A manchete da edição de sexta-feira (9/3) da Folha de S. Paulo remete o Brasil de volta aos meados do século passado, ao anunciar que “fatia da indústria no PIB retorna ao nível dos anos 50”. A explicação, logo abaixo, informa que a participação do setor industrial no Produto Interno Bruto caiu para 14,6%, “a menor desde 1956, primeiro ano do governo Juscelino Kubitschek”.
A notícia, veiculada antes na edição online do jornal paulista, ganhou imediata repercussão em outros endereços eletrônicos, como o da revista Veja, e produziu uma série de comentários de internautas contra o governo federal.
Nos outros jornais de circulação nacional, os dados da produção industrial e sua participação no Produto Interno Bruto foram tratados de maneira absolutamente diversa, sem o catastrofismo apocalíptico da Folha. O Globo, por exemplo, informa que a indústria brasileira faturou em janeiro 1,4% menos do que em fevereiro, e que esse movimento de recuo se verifica pelo segundo mês consecutivo. No entanto, mesmo a Confederação Nacional da Indústria, consultada pelo jornal carioca, considera que não se trata de uma tendência preocupante, porque a desova dos estoques nas fábricas e as medidas adotadas pelo governo no fim do ano passado começam a fazer efeito. Além disso, a CNI vê melhoras no cenário externo.
Queda e recuperação
No Estado de S. Paulo, numa avaliação completamente oposta à da Folha, a reportagem de capa no caderno “Economia&Negócios” anuncia novas ações do governo para estimular o setor, como o corte de imposto de fabricantes de máquinas, autopeças, pneus e têxteis. Na reportagem específica sobre os números da indústria, da mesma forma que o Globo, o Estadão transmite o otimismo do setor com relação aos próximos meses.
Um detalhe, entre as declarações do representante da CNI: a expectativa é de uma melhora gradual já no primeiro semestre, “até porque a demanda se mantém forte, com praticamente pleno emprego e aumento de salários e benefícios”.
Será que a Folha de S. Paulo conta com recursos de apuração e análise que estão fora do alcance de seus concorrentes?
A resposta é: não – a Folha produz uma peça de política, não de economia. Apanha um fração dos dados, referente à indústria de transformação, e a transpõe para o quadro geral da economia, gerando um factoide ancorado na imagem pública de Juscelino Kubitschek como o presidente que criou o moderno parque industrial brasileiro.
Qual é o interesse da Folha ao desconstruir os fatos e recompô-los com o viés pessimista? Isso só os editores do jornal podem explicar.
O que se pode fazer na observação da imprensa é buscar elementos que formam a complexidade do tema específico, para ajudar o leitor a interpretar os fatos com mais segurança.
Em primeiro lugar, note-se que o gráfico apresentado pelo jornal paulista para comparar o atual estágio da indústria nacional com o período de Juscelino mostra que o melhor desempenho acontece em 1985, decaindo rapidamente até 1990.
Nota-se também que a maior queda da atividade industrial começa em 1992, quando ao mesmo tempo se consolidam as medidas atabalhoadas de abertura da economia e se encerra o governo de Fernando Collor de Mello. A maior perda de participação da indústria no PIB ocorre numa escala quase vertical entre 1992 e 1998, com uma recuperação gradativa que alcança seu auge entre 2004 e 2005.
O meio é a embalagem
Considerando-se o que acontece com a economia mundial nesse período e até os dias de hoje, não é preciso ser doutor em economia para compreender que estamos lidando com outro cenário, em nada comparável aos anos 50 do século passado.
O impacto das novas tecnologias, o acelerado processo de globalização e a opção do Brasil por basear sua economia na geração de renda para o consumo interno são elementos que afetam a indústria de transformação. Esses fatores são citados pelos representantes do setor industrial ouvidos pelos jornais. Há até mesmo uma controvérsia entre membros da CNI e empresários do comércio exterior sobre o efeito das importações na queda da indústria.
Um dado interessante, que a imprensa deixa um pouco de lado, é o fenômeno do rompimento de alguns elos nas cadeias produtivas, que podem afetar a capacidade do governo e dos empresários do setor de produzir estratégias seguras de longo prazo. Mas esse fenômeno não é típico do Brasil – pelo contrário, é resultado do interesse das grandes corporações transnacionais de fragmentar a produção, levando fábricas de componentes específicos para os países onde os custos são menores.
A manchete da Folha justifica aqueles que dizem que o meio é a embalagem. De peixe.