O jornalista Juca Kfouri está proibido pela Justiça de ‘ofender’ o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), sob pena de pagar a módica quantia de 50 mil reais por ofensa que publicar. Kfouri já está recorrendo da decisão judicial, que classificou de ‘censura prévia’ [leia abaixo a íntegra do recurso].
Juca Kfouri conta que no final dos anos 1990, o então promotor de Justiça Fernando Capez ganhou as páginas dos jornais e os holofotes das emissoras de televisão com a tentativa de afastar as torcidas organizadas dos estádios, após episódios trágicos de violência que culminaram na morte de torcedores. Capez teve sucesso efêmero, pois as organizadas voltaram às arquibancadas, mas aproveitou-se dos minutos de fama para alavancar a carreira política, no que teve sucesso, conseguindo uma vaga na Assembléia Legislativa paulista. Ao perceber a manobra, Kfouri adotou uma postura mais crítica em relação ao parlamentar e escreveu textos criticando Capez, que decidiu recorrer à Justiça para impedir as ‘ofensas’ do jornalista.
No final de outubro, a juíza Tonia Yuka Kôroko, da 13ª Vara Cível de São Paulo, concedeu uma liminar proibindo Juca Kfouri de ‘ofender’ o deputado tucano. O jornalista impetrou uma liminar no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas teve o seu pedido negado pelo desembargador Luiz Antônio de Godoy. Quinta-feira (20/12), o jornalista entrou com um mandado de segurança, com pedido de liminar, numa nova tentativa de revogar a decisão.
Na opinião de Juca e de sua advogada, Taís Gasparian, a decisão da juíza, referendada pelo desembargador, é um atentado à liberdade de imprensa e configura censura prévia. O jornalista disse ao Observatório que todos os casos semelhantes em que foi tentado censurar previamente o trabalho jornalístico acabaram revogados em instâncias superiores, como ocorreu nos jornais O Estado de S.Paulo, Correio Braziliense, na revista CartaCapital e na TV Globo. Kfouri vê ainda um ‘traço fascista’ na ação de Capez. Para a advogada Taís, além de representar um atentado contra a imprensa, a decisão da Justiça paulista ‘abre um precedente perigoso’.
A Associação Brasileira de Imprensa também se manifestou, na sexta-feira (21/12), contra a decisão da Justiça paulista [ver abaixo a nota da ABI]. Segundo o jornalista Maurício Azêdo, presidente da ABI, a juíza cometeu violação do artigo 220, parágrafo 2º da Constituição, que declara que ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’. Em nota oficial, a ABI diz que ‘a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa’.
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Do que Capez é capaz
Copyright
Blog do Juca‘O deputado estadual tucano Fernando Capez obteve da juíza Tonia Yuka Kôroko uma liminar que determina que estou proibido de ‘ofender’ sua excelência.
Ora, até as pedras sabem que ninguém pode ofender ninguém e eu jamais o ofendi, apenas o critiquei, como continuarei a fazer, sempre que couber.
Mas a juíza Kôroko estipulou uma multa de R$ 50 mil por ‘ofensa’ que eu venha a cometer.
Baseou-se, por sinal, em informações inverídicas do deputado, quais sejam as de que já me condenou duas vezes.
Na verdade, ele ganhou uma ação da CBN motivada por um comentário meu, mas em ação na qual não fui parte, apenas a emissora foi.
Ganhou outra, da revista CartaCapital, em que fui testemunha da publicação, não réu.
Recorri ao Tribunal de Justiça de São Paulo, mas o desembagador Luiz Antônio de Godoy negou meu pedido para que a liminar fosse cassada.
Argumentou que sou experiente o suficiente para não ofender o deputado.
É verdade, embora o desembargador pareça não ter levado em conta que a liberdade de imprensa fica, assim, submetida à subjetividade do julgador e sem que o pretenso ‘ofendedor’ tenha direito de defesa.
A juíza Kôroko, por exemplo, pode achar que dizer que Capez, quando Promotor de Justiça, fracassou no combate da violência das torcidas e mesmo assim se elegeu deputado graças à notoriedade que alcançou, seja uma ofensa.
Quando não é ofensa, é apenas verdade.
Como é verdade que o curso de Direito que ele dirigiu teve aprovação abaixo da média tanto no Provão do Ministério da Educação quanto na OAB.
