‘O amor, segundo a letra da velha valsa, é um holocausto de palpitações. O Brasil está vivendo um holocausto de hipocrisias.
Uma hipocrisia explode de dentro da outra, como nos fogos de artifício. Difícil saber qual a maior, ou a mais barulhenta.
A cena patética de quem viria a ser um dos homens mais importantes da República – afinal, o braço direito do braço direito do governo – oferecendo uma lei da jogatina para um empresário do jogo redigir como lhe conviesse, em troca de dinheiro para campanhas eleitorais e um porcentinho para ele, detonou a conflagração em cascata. De dentro da hipocrisia dos que passaram oito anos impedindo qualquer investigação de suspeita de escândalo no governo anterior saltou a hipocrisia do PT, que passou oito anos cobrando CPIs e agora não quer. Para outro lado saltou a hipocrisia dos que se declaram chocados – chocados! – com a cena do molha-mão explícito, como se ela não fosse uma representação barata de uma rotina, o dinheiro comprando favores da política, antiga como o dinheiro e a política. Cachoeira e Valdomiro só faziam a versão crua do que em outras esferas é feito com mais fineza e disfarces.
Como pano de fundo disto tudo, como o céu profundo atrás dos fogos, está a hipocrisia institucionalizada de um país em que o jogo é proibido e é onde mais se joga, e das maneiras mais variadas, em todo o mundo. E a da falta de uma legislação sobre financiamento de campanhas. Que pode vir, por ironia, junto com uma lei para regular os bingos.
E por trás destas está a hipocrisia maior de todas essas palpitações morais sendo usadas para desestabilizar um governo que já tinha renunciado a tudo que o tornava impalatável para os donos do poder real – da pretensão a outra política econômica até a sua autodefinição como ‘esquerda’ – e ainda assim precisa pagar pelo acinte de ter sido eleito. Já tinham exigido a história e a coerência do PT para ele poder fingir que governa. Por que poupar a ética?
Ninguém ainda se preocupou muito em saber de onde vieram as tristes fitas do Valdomiro, e por que apareceram agora. Mas esta hipocrisia, em comparação com as megahipocrisias de artifício, soa como um tiro de espoleta.’
Arnaldo Jabor
‘Uma CPI moralista seria a vitória dos imorais’, copyright O Globo, 2/03/04
‘Será que ninguém vai levantar a voz para defender o bom funcionamento do país, diante desse ridículo episódio do ‘pecado’ de Waldomiro? Julguem o ‘pecador’, já que o caso está com ares de inquisição religiosa. Prendam-no, se for o caso, mas preservem o bem da República. Este meu artigo é óbvio, mas, diante de tanta hipocrisia, só obvio pode ajudar. Esse episódio não tem a menor importância; o fato de terem descoberto um assessor com a mão na cumbuca não beneficia nem a moralidade nem a verdade. Ao contrário, esse ardor udenista anacrônico, com a súbita ‘pureza’ dos velhos políticos fisiológicos, eriçados como as ‘cerdas bravas do javali’, só prejudica a todos nós. Não há desejo de ‘moralidade’. O desejo real é de abalar o PT no poder. Mais nada. Os que me lêem, na minha pobre vida de jornalista, sabem que passei oito anos esculhambando o PT e, especialmente, o Zé Dirceu porque, em nome de interesses partidários, prejudicaram um momento em que tivemos um presidente decente, seriamente preocupado com a modernização do país. Atazanaram o homem como se ele fosse mais um picareta que tivesse chegado ao poder. Não era. FH foi uma exceção na história da República; foi um acaso político que um homem de sua estatura chegasse ao poder. O Lula também é um caso excepcional. Ambos são filhos do mesmo momento histórico, de 20 anos atrás, quando a redemocratização propiciou o surgimento de um partido de origem trabalhista como o PT e um partido ético, liderado por homens sérios e patriotas como Montoro, Serra, Covas e FH, entre outros.
