No longínquo sertão pernambucano existe uma cidadezinha chamada São Bento do Una. Distante 204 km de Recife, com uma população estimada em 47.230 habitantes, segundo dados levantados pelo IBGE em 2007, a pequena comunidade foi objeto de uma reportagem no Jornal da Manhã (TV Globo, 17/04/2009) por causa de um estranho hábito dos moradores do lugar. Por se tratar de um comportamento raro entre o povo brasileiro, o fato despertou o faro jornalístico da equipe de profissionais da emissora e virou notícia. No início, as imagens lembravam alguma matéria sobre a seca nordestina. Com o seu andamento, porém, o que se viu foi de emocionar. O estranho hábito daquela gente humilde, perdida no interior de Pernambuco, com pouco estudo, era, tão somente, a sua consciência política.
Lá, na pequenina São Bento do Una, a fiscalização da atividade política é uma prática comum à maioria dos homens e mulheres do lugar. Todas as noites, grande número deles vai assistir às sessões da Câmara de Vereadores para acompanhar de perto o que o seu representante faz, como e o que vota, sempre cobrando as promessas de campanha. Os vereadores, coitados, desacostumados, se sentiram incomodados e quiseram se livrar daquela platéia exigente. Para tanto, apresentaram uma proposta para mudar o horário dos trabalhos legislativos para o turno matutino, pensando que em tal horário aqueles chatos não iriam vigiá-los. Mas se deram mal. No dia da votação, lá estavam os inoportunos ‘fiscais’, lotando o plenário da Câmara, exigindo que as sessões continuassem de noite porque de dia eles tinham o que fazer e lhes faltava tempo para acompanhar os estafantes trabalhos dos ilustres camaristas.
Nova consciência cidadã
Que exemplo para o resto do Brasil! Um país em que o desencanto com a política transforma o cidadão num ser apático, sem entender por que o Congresso Nacional não cumpre as suas funções constitucionais, pouco se importando com a sorte do povo brasileiro, sem entender também por que os congressistas se preocupam, sim, com os seus próprios interesses, para os quais legislam com desenvoltura. De quem é a culpa pelo mundo político brasileiro ter se desconectado completamente dos seus representados? Da apatia, do desinteresse e da cegueira política do eleitor que ‘não ouve, não fala e não vê’, como diz Bertolt Brecht (1898-1956). Quem não tem consciência política, não se interessa em escolher um nome certo para votar e, não raro, vende o voto. Até mesmo o eleitor mais esclarecido não se preocupa em cobrar resultados, vive a amaldiçoar a política e os políticos e, com freqüência, diz: ‘De que adianta votar, se tudo vai continuar na mesma?’
Este tipo de descolamento em nada contribui para solucionar os problemas que afligem o povo. O desinteresse por política é que leva o brasileiro a viver a realidade dura em que vive: empobrecimento assustador, desemprego crescente, salário mínimo vergonhoso, aposentados e pensionistas do INSS com pires na mão, funcionalismo público humilhado, falta de investimentos em educação, saúde, transporte, segurança, além de outras mazelas. É justamente a falta de consciência política do eleitor que leva deputados e senadores a fazerem farras com o dinheiro público – tão noticiadas na mídia diariamente. Alheio, o eleitor não percebe que esse tipo de político é o mesmo que reaparece em tempos de eleições com as mesmas promessas, as mesmas encenações, num círculo vicioso e interminável, gerando entre eles um profundo fosso de desalento e descrédito.
Fiscalizar, cobrar, e exigir ações moralizadoras do seu representante no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores é uma obrigação de cada cidadão, se quiser deixar de ser refém dos políticos desonestos, dissociados da realidade que os cerca. Como é impossível ao povo assistir às sessões de todas as casas legislativas brasileiras, há outros meios que podem ajudá-lo – as novas tecnologias da informação. Os canais de televisão da Câmara e do Senado, por exemplo. As duas emissoras não são as salvadoras da pátria, mas servem para o eleitor enxergar quem é quem e se precaver contra as arbitrariedades do próprio poder Legislativo. Contra o caos que se estabeleceu no Brasil, se o eleitor fiscalizar as ações de cada político a quem deu seu voto já é bom começo. Que São Bento do Una sirva de incentivo para uma nova consciência cidadã no Brasil.
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Jornalista, Salvador, BA