Como é torta, preconceituosa e enfadonha a cobertura de parte da imprensa no caso da chacina familiar em São Paulo, querendo vincular a morte dos pais PMs ao fato do filho ter, no Facebook, a foto de um personagem de videogame. É o que chamo de “jornalismo dedutivo”: se você é assassino e joga videogame, todos que jogam videogames são assassinos. Ou se você joga games violentos, logo será uma pessoa violenta.
Não há pesquisa científica que tenha comprovado vínculos, causas, ligações ou mesmo associações entre atos violentos e jogos violentos. Aliás, existem estudos que provam justamente que o discurso da mídia tradicional só serve para ratificar preconceitos encalacrados no imaginário das pessoas.
Depois da tragédia de Columbine, em 1999, quando dois alunos mataram doze colegas em uma escola nos EUA, o FBI fez um estudo (“The School Shooter: A Threat Assessment Perspective”) a partir de suas investigações sobre o caso e concluiu: a causa do massacre foi uma combinação de comportamentos dos responsáveis pela matança – um deles, um psicopata com sede de vingança por sentimentos de exclusão; o outro, um maníaco-depressivo disposto a ajudá-lo. A correlação com o interesse por games não foi, em nenhum momento, apontada como uma causa. Mesmo assim, imprensa e a sociedade, em geral, associaram a tragédia com o fato da dupla jogar games de tiro em primeira pessoa.
Games faturaram bilhões
Uma outra pesquisa feita desta vez pela Common Sense Media, aponta que 77% dos pais americanos culpam jogos, filmes e a TV por manter uma cultura de violência entre as crianças. Os pais defendem medidas mais rigorosas para manter os filhos longe de conteúdos violentos: 88% acreditam que anúncios violentos não deveriam ser veiculados durante programas com grande audiência infantil e 91% apoiam que só possam ser exibidos trailers com a mesma classificação indicativa do filme.
Juntando os dois estudos: de um lado, games não matam pessoas na vida real. Do outro, pais não entendem o que os filhos fazem com seus joysticks. Curioso é que muitos pais usam o videogame como uma babá eletrônica: com os olhos grudados na tela, o menino para de fazer bagunça.
Leve em consideração ainda que o videogame não é mais uma novidade na cultura de massa. Ele existe há pelo menos 30 anos. Muitos adultos de hoje são, e sempre serão, gamemaníacos. Desde o Atari, passando por consoles de oito e 16 bits, até a indústria que se tornou hoje, os games se tornaram uma mídia que deve faturar cerca de US$ 75 bilhões até 2015. Para se ter uma ideia do montante, em 2010 todos os filmes produzidos em Hollywood juntos lucraram a metade.
Comunicação interpessoal
Isso sem falar nos mais variados grupos de pesquisa dedicados à interação e aos aspectos cognitivos entre jogadores e games. A UERJ, por exemplo, possui um grupo de pesquisadores dedicados a analisar os processos de produção dos sistemas de entretenimento contemporâneos.
Mas então qual a melhor saída para que pais e filhos se entendam sobre os temidos e viciantes games? Juntar pais e filhos em torno do console e dialogar sobre os games. Conversar, esclarecer, se informar. Não, os mais velhos não vão precisar ficar com calo nos dedos de tanto tentar passar da primeira fase de algum jogo, mas por que procurar saber o que os filhotes nerds jogam e por que gostam tanto? Se inteirar do mundo dos filhos pode ser uma medida saudável não apenas por desmistificar preconceitos, mas por aproximar os dois lados.
Já que a comunicação de massa insiste no desconhecimento, preconceito e falta de uma apuração mais depurada, a comunicação interpessoal pode ser uma alternativa para estimular a imprensa a sair do game over.
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Felipe Barreto é jornalista, mestrando em Comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e jogador de videogames desde 1986