E a juíza Kôroko pode achar que tal notícia é ofensiva ao deputado.
Um democrata convicto do PSDB, diga-se, que, entre outras coisas, considerou que o regime pós-golpe de 64 era ‘legalmente constituído’.
Foi o que escreveu, literalmente, em proposta de sua autoria na Assembléia Legislativa de São Paulo, depois retirada diante da grita de seus companheiros de partido.
Afinal, o governador de São Paulo, José Serra, do partido de Capez, teve que ir para o exílio por causa do golpe militar.
Será que serei condenado a pagar R$ 50 mil por ter dito o que acabo de dizer?
Ontem entrei com mandado de segurança contra a medida da juíza Kôroko.
Aguardemos.’
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Nota oficial da ABI
‘A ABI manifestou nesta sexta-feira, 21 de dezembro, seu protesto contra a decisão da Juíza Tônia Yuka Kôroko, da 13a. Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, que proibiu o jornalista José Carlos Kfouri de publicar em seu blog no UOL textos que possam ser considerados ofensivos ao Deputado estadual Fernando Capez (PSDB), sob pena de multa de R$ 50 mil se não observar essa restrição. A ABI entende que a Juíza Kôroko cometeu violação do texto da Constituição, cujo artigo 220, parágrafo 2º, declara que ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’.
Em declaração firmada por seu Presidente, Maurício Azêdo, a ABI afirma que é lamentável que juízes como a Senhora Tônia Yuka Kôroço não só desconheçam o texto constitucional, como indica a liminar por ela concedida a pedido do Deputado Capez, como promovam agressões ao Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição, o qual é produto das lutas travadas pelo povo brasileiro contra o arbítrio, como o contido nessa decisão, que ela impôs ao jornalista José Carlos Kfouri. É lamentável também, entende a ABI, que essa decisão não tenha sido revogada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como postulou Kfouri em recurso não acolhido pelo Desembargador Luiz Antônio de Godoy.
A ABI considera que, além de violar o texto da Constituição, a decisão da Juíza Kôroko prima pelo subjetivismo e se baseia num pressuposto que pretende conferir à sua autora poderes de adivinho, por classificar de ofensa aquilo que o jornalista José Carlos Kfouri ainda não escreveu. No caso, estamos diante não de uma decisão judicial, mas de manifestação de uma pitonisa.
Além de se solidarizar com Kfouri e com o UOL, igualmente punido pela restrição à sua liberdade de informar, a ABI espera que ambos defendam o direito de informação e de opinião em todas as instâncias do Poder Judiciário, que precisa assumir neste episódio, como é seu dever, o papel de guardião das franquias democráticas e das liberdades civis que lhe cabe.’
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A íntegra do recurso de Juca Kfouri
Exmo. Sr. Dr. Presidente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
(….) e não podemos, Presidente, muito menos a partir de simples presunção, não podemos, a priori, implementar uma censura e obstaculizar a própria informação. Diria que vivemos novos ares e não devemos ter a mínima saudade do período anterior a 1988. Digo que a época é de luz e não de treva. (….) Min. Marco Aurélio de Mello
Em distribuição
URGENTE
JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI, comumente chamado JUCA KFOURI, brasileiro, casado, jornalista, portador do RG nº 3.337.194 e CPF nº 413.345.588/68, por seus advogados, vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., impetrar MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de liminar, com fulcro no inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição Federal, contra ato do DESEMBARGADOR LUIZ ANTÔNIO DE GODOY, DA 1ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, com endereço nesta Capital, no Palácio da Justiça, na Pça. da Sé, sem nº, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:
i. A VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA IMPETRANTE
1. A r. decisão, proferida pelo Exmo. Des. Luiz Antônio de Godoy, que indeferiu efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento interposto pelo impetrante, violou direito líquido e certo que lhe assiste, assegurado pelos incisos IV, IX, XIV do artigo 5º e art. 220 da Constituição Federal, que estabelecem os princípios da liberdade de informação, imprensa e manifestação do pensamento, vedando qualquer tipo de censura. Isto porque tal r. decisão manteve inaceitável e inconstitucional ordem de censura determinada ao impetrante, causando-lhe dano irreparável.
