No último 31 de maio, no badalado balneário de Cancún, no México, policiais civis e militares, vestidos de negro e bem armados, bloquearam, aos berros e pontapés, as portas de um abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica e sexual. Insultaram, humilharam e ameaçaram de morte a equipe de defensoras de direitos humanos, ali em serviço, formada e dirigida pela escritora e jornalista Lydia Cacho.
De novo, como já acontecera antes com Lydia, os protestos, dentro e fora do México, ficaram por isso mesmo, com o governo prometendo ‘apurar os fatos e punir os responsáveis’.
Da mesma forma, se agrava, na mais vergonhosa impunidade, a situação de jornalistas do interior do país, sobretudo na fronteira com os Estados Unidos, ponto quente da droga, numa sinistra e rotineira seqüência, seqüestrados, torturados e assassinados pelos jagunços dos cartéis, ensandecidos com matérias investigativas sobre suas atividades criminais.
Escravidão sexual
Para a escritora e pesquisadora da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam), Sara Sefchovich, colunista do prestigioso diário El Universal, ‘uma vez mais se faz evidente que vivemos num país onde florescem a corrupção policial e judicial, isso que é, precisamente, a matéria das denúncias de Lydia Cacho’. Há anos Lydia investiga, escreve e ajuda gente massacrada pelo crime organizado.
Por causa de um de seus livros (Los demonios del Edén, de 2005), no qual revelava e expunha uma enorme rede de pedofilia no México, envolvendo políticos e empresários, Lydia tem sido perseguida de forma implacável e de várias maneiras – vigiada, seguida, ameaçada por telefone e e-mail, enfim, uma angustiante vida diária feita de sobressaltos e sem um mínimo de segurança garantido pelo sistema.
Agora, com a publicação de um novo livro, Esclavas del poder, que documenta e denuncia a exploração sexual ao redor do mundo, o cerco em torno da jornalista voltou aos apertos anteriores e ela já não tem mais onde ou a quem apelar em sua própria proteção.
Como sempre, porém, enfrenta com coragem e tenacidade a repercussão da obra no México, onde também visitou prostíbulos, ruas e bares, constatando, entre outras barbaridades globalizadas, que se trata de um comércio que rende milhões de euros aos exploradores e nada às garotas raptadas e postas a serviço do sexo barato, nas mais aviltantes, imundas e perigosas condições. ‘O mundo experimenta uma explosão de redes que roubam, compram e escravizam meninas e mulheres’, , diz Lydia.
Janelas fechadas
O novo livro oferece, de forma involuntária, um contraste chocante com uma obra similar, O negócio da escravidão moderna, pesquisado e escrito por um americano, Siddhart Kara. Ele também percorreu o mundo investigando o tráfico sexual de mulheres e meninas – mais de 1 milhão de jovens submetidas a esse tipo de escravidão.
A diferença, conclusões semelhantes e méritos à parte, é que Kara recebeu, nos Estados Unidos, reconhecimentos, prêmios e um financiamento da Universidade Harvard para continuar suas pesquisas sobre o tema. No México, Lydia Cacho não pode nem abrir uma janela de sua casa em Cancún.
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Jornalista e escritor, ex-correspondente de Veja no México