Duas visões irmãs da social-democracia. Uma das grandes decepções de minha vida foi ver o PT atacando o velho companheiro FH, que distribuía panfletos com Lula em São Bernardo; foi ver a estúpida academia atacar seu colega FH por rancor e inveja, foi ver que os intelectuais não percebiam que esse acaso histórico tinha de ser preservado contra os falsos cânones tradicionais, contra categorias formais de análise política.
O Brasil não é um país normal. Não pode ser analisado por critérios idealizados, como se fôssemos Suíça ou Bélgica. O Brasil é a história da predação de donatários sobre colonos, o Brasil é a história de uma endemia corrupta de 400 anos, de um grande discurso oligárquico, para manter os cidadãos iludidos e inermes. Se olharmos para trás, só veremos horrores no poder, chanchadas, caricaturas, presidentes depostos, militares boçais, bêbedos renunciando, megalomaníacos fazendo cidades, camarilhas de Ali-Babas falando em ‘honra’. Que papo é esse de ‘restauração de moralidade’ dentro do vergonhoso ambiente político que nos assola? O Brasil é um grande bingo. Que ‘moralidade’ é essa que a mídia defende, obedecendo cegamente à versão oficial de políticos que querem desestruturar um governo que é originariamente (e até ingenuamente) comprometido com a tentativa de mudança do país? Não votei em Lula. O PT no poder tem cometido bobagens, sem dúvida. Mas não é esse o problema principal. Estão tentando pegar no PT uma doença que não é dele. O PT, Lula, Dirceu sofrem de outras ‘doenças infantis’, mas não sofrem da doença desse estamento fisiológico que comanda a zorra total há seculos. Alguém chamou de ‘síndrome da farinha do mesmo saco’. ‘Está provado. Viva! Somos todos iguais!’, berram os corruptos. Essa gente odeia não o PT ou o FH; eles têm horror de qualquer governo com algum projeto ideológico para o país. A maior novidade dos governos de FH e de Lula foi justamente que, em vez de chafurdarem gostosamente no lodo – como sempre fizeram outros governos – buscaram uma renovação ética. Os dois presidentes tratam a escrotidão fisiológica pragmaticamente, tentando governar com o país possível. Seu erro é que dois homens progressistas governaram, um com o apoio de ACM, outro com o de Sarney, e nunca se uniram. Como explicar isso? Neste momento, o ato mais revolucionário e patriótico seria o PSDB atacar publicamente essa CPI absurda, tirando munição dos golpistas que defendem a ‘honestidade’. Não se trata de defender pessoas, Dirceu, quem seja, mas de defender a máquina republicana. Deixaram essa função para o PMDB. Quem está fazendo isso? Sarney – a quem Lula foi pedir ajuda. Por bons ou maus motivos, Sarney está fazendo o que o PSDB devia fazer. A oposição que o PT fez a FH por oito anos foi um dos maiores erros históricos do Brasil, uma enorme oportunidade perdida. Será que o PSDB, que se arroga uma visão macro-histórica, ‘processual’, vai repetir o erro? Quem ganha com uma CPI e com um governo entrando em ‘anomia’ são justamente os parasitas que vivem entre o público e o privado, são os reacionários tradicionais, são os velhos udenistas disfarçados, são os oligarcas que querem o retorno do tempo torto, quando a metáfora ‘brasil’ era apenas um pretexto para os negócios espúrios.
A mídia, em geral, cai na rede do moralismo e de uma ‘objetividade’ não opinativa e não questiona os motivos sujos atrás da busca de ‘pureza’. Ficam rodando na aparência dos fatos e não desvendam os motivos ocultos. Eu digo claramente o que penso: Zé Dirceu é um defensor da causa brasileira, com todas as babaquices que possa ter cometido. Esse governo padece de outras doenças, mas é basicamente ‘limpo’ e uma CPI hoje não seria uma vitória da ‘moralidade’, mas, ao contrário, seria um triunfo dos imorais.
