Os repórteres são proibidos de chegar às cenas de crime antes de a polícia ter verificado o local. Concorrentes andam juntos e cobrem as mesmas histórias, abrindo mão da exclusividade. Nas coberturas, não usam roupa ou carro que identifiquem o jornal, apenas um crachá. Com regras de segurança mais rígidas, os profissionais da imprensa mexicana tentam sobreviver para ir além da autocensura.
A descrição do trabalho de um jornalista na guerra contra o narcotráfico foi feita pelo diretor editorial do jornal El Siglo de Torreón, Javier Garza Ramos. Em entrevista ao Estado, ele afirma que os cartéis não são identificados nos textos sobre homicídios e confrontos entre gangues, ‘para não criar um ‘placar’ entre grupos rivais’ e para não converter o jornal em alvo das máfias.
O prédio em que o jornal funciona tem apenas duas entradas, fortemente vigiadas. Segundo Garza, a área de atendimento ao público para venda de anúncios está separada do restante do prédio. A redação e os escritórios têm acesso restrito. ‘Na redação, estabelecemos modos de como repórteres e editores devem atender telefonemas para evitar dar dados pessoais e sempre informar quando receber chamadas suspeitas’, conta o diretor.
‘Não acreditamos em coletes à prova de balas ou porte de armas para jornalistas. A experiência nos mostra que, se um grupo criminoso quer sequestrar ou matar um jornalista, o fará de qualquer forma. O que podemos fazer é tomar cuidado com as rotas de transporte e adotar medidas de precaução nas ruas’, afirma Garza.
Diante da corrupção policial, os repórteres também são orientados a não questionar policiais sozinhos, apenas quando acompanhados de outros jornalistas.
Busca por proteção
Em março, cerca de 700 veículos de comunicação mexicanos assinaram um acordo com diretrizes para a cobertura de violência. Desde 2006, mais de 30 jornalistas foram mortos no país, que é considerado um dos mais violentos para a profissão. São raros os casos em que os culpados foram punidos.
Entre os dez pontos do acordo estão dez critérios editoriais comuns (mais informações abaixo). ‘O acordo diz que organizações jornalísticas devem proteger seus profissionais e dar exemplos de como isso pode ser feito. Mas não vejo como um pacto nacional cria diretamente proteção aos jornalistas. Não há nada de novo no texto aprovado’, afirma Mike O’Connor, representante do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) no México.
O governo mexicano pouco pode fazer para impedir os ataques contra a imprensa e as duas últimas tentativas de ação não obtiveram sucesso. Há nove meses, o presidente Felipe Calderón criou uma Promotoria especial para a investigação de crimes contra jornalistas e prometeu a criação de um programa de proteção para profissionais de imprensa sob ameaça. O primeiro depende de verba e as investigações estão congeladas; o segundo está em planejamento.
‘A maior parte do México vive em guerra, onde autoridades não têm poder armado para enfrentar os cartéis, que acabam exercendo a verdadeira autoridade. Facções usam ameaças e subornos para controlar funcionários do governo. São esses grupos que matam jornalistas para evitar que o público receba informações sobre a violência. O único modo de Calderón garantir a liberdade de imprensa é ganhar essa guerra’, diz O’Connor.
Redes sociais. A publicação de informações em sites como o Twitter e o Facebook tem sido uma alternativa para romper o apagão informativo causado pela autocensura da imprensa. O diretor do jornal de Torreón acredita que a internet ajuda a divulgar a notícia de maneira efetiva, mas também dá margem para que circulem rumores sem apuração sobre casos que não existem. ‘Criminosos podem aproveitar as redes para plantar informações’, afirma Garza.
‘Nossos repórteres postam na conta do jornal no Twitter (@torreon), mas seguem os mesmos parâmetros de apuração para checar a veracidade dos fatos. O imediatismo da internet não é pretexto para dar notícia falsa’, explica o diretor.
O jornal Vanguardia, da cidade de Saltillo, fez uma campanha online no Twitter cobrando fontes de informação oficiais. A polícia municipal e várias autoridades estatais abriram contas no microblog, facilitando a divulgação das áreas de risco na web.
O representante do CPJ no México ressalta que as redes sociais não substituem o trabalho jornalístico de reportagem. ‘Nunca se sabe a fonte da informação’, afirma.
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Acordo Editorial
** Condenar o uso da violência
** Não se converter em porta-voz involuntário de criminosos
** Dimensionar a informação
** Atribuir responsabilidades
** Não prejulgar culpa
** Respeitar vítimas e menores
** Participação dos cidadãos
** Reforçar medidas para a proteção de jornalistas
** Manter a solidariedade com colegas de profissão de qualquer veículo de comunicação