Está para ser aprovada pelo Senado italiano uma lei contra as interceptações telefônicas que impede jornalistas de divulgar informações sobre corrupção, máfia e afins.
A chamada Lei Alfano prevê pesadas sanções até para publicações como o texto ‘Terremoto e risadas’, publicado neste blog em 6 de abril passado, cujo conhecimento dos fatos veio à luz através de interceptações telefônicas da magistratura italiana para desbaratar redes mafiosas.
Com a justificativa de tutelar a privacy, a publicação integral ou qualquer menção a documentos de um processo implicaria prisão de dois meses e até seis anos para os jornalistas. Dado o protesto geral, o governo voltou atrás. Os jornalistas não vão ser presos, mas vão ter que arcar com uma multa de 2 a 10 mil euros. Para os donos das publicações, a multa é de cerca de 500 mil euros e, provavelmente, a falência. A imprensa não poderá publicar sobre processos e investigações em andamento, nem que os fatos sejam notórios. Juízes a cargo de processos não poderão ser entrevistados. Não poderão ser divulgadas interceptações telefônicas e fim das câmeras escondidas.
Máfia, fraudes e lavagem de dinheiro
À parte as questões éticas que sempre dividiram a categoria dos jornalistas, o fato é que o governo Silvio Berlusconi tem ido avante em calar as denúncias, livrando-se de seus desafetos na imprensa. Esta semana, pressões do alto levaram à demissão de Michele Santoro, um dos mais combativos jornalistas da TV italiana, que conduzia um programa de debate político. Por ter dado a notícia do envolvimento do ministro do Desenvolvimento Econômico com a máfia das licitações públicas, o canal Rainews foi tirado do ar. Oficialmente, o canal saiu por causa da mudança para o sistema digital, ainda em curso no país.
A categoria de jornalistas italianos está preparando uma onda de protestos. Do importante La Repubblica, que tem divulgado diversas estratégias de mobilização, aos diversos jornais distribuídos gratuitamente no país, fala-se em luta pela liberdade de imprensa e contra a mordaça. O FNSI, sindicato nacional dos jornalistas italianos, divulgou que vai recorrer à corte europeia pelos direitos do homem. Seu presidente, Franco Sidi, fala em luta permanente contra o que define ‘normas inaceitáveis, sem comparação com qualquer país democrático’.
Se não fosse pelas denúncias da imprensa, a população jamais teria tomado conhecimento das relações ambíguas do governo Berlusconi com a máfia, das fraudes nas licitações públicas e de flagrantes de lavagem de dinheiro.
Os últimos escândalos
Abaixo, os últimos escândalos, divulgados pela imprensa.
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A casa do ministro Scajola – O ex-ministro do Desenvolvimento Econômico ganhou uma casa com vista para o Coliseu, em Roma, paga, em parte, com dinheiro de um construtor implicado num processo por corrupção. Se não fosse pela imprensa, a descoberta do Ministério Público não teria sido divulgada e o ministro não teria sido demitido.**
Risadas com o terremoto – Dois construtores investigados em uma CPI sobre licitações fraudulentas em Abruzzo (palco do terremoto de abril de 2009), foram interceptados enquanto riam com a notícia da destruição da cidade de L´Aquila, imaginando seu faturamento com a tragédia.**
O senador e o chefão da máfia – Uma interceptação telefônica judicial revelou que o senador Nicola di Girolamo foi eleito, no exterior, com votos pagos pela `Ndrangheta (máfia calabresa). Depois da divulgação dos fatos pela imprensa, o senador foi demitido.A lei da mordaça alla italiana também institui o aviso prévio à igreja católica, caso a imprensa tenha de escrever sobre ela. Quando se fizer necessário (em casos de pedofilia, por exemplo), a redação deve chamar o alto escalão religioso e perguntar se lhe vai bem divulgar ou não.
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Jornalista