O país do atraso quer roer os petistas no poder. Os grandes ladrões públicos se regozijam com esse escândalo que irrompeu com o Waldomiro. Políticos que sempre pensaram em vantagens resolvem bancar prostitutas escandalizadas e pedem a cabeça dos social-democratas. Foi assim com FHC e agora será com o Lula. Um udenismo malsão e hipócrita quer escangalhar a máquina do poder. Este é o paradoxo: uma CPI agora só beneficia os que odeiam a moralidade política.’
Maria Cristina Frias
‘BC falha na comunicação, dizem analistas’, copyright Folha de S. Paulo, 1/03/04
‘Falhas na comunicação do Banco Central têm acarretado volatilidade ao mercado financeiro, segundo analistas. A avaliação é que a autoridade monetária não está sendo bem-sucedida em seu papel de coordenar expectativas.
Desde outubro, decisões e atas de reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) têm surpreendido o mercado. Com freqüência, a esmagadora maioria de economistas de bancos e corretoras tem mirado para um lado e o Banco Central para outro.
As duas atas das reuniões deste ano chacoalharam os mercados, que esperavam textos muito diferentes dos que vieram a público.
O documento do Copom de janeiro, considerado excessivamente pessimista, causou grande apreensão. O temor do BC com a inflação mostrou-se muito maior do que indicavam as avaliações de economistas. Perceberam que o freio na queda de juros deverá ser mais longo que o esperado.
Na ocasião da divulgação da ata, o susto levou a Bolsa de Valores de São Paulo a cair mais de 6%, em seu pior dia desde julho de 2002, até então. O risco-país disparou 9%. Dólar e juros futuros também subiram.
A sinalização, dada no dia anterior à divulgação da ata, pelo Fed (banco central dos Estados Unidos) de que os juros norte-americanos podem subir antes do que se previa também ajudou a deteriorar os ativos.
Na última quinta-feira, a ata da reunião do Copom de fevereiro, considerada tão ou mais pessimista que a anterior, voltou a derrubar a Bolsa. A maioria dos analistas contava com um registro mais otimista, com sinalização de corte de juros em março, e se surpreendeu de novo.
‘Há um problema sério de comunicação’, diz Jorge Simino, sócio-diretor da MS Consult. E isso está gerando volatilidade.
‘Poderiam ter preparado melhor para a ata. O BC tem que liderar e organizar expectativas’, diz.
Analistas entendem que a autoridade monetária brasileira pretendeu brecar o otimismo em relação à queda de juros. Comparam, porém, seu comportamento com o do Fed, cujo presidente, Alan Greenspan, segundo esses analistas, faz declarações que colocam o mercado na direção que ele acredita correta.
O BC enfrenta um dilema, segundo Luiz Antonio Vaz das Neves, da corretora Planner: ‘Desenhar um cenário positivo para estimular investimentos, o crescimento, mas, ao mesmo tempo, lidar com a tentativa de recomposição de margens’. ‘O BC poderia ser mais objetivo. Se não é para efetivamente sinalizar o que vai ser feito, não deveria deixar espaço para falsas interpretações.’
De outubro a dezembro, houve redução de 2,5 pontos dos juros, acima do esperado. ‘De repente, ficaram pessimistas’, diz Simino.
‘Vinham com um discurso tranqüilizador e de repente radicalizaram’, concorda Walter Mundell, da Sul América. Reduzir a Selic em 1,5 ponto percentual em outubro foi um erro, avalia.
‘Imaginou-se que o BC estava tranqüilo em relação à inflação. A partir daí começaram os problemas de comunicação e volatilidade. Mas o ruído vem do PT’, diz Mundell, que ressalva que o BC tem sido brilhante, mas que o regime de metas de inflação deve ser aperfeiçoado.
Para Paulo Bastos, diretor do Unibanco, o BC errou em janeiro, quando 100% dos economistas consultados projetavam queda. ‘Poderiam ter feito uma comunicação melhor, mas também falhamos ao não considerar que o BC tem uma meta que é a de inflação’, disse.’