2. É contra essa decisão judicial, da qual o impetrante foi intimado no dia 03 de dezembro p.p., que ele impetra o presente mandado de segurança, esclarecendo que, negada a antecipação da tutela recursal, em sede de agravo de instrumento, não há recurso judicial cabível dessa decisão, nos termos do art. 527, § único do Código de Processo, não restando à impetrante senão a impetração do presente mandamus.
3. Demonstre-se a inquestionável necessidade da concessão da segurança pleiteada.
4. A decisão objeto do agravo de instrumento em questão concedeu antecipação dos efeitos da tutela a Fernando Capez – cuja citação, para integrar a lide na qualidade de assistente litisconsorcial da autoridade impetrada é ao final requerida – proibindo o impetrante de ‘ofendê-lo’, sob pena de multa de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais).
5. Ninguém ‘pode’ ofender alguém, sob pena de responder civil e criminalmente pela ofensa. Isso está escrito na Constituição Federal e não pode ser objeto de uma decisão judicial aberta e projetada para o futuro, que não tem outro conteúdo, efeito, fundamento e objetivo que não o de ameaçar e restringir a atuação do jornalista. Mesmo em face da óbvia teratologia daquela decisão, a autoridade impetrada, Relator designado no agravo de instrumento dela interposto, houve por bem indeferir o efeito suspensivo a que o impetrante tinha e tem direito, nos termos do art. 527, III, do Cód. de Proc. Civil. A autoridade impetrada, assim, manteve a ordem de censura imposta ao impetrante.
6. A decisão impetrada viola frontalmente o direito líquido e certo do impetrante ao livre exercício da atividade de imprensa, à expressão do pensamento e informação, conforme lhe asseguram os incisos IV, IX, XIV do artigo 5º, e artigo 220, todos da Constituição Federal.
ii – razões para concessão da segurança
7. Como dito, a decisão impetrada viola frontalmente o direito do impetrante ao exercício de sua atividade jornalística, nos termos dos artigos 5º, incisos IV, IX, XIV e 220 da Constituição Federal, que garantem a liberdade de manifestação do pensamento, da comunicação, da informação e da imprensa, sem qualquer restrição ou embaraço.
8. Essa decisão negou efeito suspensivo ao agravo de instrumento interposto contra decisão que impôs pena de multa de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada ‘ofensa’ que vier a ser praticada pelo impetrante contra Fernando Capez. Note-se que o impetrante não pretende e nunca pretendeu ‘ofender’ Fernando Capez ou afrontar seu patrimônio moral de qualquer forma, e nem jamais o fez. Nem se cogite, tampouco, que o impetrante, através do presente mandado de segurança, pretenderia ser autorizado a ‘ofender’ Fernando Capez, saltando aos olhos o absurdo dessa hipótese.
9. Evidentemente, por força de dispositivos contidos tanto na Constituição Federal como nos Códigos Civil e Penal, é vedado a quem quer que seja ofender outra pessoa, sob pena de aplicação das penalidades cabíveis.
10. Ocorre que o mesmo arcabouço jurídico ressalva o direito de crítica e de livre expressão do pensamento, bem como o direito à informação de interesse público, vedando qualquer forma de censura ou embaraço ao exercício desses direitos. Esses mesmos direitos, contudo, foram sumariamente ignorados pela autoridade coatora ao indeferir o efeito suspensivo pleiteado, mantendo a ordem de censura instaurada contra o impetrante.
11. Leia-se a r. decisão impetrada:
‘Indefiro o pedido.
À primeira vista, não há abuso na decisão agravada, na medida em que não teve o agravante cerceada a liberdade de bem informar como jornalista. A pretensão do agravado mostrou-se limitada, buscando apenas ser o recorrente impedido de ofender a honra subjetiva e imagem do requerente.
É vã a preocupação do agravante na medida em que, jornalista experiente e conceituado, bem sabe o significado de ofender qualquer cidadão. Não pretendendo fazê-lo no que diz respeito ao agravado, como anotado em seu arrazoado, poderá livremente exercer seu direito de crítica inclusive fazendo menção a ele em seus textos.’
12. A ordem imposta ao impetrante – que o proíbe de ‘ofender’ Fernando Capez – além de abstrata, hipotética e subjetiva, é flagrantemente ilegal e consiste em evidente embaraço à atividade de imprensa exercida pelo impetrante, embaraço esse vedado pelo texto constitucional no art. 5º, IV, IX e XIV e art. 220. Daí a necessidade de concessão da segurança pleiteada.
