Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Justiça libera programação na TV aberta

As redes de TV obtiveram mandado de segurança que anula a obrigatoriedade de exibir programas nos horários determinados pelo governo. Com a decisão, mesmo a programação classificada como imprópria a crianças e adolescentes fica autorizada a ir ao ar em horário livre (antes das 20h).


O mandado, solicitado pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV), foi assinado pelo ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 18/4. A Folha tentou localizá-lo ontem, sem sucesso.


A vitória da Abert se dá às vésperas do prazo máximo para que as TVs passem a cumprir as novas regras de classificação de programas, elaboradas pelo Ministério da Justiça. A pasta informou ontem que irá recorrer da decisão do STJ.


Publicada em fevereiro, a portaria 264 entra em vigor no dia 13 e determina horários para programas inadequados a crianças e adolescentes (após as 20h para maiores de 12 anos, 21h para 14, 22h para 16 e 23h para 18).


A portaria também exige que as TVs respeitem os diferentes fusos horários do país. Diferentemente do que ocorre hoje, a novela classificada para 21h, por exemplo, não pode ir ao ar às 19h no Acre (18h no horário de verão).


Com o mandado de segurança, essas exigências ficam suspensas, e o governo só poderá cobrar que as redes informem, com símbolos padronizados, para que idade o programa em exibição não é recomendado.


O mandado de segurança tem efeito provisório, até o julgamento do mérito. Enquanto o STJ não decidir se as TVs devem ou não cumprir os horários, os efeitos da portaria ficam suspensos. Não há prazo para o julgamento do mérito.


Além desse processo, há outro contra a portaria de classificação sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O caminho via STJ foi uma manobra das TVs, que avaliaram que o STF não abordaria a questão até o dia 13, quando as regras entram em vigor.


José Elias Romão, diretor do departamento de classificação da MJ, afirma que, sem a obrigatoriedade dos horários, as redes de TV ficam sem controle, e a infância, desprotegida.


Flávio Cavalcanti Jr., diretor-geral da Abert, diz que ‘as TVs continuarão a fazer o que sempre fizeram’, com critérios próprios para determinar os horários de exibição, e que comunicarão a faixa etária dos programas ‘para que os pais decidam o que o filho deve ver’.


***


A decisão do STJ


Superior Tribunal de Justiça


RCDESP no MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.282 – DF (2000/0131264-2)


RELATOR : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


REQUERENTE : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISAO – ABERT E OUTROS


ADVOGADO : LUIZ CARLOS LOPES MADEIRA E OUTRO


REQUERIDO : UNIÃO


DECISÃO


Cuida-se de pedido de reconsideração (agravo regimental) interposto por Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT e outros contra decisão monocrática de minha lavra que, entendendo ter havido a revogação do ato coator, consubstanciado nas prescrições inseridas no art. 2º da Portaria n. 796/2000, do Ministério da Justiça – que veda a exibição de programas de televisão, previamente classificados, fora dos horários ali definidos –, julgou extinto o processo, sem exame de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, prejudicado o exame do agravo regimental interposto pelo MPF às fls. 347/364.


Eis os fundamentos do decisum , in verbis :




‘(…) Pretendem os impetrantes ver cassado ato do Sr. Ministro de Estado da Justiça consubstanciado na Portaria n. 796, publicada no Diário Oficial de 12/9/2000, que teria imposto a classificação de programas de televisão com efeito vinculante para as emissoras, vedando sua exibição em horários diversos dos permitidos. A medida cassatória, segundo a inicial, teria o efeito de assegurar a liberdade de expressão, princípio consagrado na Constituição da República. Ocorre que, consoante informado pelas próprias impetrantes na petição anexada às fls. 400/404, dois anos após a publicação do ato coator, mais especificamente em 21 de novembro de 2002, foi editada pelo Ministério da Justiça a Portaria n. 1.549 que, dando nova formulação à matéria, alterou o ordenamento anterior, reiterando o caráter indicativo da classificação.


No contexto da nova ordem, a classificação indicativa de filmes e programas televisivos, dentre outros eventos, estará a cargo de um Comitê Interinstitucional, vinculado à Secretaria Nacional de Justiça, que terá como atribuição opinar sobre a implementação da política de classificação de filmes, programas televisivos, espetáculos públicos e jogos eletrônicos e de RPG’.


Nos termos do artigo 3º da Portaria n. 1.549/2002, o Comitê, presidido pelo Ministério da Justiça, será integrado, entre outros órgãos, por diversas entidades representantes da indústria cinematográfica brasileira.


Em tais condições, evidencia-se a perda de objeto da ação mandamental, na medida em que, com a superveniência do novo disciplinamento, desaparece a causa determinante da impetração, não mais persistindo nenhuma ameaça ao suposto direito das impetrantes.


Confira-se, a propósito, o entendimento sintetizado nos seguintes arestos da Corte, in verbis:


‘Mandado de Segurança. Administrativo. Liquidação Extrajudicial da PREVHAB. Suspensão do Regime de Intervenção Especial. Restabelecimento de Mandatos. Portarias nºs 7.987 e 8.491 art. 2º de 2000. Portaria nº 25/2001.


1. Editado ato administrativo revogando as disposições apontadas como ilegais e abusivas, a modificação superveniente alveja o objeto da impetração, desaparecendo a causa de pedir.


