Foi sancionada na quarta-feira (28/5), e publicada na edição do dia seguinte do Diário Oficial da União, a Lei Complementar nº 131, de 2009, que determina que a União, estados, Distrito Federal e municípios divulguem, em tempo real, informações sobre sua execução financeira e orçamentária. A nova legislação altera a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para criar mecanismos que dêem mais transparência ao orçamento público em todos os níveis de governo.
Trata-se de mais um avanço na transparência da gestão pública brasileira, que vem se somar a diversas ações do governo federal e de governos estaduais e municipais que visam dar maior acesso à informação pública. Ações como o Portal da Transparência, mantido pela Controladoria-Geral da União e que atualmente já disponibiliza diversos dados sobre os gastos públicos federais na internet. Como o site Contas Públicas, administrado pelo TCU em atendimento à Lei nº 9.755, de 1998. Ou como a apresentação, ainda que com mais de 20 anos de atraso, de um projeto de lei que regulamenta os preceitos constitucionais sobre acesso à informação pública (sobre o tema, ver, neste Observatório, ‘Liberdade, ainda que tardia‘).
Mais transparência é conquista do cidadão
Desculpem-me. Reconheço que o tom desses parágrafos iniciais parece um tanto quanto chapa-branca. Tratarei de atenuá-lo. Como dizia Joseph Schumpeter (1883-1950), nenhum regime que se baseie na legitimação pela maioria tem como escapar da obrigatoriedade de apresentação das decisões governamentais à opinião pública. Mais transparência é nada mais do que uma conquista dos cidadãos, um resultado esperado do amadurecimento das instituições democráticas brasileiras.
E a Lei Complementar nº 131, de 2009, quem diria, é resultado tanto da pressão de uma sociedade acusada de omissa quanto do trabalho de um achincalhado Poder Legislativo. A caminhada da lei sancionada pelo presidente Lula teve seu início em 2003, com uma proposição – PLS 130/03 – apresentada pelo então senador João Capiberibe (PSB-AP), cujo mandato seria cassado pelo TSE no ano seguinte. A redação final é resultado de diversas alterações e acréscimos sofridos pelo projeto ao longo de seus mais de seis anos de tramitação no Senado e na Câmara, por sugestões de parlamentares ou de entidades representativas da sociedade.
O resultado é uma lei ‘redonda’, que amplia as exigências de transparência originalmente existentes na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Seu texto estabelece o incentivo à participação popular e à realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Também assegura o acesso de qualquer pessoa física ou jurídica a informações sobre despesas e receitas do governo federal, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de dar a qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato o poder de denunciar ao Ministério Público e aos tribunais de contas o descumprimento das regras da LRF.
Mas a regra mais importante é a que obriga a liberação ao pleno conhecimento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em todos os níveis de governo. Essa liberação deverá ser feita, obviamente, por meio da internet, ainda que a lei cite apenas ‘meios eletrônicos de acesso público’ – talvez pensando nas muitas cidades brasileiras que ainda não contam com acesso à rede mundial de computadores. O software que fará o gerenciamento e a publicação desses dados já está pronto – é o Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios (SIAFEM), produzido pelo SERPRO com base no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) do governo federal, e já utilizado por diversos estados e municípios.
Falta a implementação
A Lei Complementar nº 131, de 2009, prevê que União, estados, Distrito Federal e municípios com mais de 100 mil habitantes terão um ano para se adequarem às novas regras. Municípios com mais de 50 mil e menos de 100 mil habitantes terão dois anos de prazo. Já os municípios com menos de 50 mil habitantes terão quatro anos para começarem a cumprir as novas exigências.
Mas, ainda que seja um indiscutível avanço, é possível que a lei recém sancionada passe por questionamentos jurídicos quanto à sua constitucionalidade. A Lei nº 9.755, de 1998, por exemplo, que criou o portal Contas Públicas, é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo governo do estado da Paraíba (ADI 2198/00). O argumento utilizado é o de que, ao obrigar estados e municípios a disponibilizarem informações no site mantido pelo Executivo, foi descumprido o pacto federativo. O mesmo argumento, com adaptações, pode ser utilizado contra a Lei Complementar nº 131, de 2009, por governadores e prefeitos inconformados com as novas regras de transparência. E haverá muitos inconformados, com certeza.
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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados; editor do blog Museu da Propaganda