13. A imposição de multa ao impetrante pela abstrata hipótese de que este ‘ofenda’ Fernando Capez, viola, com toda a obviedade, os comandos referentes aos arts. 5º e 220 da Constituição, desprezando a vedação à imposição de restrições (220, ‘caput’), de embaraços (art.220, §1º) e de censura (art. 5º IX e 220, §2º) à atividade de imprensa.
14. Mesmo por hipótese, nos casos de violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, o que se admite apenas por argumento, o remédio constitucionalmente previsto é a reparação pelo dano material ou moral decorrente da atividade de imprensa, em nenhuma hipótese admitida, na ordem jurídica vigente, a imposição de cerceamentos, restrições ou censura de qualquer espécie.
15. Isso já basta para a concessão da segurança ora pleiteada, porquanto, ao contrário do que entendeu a autoridade coatora, o impetrante foi colocado, pela ordem impugnada, em situação de flagrante ilegalidade. Face à possibilidade da incidência de multa em questão, o impetrante, mesmo sendo jornalista experiente e conceituado – como ressalvou a r. decisão – se vê coagido no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e expressão.
16. A autoridade coatora parece esquecer da complexidade e das sutilezas que envolvem o uso da palavra, a expressão da crítica e mesmo a apuração dos fatos. Muito já se discutiu acerca da reparação do dano extrapatrimonial justamente porque a questão envolve análise subjetiva tanto do sofrimento humano quanto do fato concreto que supostamente o causa. O que enseja ofensa e vergonha a um, não traz qualquer dissabor a outro. Uns são exagerados quanto à proteção a determinados bens de sua personalidade, chegando ás raias da intransigência . Outros se sujeitam ao debate e confronto públicos, também utilizando-se da arena propiciada justamente pela imprensa livre.
17. Não é demais lembrar que a crítica jornalística caracteriza-se justamente pelo dissenso, questionamento, pela emissão de opinião – muitas vezes negativa – e pela discordância. É tênue a divisa entre a crítica – que mesmo veemente, irônica e dura, deve ser suportada – e a ‘ofensa’, cabendo ao jornalista profissional caminhar no fio dessa navalha, todos os dias, no exercício de seu mister.
18. É previsível, portanto, que a emissão de crítica pelo impetrante venha a ser considerara ‘ofensiva’ por Fernando Capez, sem que o seja pelo impetrante, cuja única intenção reitere-se, é exercer regularmente a atividade crítica de imprensa.
19. É sabido que cabe ao Poder Judiciário, em última instância, dirimir esse conflito. Contudo, a imposição antecipada de uma multa ao impetrante para cada ‘ofensa’ que dirija a Fernando Capez – sem prejuízo, até onde se sabe, de eventual indenização – o coloca em situação de risco iminente, que o impede de exercer livremente os direitos inerentes à liberdade de imprensa e à expressão do pensamento, violando assim, direito líquido certo de que é titular.
20. Diante da ameaça que paira sobre o impetrante – pois, com a devida vênia, a r. decisão impetrada consubstancia verdadeira ameaça – natural e humano é que o impetrante se cale, estando instituída, assim, e de plano direito, a censura que é expressamente vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.
21. Outrossim, foi demonstrado cabalmente no agravo de instrumento interposto que não há fundamento para a pretensão de Fernando Capez vez que é falsa a assertiva de que o impetrante o teria atacado por diversas vezes.
22. Na verdade, o impetrante, jornalista Juca Kfouri, JAMAIS FOI CONDENADO EM AÇÃO CIVIL OU PENAL MOVIDA POR FERNANDO CAPEZ, de modo a justificar, mesmo em tese, a ilegal decisão proferida.
23. O jornalista Juca Kfouri não foi parte em nenhum dos dois casos trazidos à tona por Fernando Capez na petição inicial que ensejou a decisão ora atacada – um relativo à alegada condenação sofrida pela Rádio Excelsior (fls. 130 dos autos) e outro referente à demanda movida em razão de editorial intitulado ‘Decifra-me se for Capez‘, publicado na revista Carta Capital, revista esta editada pela Editora Confiança Ltda.. Veja-se bem: o impetrante sequer foi réu nessas ações mencionadas pelo agravado na inicial.
