Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Juíza manda apreender o Observatório Social

Promotora questiona autenticidade de reportagem sobre trabalho infantil e alega que as fotos foram forjadas pela equipe de jornalistas. O Observatório Social considera a apreensão da revista e a retirada das imagens do site um ato de censura, incompatível com os preceitos da democracia e da liberdade de imprensa. A organização reafirma a autenticidade das fotos e o conteúdo da denúncia.

A juíza Lúcia de Fátima Magalhães Albuquerque Silva, da Comarca de Ouro Preto, acatou ação civil pública do Ministério Público do Estado de Minas Gerais e determinou a apreensão da edição nº 9 da revista do Observatório Social. A reportagem de capa, intitulada ‘A idade da pedra’, mostra que empresas mineradoras da região de Ouro Preto usam mão-de-obra de crianças na coleta de rochas de talco. Após ser beneficiado, o talco é vendido a empresas multinacionais. A juíza também determinou a retirada, do site de internet do Observatório Social, de todas as imagens onde aparecem crianças trabalhando.

A juíza acatou a argumentação da promotora de justiça Luiza Helena Trócilo Fonseca, de que a revista ‘publicou matéria forjada expondo indevidamente menores da localidade de Mata dos Palmitos, subdistrito de Ouro Preto, como explorados nas Minas de Talco’. Na ação, a promotora alega que a publicação das fotos é ‘fato não só constrangedor aos mesmos, como a toda a comunidade, inclusive com prejuízos financeiros para todo o local. Afinal, a Mata dos Palmitos, conhecida pelo seu belo trabalho artesanal, passou a ser vista como uma comunidade em que o trabalho infantil é explorado, o que não é tolerado pela legislação vigente’.

Censura

O fato marcante é que a ação não contesta a existência de trabalho infantil, ‘não sendo este o enfoque’, segundo a promotora, ‘sendo inconseqüente tratar deste assunto nesta, que nenhum documento possui acerca das autuações ocorridas na região, nem muito menos isso verificou, já que a notícia levada ao Ministério Público era referente à utilização indevida da imagem da criança e do adolescente’.

O Ministério Público do estado de Minas Gerais está preocupado com eventuais danos causados a imagem das crianças, que foram fotografadas carregando pedras que chegam a pesar mais de 10 quilos: ‘Vale registrar que encontrou o Ministério Público, na localidade denominada Mata dos Palmitos, crianças e adolescentes assustados, e genitores enfurecidos com a imagem de seus filhos utilizadas na Internet e na revista Observatório Social, sendo identificados não só no país, como fora dele, como crianças exploradas’.

No documento que determinou a apreensão da revista e a retirada das fotos do site, escreveu a juíza Lúcia de Fátima: ‘a situação é ainda mais grave quando se verifica, pelos documentos que acompanham a inicial, que não houve autorização dos pais das crianças e adolescentes e, pior, as mesmas não estariam de fato trabalhando, mas teriam sido atraídas mediante atos ardilosos de prepostos dos requeridos para posarem para as fotografias’. Segundo ela, a publicação das fotos das crianças trabalhando ‘expõe as mesmas ao vexame e à execração pública’.

Os atos ‘ardilosos’ são baseados em depoimentos, coletados pela promotora, de que a reportagem teria dito as crianças ‘que as fotos eram para comparar a Mata dos Palmitos antiga com a nova’.

Posição do Observatório

O Observatório Social considera a apreensão da revista e a retirada das imagens do site um ato de censura, incompatível com os preceitos da democracia e da liberdade de imprensa. Sobre a ação civil pública apresentada pela promotora Luiza Helena Trócilo Fonseca, o Observatório vê um desvio do foco central do problema: ‘A promotora deveria se preocupar em enfrentar a exploração do trabalho infantil, um problema antigo na região de Ouro Preto, e não em censurar organizações empenhadas na erradicação de todas as formas de trabalho infantil’, diz o presidente do Observatório Social, Kjeld Jakobsen.

