Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Liberdade de imprensa e de informação estão comprometidas

A anulação do Decreto-Lei 972/69 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) pode não representar um mal em si, mas com certeza causa muita polêmica. Afinal, se para ser repórter não é preciso diploma, por que alguém deveria frequentar a faculdade para se tornar advogado ou para disputar uma vaga de juiz? Não bastaria conhecer a Constituição Federal, o Código Penal e as leis ordinárias para exercer a função com a devida competência?


Teoricamente, exigir diplomas de juristas também contraria o senso democrático e os princípios da igualdade social. Todo mundo sabe que a justiça brasileira é demasiadamente cara, desigual e elitista. Enquanto um pobre é condenado por roubar um pote de margarina num supermercado, o rico que lava dinheiro ou pratica crimes do colarinho branco pode gozar de plena liberdade sem nem mesmo ser algemado.


Afirmar que a profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade é ignorar a história recente do mau exercício da profissão. Em todo o mundo, muita gente tem recorrido à Justiça por se sentir caluniada ou difamada pela chamada ‘imprensa marrom’. É só lembrar o caso da Escola Base de São Paulo, cujos donos foram injustamente acusados de um crime que não cometeram e tiveram suas vidas arruinadas.


Na Europa, recentemente, um cidadão português processou vários jornais depois de ser apontado como suspeito de ter sequestrado a menina britânica Madeleine. O curioso é que quando a imprensa erra geralmente publica a retratação numa notinha de pé de página que quase ninguém lê. E se alguns diplomados agem dessa forma, que dirá os sem-diploma, que pela ausência de formação especializada pouco sabem sobre ética e responsabilidade?


Cozinheiro e jornalista no mesmo nível


Ora, ora, ora! O problema do jornalismo não era o diploma. Embora existam diplomados incapazes de exercer a profissão com a devida competência em qualquer ramo de negócio, o fato é que a lei não exigia formação específica de articulistas e colaboradores. O diploma era necessário, sim, para o exercício pleno de atividades restritas à reportagem e à edição de notícias. Ao médico, por exemplo, sempre foi permitido assinar artigos sobre medicina. Da mesma forma, um chef de cozinha escreve receitas e um cidadão comum se manifesta nas seções de opinião.


Argumentar que o diploma tolhia a liberdade de informação é o mesmo que culpar os jornalistas pelo fato de alguns donos de jornais terem compromissos obscuros com o poder econômico ou com políticos de idoneidade duvidosa. Num país onde o analfabeto pode votar e até se eleger deputado ou presidente da República, diploma nenhum haveria mesmo de fazer falta. Convém ressaltar que a linha editorial do noticiário é estabelecida pelos patrões, quase nunca pelos jornalistas. Ao contrário do que dizem, o fim do diploma compromete a liberdade de imprensa e o livre exercício da informação.


Do ponto de vista prático, devemos reconhecer que o jornalista já nasce jornalista. Curiosidade e sede de conhecimento são as suas principais características. A passagem pela faculdade se faz necessária para abrir seus horizontes às particularidades da profissão, acrescentando conhecimentos de sociologia, história, ética, estética, técnicas de redação e teoria da comunicação. Uma faculdade que vende diplomas ou que despeja no mercado centenas de profissionais despreparados deveria simplesmente ser fechada pelo Ministério da Educação. No entanto, esse tipo de prática não se restringe às comunicações.


O problema da decisão do STF é que o assunto não foi devidamente discutido com a sociedade. Não foi feito um plebiscito, uma pesquisa de opinião pública ou mesmo um seminário com a presença de patrões e trabalhadores do setor. O curso de Jornalismo poderia, por exemplo, se transformar numa pós-graduação. Mas como, se agora nem é preciso ter um curso superior para exercer a profissão? Cozinheiro e jornalista estão no mesmo nível, oferecendo riscos semelhantes ao público. Se o primeiro pode envenenar a freguesia com um atum estragado, o segundo pode destruir reputações. Devo dizer que não tenho nada contra cozinheiros, mas não posso ser comparado a eles simplesmente porque não sei cozinhar e acredito que boa parte deles não sabe escrever.


Abrindo as redações aos aventureiros


Há poucos dias também sepultaram a Lei de Imprensa, que regulamentava a responsabilidade da mídia no país. Aliás, cabe abrir um parêntese: o jornalismo faz parte da mídia, mas a mídia não se resume ao jornalismo. Nos Estados Unidos, por exemplo, é vetado o monopólio das comunicações. O empresário tem que escolher entre ser dono de um grande jornal ou de uma rede de televisão. No Brasil, desde os tempos do poderoso capitão Chateau, quanto mais, melhor. E o mais curioso é que ninguém discute o assunto.


Os donos de jornais e de emissoras de rádio e TV certamente acreditam que a decisão do Supremo beneficia seus interesses. Afinal, sem a exigência do famigerado diploma, podem empregar quem bem entenderem, condenando ao esquecimento 40 anos de lutas sindicais pela regulamentação da profissão e pela fixação de salários justos para uma categoria que teve papel fundamental na redemocratização do país.


Se a remuneração e o respeito profissional já deixavam a desejar, as coisas tendem a piorar daqui para a frente. Se a qualidade dos periódicos brasileiros tem caído a olhos vistos, sobretudo depois do advento da internet, a não exigência do diploma de jornalista joga uma pá de cal sobre o exercício digno da profissão e abre as redações aos aventureiros.

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Jornalista e escritor, site: www.jorgefernando
santos.com.br