24. Não tendo sido réu, por óbvio que as decisões proferidas, quaisquer que tenham sido, não afetam o impetrante e não lhe podem ser impostas, por força do art. 472 do Código de Processo Civil.
25. Com relação aos artigos e comentários que vêm sendo publicados no Blog do Juca, mantido pelo impetrante na Internet, cumpre notar que as alegações de Fernando Capez são unilaterais, não passaram pelo crivo do contraditório e simplesmente não há qualquer pronunciamento judicial sobre seu suposto caráter ofensivo. Mas basta a leitura dos referidos artigos para concluir-se que nada têm de abusivo.
26. E não se olvide que Fernando Capez é pessoa pública, que ocupou e ainda hoje ocupa relevante cargo público, o que o sujeita de maneira ampla à crítica e à publicidade de seus atos e fatos a si relativos.
27. Recorde-se que os tribunais do país têm se manifestado, em diversas oportunidades, pela ilegalidade da concessão de tutelas que imponham, previamente, restrição à liberdade de informação, tal como ocorrido no caso dos autos.
28. A propósito, insta destacar decisão do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que assim já se manifestou::
‘IMPRENSA. Proibição de publicação de notícias. Contraria a Lei de imprensa a decisão que proíbe o semanário de publicar quaisquer notícias envolvendo o nome da empresa agravada, referida em anterior edição como sendo partícipe de negócios bancários fraudulentos. Art. 1º da Lei de Imprensa.
Voto
(…)
Trata-se de medida cautelar agravante por empresa que foi mencionada em notícia publicada no semanário editado pela agravante como tendo participado de operações fraudulentas de leasing como Banestado – Banco do Estado do Paraná. Sendo ofensiva a notícia, cabia a exigência de publicação de desmentido ou de retratação e a iniciativa de ação de reparação do dano. O que não se coaduna com o sistema legal vigente e proibir-se o semanário de publicar quaisquer informações, notícias, pronunciamentos e reportagens envolvendo o nome da empresa habitacional Construções S/A. Tanto significa evidente violação à liberdade de imprensa. Consta do art. 1º da lei de Imprensa, Lei 5250, de 9 de fevereiro de 1967: Art. 1º. É livre a manifestação do pensamento e procura , o recebimento e difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer.
Posto isso, conheço do recurso pela alínea a e lhe dou provimento para julgar improcedente o pedido, com inversão do ônus da sucumbência’. (g.n.)
29. O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, também assim já se posicionou sobre o assunto:
‘Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Não se pode ignorar que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.’
30. Na mesma decisão, citando o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o Ministro assim afirmou:
É relevante observar, aqui, que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em mais de uma ocasião, também advertiu que a limitação do direito à informação e do direito (dever) de informar, mediante (inadmissível) redução de sua prática ‘ao relato puro, objetivo e asséptico de fatos, não se mostra constitucionalmente aceitável nem compatível com o pluralismo, a tolerância (…), sem os quais não há sociedade democrática (…)’(Caso Handyside, Sentença do TEDH, de 07/12/1976).
Essa mesma Corte Européia de Direitos Humanos, quando do julgamento do Caso Lingens (Sentença de 08/07/1986), após assinalar que ‘a divergência subjetiva de opiniões compõe a estrutura mesma do aspecto institucional do direito à informação’, acentua que ‘a imprensa tem a incumbência, por ser essa a sua missão, de publicar informações e idéias sobre as questões que se discutem no terreno político e em outros setores de interesse público (…)’, vindo a concluir, em tal decisão, não ser aceitável a visão daqueles que pretendem negar, à imprensa, e de expender as críticas pertinentes.’ (g.n.)
31. Destaca-se, também nesse sentido, a declaração do Ministro Sepúlveda Pertence que, em entrevista concedida à revista Época, defendeu veementemente a liberdade de imprensa e de comunicação:
‘Obter uma proibição (de divulgar), baseado na simples notícia de que algo será divulgado, pode ser até pior que a censura prévia. No passado, pelo menos, a censura prévia era feita em cima de textos que seriam publicados.'(…)
Temo que a tutela preventiva (medida que impede a publicação de determinada informação) possa degenerar para um não-me-toques incompatível com a liberdade de informação’.
