A mídia preferiu passar ao largo da notícia da concessão da liminar que proíbe a exposição dos motoristas ao vexame dos testes públicos do bafômetro nas ruas e estradas paulistas. A decisão, proferida em 7 de agosto pelo desembargador José Damião Pinheiro Machado Cogan, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), também restringe a veiculação de imagens dos cidadãos que estejam passando pelas averiguações nos bloqueios policiais:
‘O que se tem observado nos meios de comunicação é que se transformou a fiscalização, que deveria ser regular e discreta, em verdadeiros espetáculos dirigidos à mídia, onde se filma e fotografa aqueles que estão se submetendo ao exame do etilômetro, violando dessa forma a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.’
De acordo com a liminar, os policiais devem trabalhar longe do alcance dos holofotes:
‘Fica concedida em parte a medida liminar para que o Exmo. Sr. Secretário da Segurança Pública determine que a Polícia Militar e a Polícia Civil, no submeter a exames de etilômetro motoristas suspeitos de estarem alcoolizados, o faça com discrição, de preferência em local próximo e reservado, como no interior de uma viatura do tipo base comunitária, por exemplo, sem a presença de público em geral ou integrantes dos meios de comunicação, que ficam proibidos de filmar ou fotografar aqueles que se submetam a referido exame, mesmo nas delegacias de polícia.’
40 milhões de desinformados
A notícia da decisão foi publicada em primeira mão por este Observatório [ver aqui]. Com exceção da Record News e da Rede Record, entre outros raros exemplos que possam ter escapado a este articulista, a mídia escondeu esta informação do público. Por defender a tese da eficácia de uma lei controversa – que muitos especialistas consideram inconstitucional – e por não prescindir do show da audiência, os veículos de comunicação têm privado os cidadãos do conhecimento de uma decisão judicial relevante para a rotina de uma população de mais de 40 milhões de pessoas (as implicações não se limitam aos motoristas).
Antes que se diga, em resposta, algo como ‘bêbados assassinos devem ser contidos’, pode-se considerar que a submissão pura e simples ao exame não faz de ninguém uma ameaça à sociedade. Muitos cidadãos sóbrios acabam sendo confundidos com os ditos ébrios, em meio à profusão e à não-discriminação jornalística de quem é quem em determinada seqüência de imagens.
Imprudência jornalística
Ainda que tenham sido pegos, motoristas que acabam ‘enquadrados’ por causa de um ou outro mililitro a mais têm lutado na Justiça contra o que classificam de constrangimento ilegal e de usurpação dos seus direitos constitucionais. No meio jurídico, não são poucos os que consideram a chamada ‘Lei Seca’ tão draconiana quanto despropositada.
Não se trata, portanto, de uma situação pacífica para a cobertura jornalística.
No sábado (20/9), contudo, a Band arriscou-se, no Brasil Urgente, em reportagem sobre o tema com imagens dos motoristas nos bloqueios.
Uma boa pauta seria a busca da resposta a uma questão: o número de acidentes provocados pela embriaguez tem caído em conseqüência do ‘medo da lei’ ou por causa do aumento da presença do Estado nas ruas? Precisamos de ‘mais lei’ ou de mais policiamento, capaz de coibir as ações dos ‘verdadeiramente perigosos’?
A edição nº 2079 da revista Veja (de 24/9/2008) pode nos dar uma pista, em duas notas na seção ‘Radar’, assinada por Lauro Jardim:
‘Lei Seca em perigo 1
‘O balanço que será divulgado na segunda-feira pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) sobre os noventa dias da Lei Seca é preocupante. Em comparação com o mesmo período de 2007, o número de mortes e acidentes fatais nas rodovias federais continuam em queda. Mas ela já não é tão acentuada quanto nos primeiros dois meses da lei. A redução do número de mortes era de 11% até 20 de agosto. Hoje, o porcentual é de 8%. O total de acidentes fatais seguiu o mesmo diapasão: há trinta dias o porcentual de queda era de 14% em relação ao mesmo período de 2007. Agora, a redução foi de 10%.
‘Lei Seca em perigo 2
‘A perda de eficácia da lei é conseqüência direta do afrouxamento da repressão. Se a tropa de bafômetros não for para as ruas, a lei vira letra morta. Para a PRF, a culpa é dos órgãos de trânsito municipais [sic], que estariam relaxando na fiscalização nas zonas urbanas. Ela sustenta que esses motoristas flagrados bêbados nas estradas consumiram álcool dentro das cidades e não foram apanhados antes de chegar às rodovias.’
O mérito da liminar concedida pelo desembargador Cogan ainda está para ser julgado. O magistrado ainda não recebeu as informações requisitadas às autoridades da Segurança Pública sobre os procedimentos da polícia para a adequação às alterações do Código Nacional de Trânsito e acerca das providências que estão sendo tomadas para o cumprimento da decisão estadual.
Enquanto isso, pode-se sugerir aos jornalistas mais cautela e menos ‘economia’ de informação. Omitir uma decisão judicial que muda rotineiramente a vida das pessoas é pior do que manipular a opinião pública para satisfazer a ideologia e os interesses de uma ‘minoria das comunicações’, com o prejuízo imediato do debate: é amputar do cidadão um conhecimento essencial para o exercício cotidiano dos seus direitos.
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Jornalista