2. Extinção do processo’ (MS 7.307/DF, relator Ministro Milton Luiz Pereira, pub. no DJU de 9/9/2000, p. 155).


‘ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – NULIDADE DE PORTARIA DO MINISTRO DE ESTADO DOS TRANSPORTES – EXONERAÇÃO E DESIGNAÇÃO DE MEMBROS DO CONSELHO DE AUTORIDADE PORTUÁRIA DOS PORTOS DE VITÓRIA E BARRA DO RIACHO – INOBSERVÂNCIA DE PRESSUPOSTOS LEGAIS – RECONHECIMENTO DE LAPSO COMETIDO NA ELABORAÇÃO DA PORTARIA OBJETO DO MANDAMUS – NOVO ATO MINISTERIAL TORNANDO INSUBSISTENTE A PORTARIA Nº 241-MT DE 04/07/2.001 – PERDA DO OBJETO DA AÇÃO MANDAMENTAL – EXTINÇÃO DO PROCESSO.


Impetrado o mandado de segurança e concedida a liminar, se a autoridade impetrada reconhece ter havido lapso na edição do ato impugnado e o torna insubsistente, exsurge obstáculo insuperável contra a apreciação do mérito do mandamus, pela perda do objeto, devendo ser extinto o processo, a teor do disposto no artigo 267, inciso VI, do CPC.


Mandado de segurança extinto’ (MS 7.856/DF, relator Ministro Garcia Vieira, pub. no DJU de 25/3/2002, p. 164). ‘PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDA DO OBJETO.


1. Com a edição da Portaria n. 180, de 03 de maio de 2004, que suspendeu os efeitos do ato impugnado – Portaria n. 160, cessou a causa determinante da impetração, encontrando-se prejudicado o presente mandado de segurança, por falta de objeto.


2. Agravo regimental a que se nega provimento’ (AgRg no MS n. 9.673/DF, relator Ministro Teori Albino Zavascki, pub. no DJU de 11/10/2004, p. 217).


Ante o exposto, configurada a perda do objeto da ação, julgo extinto o processo, sem exame de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, prejudicado o exame do agravo regimental interposto pelo MPF às fls. 347/364.


Publique-se. Intimem-se.’


Inconformadas, recorreram as impetrantes, por meio do agravo regimental deduzido às fls. 427/442, pontuando que, ao contrário do entendimento consubstanciado na decisão gravada, ‘o requerimento de extinção do processo (frise-se, com julgamento de mérito) fundava-se não na perda de seu objeto, (…) mas sim no reconhecimento do pedido por parte da DD. Autoridade Coatora que, ao editar regulamentos posteriores sobre a matéria, reforçou o carátermeramente indicativo da classificação (…)’, motivo pelo qual o processo deveria ser extinto com base no art. 269, inciso II, do CPC, ou seja, com julgamento do mérito.


Antes que o agravo fosse levado à mesa, peticionaram novamente as agravantes, reiterando a necessidade de reconsideração do julgado, sobretudo diante da recente edição da Portaria n. 264/2007, de 9/2/2007, do Ministério da Justiça, que, mesmo concebendo uma nova disciplina para o processo de classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão, fez questão de manter em vigor o artigo 2º da Portaria n. 796/2000.


Em face da nova situação, decorrente dos termos da Portaria n. 264/2007, que, ao preservar a norma impugnada no presente writ, deixa dúvidas quanto à conduta a ser doravante adotada pela autoridade coatora, requerem as impetrantes a reconsideração do decisum que extinguiu o feito sem julgamento de mérito.


É o relatório. Decido.


Após o atento exame das questões aduzidas no agravo, verifico que, de fato, razão assiste às impetrantes em questionar os termos da decisão agravada, que extinguiu o feito sem exame de mérito ao argumento de que a ação perdera seu objeto.


Confira-se o trecho do julgado que sintetiza o inconformismo das agravantes:




‘(…) Em tais condições, evidencia-se a perda de objeto da ação mandamental, na medida em que, com a superveniência do novo disciplinamento, desaparece a causa determinante da impetração, não mais persistindo nenhuma ameaça ao suposto direito das impetrantes.’


Tal entendimento fora formulado com base na idéia de que o objetivo da autoridade coatora ao editar a Portaria n. 1.549/2002 era, efetivamente, o de promover a revogação integral da Portaria n. 796/2000, a qual, em seu artigo 2º, vedava a exibição de programas televisivos fora dos horários ali definidos. Sob esse prisma, estaria portanto configurada a perda do objeto do writ, em face da insubsistência do ato coator a partir da edição do novo normativo.


Embora o raciocínio parecesse correto, o argumento no qual se amparava acabava por refutá-lo, tornando-o paradoxal, na medida em que, para que se pudesse afirmar, categoricamente, que nenhuma ameaça persistiria ao direito das impetrantes, seria de rigor decretar-se a extinção do feito com julgamento de mérito, provimento que teria o efeito de vincular, dali por diante, a conduta da autoridade coatora.


Em outras palavras, sem coisa julgada material, a conferir força e efeito ao conteúdo do decisum , não se iria proporcionar às impetrantes um ambiente de segurança jurídica necessário ao pleno exercício de suas atividades, porquanto permaneceriam elas à mercê de conveniências temporais da impetrada.


Nesse contexto, a edição da recente Portaria n. 264/2007 pela autoridade impetrada só veio confirmar o desacerto daquela decisão. Com efeito, examinando os termos do novo normativo regulamentar, constato que foi integralmente preservada pela autoridade coatora a regra inserida no art. 2º da Portaria n. 796/2000, fato que corrobora o argumento das impetrantes de que, ao contrário do que afirmado na decisão agravada, subsiste íntegra a causa determinante da impetração.


Ante o exposto, reconsidero a decisão agravada para restabelecer os efeitos da medida liminar deferida às fls.176/179, permanecendo, desse modo, suspensos os efeitos do ato ministerial impugnado (art. 2º da Portaria n. 796/2000) até o derradeiro julgamento do writ.


Junte-se cópia desta decisão aos autos dos Mandados de Segurança ns. 7.283, 7.284 e 7.285.


Publique-se. Intimem-se.


Brasília (DF), 18 de abril de 2007.


MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA


Relator