32. O Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal, também já enfrentou o tema, em sede de Mandado de Segurança, ocasião na qual se manifestou acerca do aparente conflito entre os princípios da liberdade de imprensa e de informação e a proteção ao patrimônio moral, afastando a possibilidade da censura judicial, nos seguintes termos:
‘O conflito, aqui, todavia, é aparente, Presidente. O legislador previu a possibilidade de a imagem ser alcançada e aí dispôs sobre a responsabilidade: a responsabilidade o campo civil e, também, no campo penal. Mais do que isso presidente. Se estou diante de um conflito entre o coletivo e o individual, devo homenagear o coletivo.
(….) e não podemos, Presidente, muito menos a partir de simples presunção, não podemos, a priori, implementar uma censura e obstaculizar a própria informação. Diria que vivemos novos ares e não devemos ter a mínima saudade do período anterior a 1988. Digo que a época é de luz e não de treva. (….) torno a frisar que, entre o interesse individual e o coletivo, homenageio o interesse coletivo. E o interesse coletivo reside na informação do que ocorra.’
33. Como se nota, na voz de vários dos Ministros integrantes dos Tribunais Superiores, a liberdade de expressão, principalmente em assuntos de interesse público, deve ser sempre preservada. O embaraço imposto pela r. decisão ao exercício da atividade de imprensa pelo impetrante é ilegal e inconstitucional, não podendo ser mantido.
34. É inquestionável que a r. decisão impetrada, ao criar injustificável embaraço à atividade de imprensa, afronta os artigos 5º, incisos IV, IX, XIV e 220 da Constituição Federal e constitui verdadeira aberração jurídica, sendo incompatível com os mais elementares princípios democráticos. Face à violação a direito líquido e certo do impetrante, deve ser concedida a segurança.
iii – A CONCESSÃO DE LIMINAR
35. Impõe-se a concessão de liminar no presente mandado de segurança, para que seja garantido ao impetrante o exercício livre de sua atividade de imprensa desde logo.
36. Presentes, para tanto, os requisitos legais, nos termos do artigo 7 da Lei 1533/51 do Código de Processo Civil, a saber, possibilidade de ocorrência de lesão grave ou de difícil reparação e relevante fundamentação.
37. A necessidade da concessão da liminar decorre não só da relevância da fundamentação apresentada, que se ampara em direito constitucionalmente previsto, como também na existência de periculum in mora.
38. Isso porque o impetrante tem urgência em exercer sua atividade jornalística. A informação jornalística, para que seja útil, deve gozar de atualidade, de modo a se caracterizar o interesse público e jornalístico que justificam sua divulgação. A violação ao direito do impetrante se coloca diariamente e estabelece situação ilegal e inconstitucional, que não pode ser mantida.
39. Como já exposto, enquanto o impetrante estiver sujeito à absurda multa cominada, vê-se obviamente acuado no exercício da atividade constitucionalmente garantida, o que demonstra a inequívoca presença do periculum in mora.
40. Urge, pois, a concessão da liminar, inaudita altera pars, ao presente mandado de segurança, para o fim de suspender a r. decisão impetrada.
IV. conclusão
41. Por todo o exposto, é a presente para requerer seja concedida a liminar ora pleiteada, autorizando-se ao impetrante o exercício desimpedido da atividade de imprensa e de expressão do pensamento.
42. Requer, ainda, seja o impetrado notificado dos termos do presente mandamus e para que preste informações no prazo legal, devendo, ao final, ser julgado procedente o pedido para confirmar a liminar acima pleiteada, concedendo-se a segurança, para cassar a ordem de censura determinada em sede de anteciapção dos efeitos da tutela.
43. Ainda, requer o impetrante que integre a lide, na qualidade de assistente litisconsorcial da autoridade impetrada, Fernando Capez, brasileiro, casado, deputado estadual, portador da carteira de identidade nº 12.513.382-0, CPF nº 082.383.778-54, com endereço na Av. Pedro Álvares Cabral nº 201, gabinete 1042, nesta Capital, cuja intimação também fica requerida.
44. O impetrante atribui a este o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para efeitos fiscais.
Nestes termos,
P. Deferimento.
São Paulo, 17 de dezembro de 2007.
Samuel Mac Dowell de Figueiredo
OAB/SP 29.393
Taís Borja Gasparian
OAB/SP 74.182
Mônica Filgueiras da Silva Galvão
OAB/SP 165.378