serviço de Inteligência Bolivariano (Sebin) que encurralou e matou os jovens, e naquele domingo sabia que precisávamos dar a história, porque era claro que voltaria a acontecer. Tivemos que deixar quieta a existência do vídeo por conta das pressões internas, e, quando ele foi divulgado, foi uma bomba. Meu chefe disse na hora “agora me vou, estou me demitindo” – contou.
Posteriormente, Maduro teve de dizer que oito funcionários públicos identificados em vídeo, denúncia e fotos foram entregues. Para manter a postura falando de conspiração, ainda afirmou que, dentro do Sebin, os agressores se tratariam de agentes que buscavam promover um golpe de Estado.
– Um foi condecorado, outros absolvidos após processos em uma Justiça nada independente. Mas o único que ficou preso até hoje, ironicamente, foi um manifestante que nunca pegou em uma arma. Ao menos retiraram as acusações de homicídio que tinham contra Leopoldo López.
O líder opositor está há 14 meses na prisão de Ramo Verde, por acusações que envolvem conspiração e incêndio.