A alegação de que a reportagem foi forjada questiona a postura ética do Observatório Social e dos autores da reportagem, o jornalista Marques Casara e o fotógrafo Sérgio Vignes, que durante quatro meses investigaram a ocorrência de trabalho infantil em Minas Gerais e constataram a presença de trabalho infantil generalizado nas áreas de extração de minério de talco. Os autores da reportagem, que reafirmam a autenticidade das imagens e o conteúdo da reportagem, entregaram, no dia 11 de maio de 2006, um CD com as matrizes digitais das fotos à procuradora Adriana Augusta de Moura Souza, do Ministério Público do Trabalho.

A procuradora iniciou um procedimento investigatório que tem o objetivo de apurar os fatos apontados pela revista. Ela esteve em uma audiência pública realizada no dia 21 de março em Ouro Preto e disse o seguinte: ‘Aos olhos do jornalista Marques Casara, e aos meus olhos, a realidade é gritante e as crianças não podem continuar sendo expostas desta maneira. Não estamos aqui contra a ninguém, mas isso não pode continuar a acontecer, vamos investigar e os culpados serão punidos’. A procuradora ainda realiza diligências e promete para breve a conclusão das investigações.

Em nota publicada no site de Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o presidente da organização, Sérgio Murillo de Andrade, protestou:

‘Além do absurdo de determinar a apreensão da revista, a decisão da juíza mineira faz um questionamento inaceitável sobre a seriedade da publicação do Observatório Social e a integridade ética de dois respeitados e conceituados jornalistas’.

Nota pública

A intenção da revista, ora apreendida, é ecoar a problemática do trabalho infantil no Brasil, no intuito de conscientizar e sensibilizar as instituições e empresas que de alguma forma obtêm lucros e benefícios na exploração mineral. Empresas que compram produtos obtidos mediante exploração de mão-de-obra infantil tornam-se financiadoras desta prática.

Leia abaixo a integra da nota pública divulgada pelo Observatório Social em 27 de março de 2006:

Em fevereiro de 2006 o Instituto Observatório Social publicou uma reportagem sobre o trabalho infantil na mineração de talco na localidade de Mata dos Palmitos, em Ouro Preto (MG). Por se tratar de tema sensível e de prática ilegal, é natural que a matéria tenha provocado grande impacto. Após a publicação da reportagem, o Ministério do Desenvolvimento Social aumentou de 60 para 280 o número de bolsas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Pelo menos duas das multinacionais que compravam talco na região suspenderam o negócio com as empresas mencionadas. A Prefeitura de Ouro Preto se comprometeu a executar um projeto de desenvolvimento social e econômico na região afetada pelo trabalho infantil. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, em parceria com a Câmara Municipal de Ouro Preto, organizou uma Audiência Pública, no dia 21 de março, para discutir o tema. O Ministério Público do Trabalho instaurou um inquérito para aprofundar as investigações e apontar os responsáveis.

Por outro lado, há os que negam a existência de trabalho infantil pura e simplesmente, dentre eles políticos da região e empresas. O Observatório Social foi, inclusive, notificado extra-judicialmente por duas delas, solicitando revisões no texto da reportagem. Também tivemos a oportunidade de dialogar diretamente com representantes de algumas empresas mencionadas na matéria.

Diante disso, achamos necessário nos manifestar publicamente:

1) O Instituto Observatório Social não pratica ‘denuncismo’ e reafirma o conteúdo da reportagem;

2) Em todos os nossos trabalhos, somente fazemos afirmações passíveis de serem comprovadas;

3) No caso da exploração de esteatita em Mata dos Palmitos, reiteramos que até o dia da publicação da reportagem, pelo menos, havia crianças e adolescentes trabalhando na coleta e empilhamento de rochas, material que alimenta as cadeias produtivas do talco, da exportação de pedra-sabão e do artesanato. No caso do artesanato, também existe a participação direta das crianças e adolescentes na confecção do produto acabado.

4) A extração do talco é feita de forma clandestina, pois as mineradoras não têm autorização de lavra, o que está associado também à ocorrência de crimes ambientais e tributários;

5) O objetivo do nosso trabalho, ao apontar a violação das Normas Fundamentais de Trabalho da OIT, dentre outras irregularidades, é contribuir com a informação e o debate, pressuposto básico para solucionar os problemas.

Leia a reportagem e sua repercussão no Brasil e no exterior

A liminar de busca e apreensão da revista do Observatório Social

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Assessor de comunicação do Instituto Observatório Social – organização que analisa o comportamento de empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos direitos fundamentais dos trabalhadores