Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mãe tirana, filhas educadas. Será?

Daqui a pouco o livro vai chegar ao Brasil. Por enquanto está sem tradução. Professora de Direito na Universidade Yale, a chinesa Amy Chua, de 48 anos, está mexendo com a sociedade americana. É que publicou o livro Battle Hymn of the Tiger Mother (Hino de Batalha da Mãe Tigre). A mídia americana levou o tema para o recesso dos lares e muitas questões estão surgindo a propósito do modo de educar os filhos nos EUA.

Eis algumas. Será que os ocidentais não estão exagerando e, em vez de educar os filhos com a liberdade que não tiveram, agora criam os filhos com excesso de cuidados e sem impor limite algum? Não tem havido compaixão em demasia, temendo repetir a pedagogia rigorosa que contra eles foi utilizada quando eram crianças? Ela conta que criou as duas filhas – Sophia, hoje com 18 anos; e Louise, hoje com 15 – à moda chinesa, que lembra muito a antiga Esparta.

Aliás, a moda espartana era a norma em escolas brasileiras de qualidade até o final da década de 1970. Os anos 1980 e 90 trouxeram o triunfo de licenças que antes seriam impensadas. José de Souza Patrício, empresário do ramo de alimentação em Florianópolis, reuniu depoimentos de ex-colegas que com ele estudaram no Seminário Diocesano, em Tubarão (SC), na década de 1960, e deu ao volume o título de Os Espartanos de Deus. Recrutados nas paróquias quando estavam por volta de onze anos, os meninos estudaram reclusos por oito anos. Aqueles que se tornaram padres, por catorze anos: um de pré-seminário; sete para o ginásio e o colegial; e sete para cursar Filosofia e Teologia.

Limites aos abusos

A professora conta que suas filhas tinham que tirar dez em todas as disciplinas. As meninas aprenderam piano e violino em casa. E não podiam receber em casa as amiguinhas para brincar nos fins de semana. O convívio na escola, todos os dias, era tido como mais do que suficiente. Fim de semana era para estudar.

Louise, depois de ter estudado piano com a mãe durante uma semana, disse que não conseguia aprender e pediu para desistir. Amy, professora de Direito (!), conta que apelou para a violência, chutou a filha, ameaçou deixá-la sem almoço, sem festas de aniversário e anunciou que suas bonecas favoritas seriam doadas ao Exército da Salvação. Acusou a menina de preguiçosa e autoindulgente. Nem a intervenção do marido em favor da criança fez com que a mãe mudasse de ideia. E ainda acusou o pai de não acreditar nas potencialidades da filha. Enfim, Louise, conseguiu tocar a obra, ficou muito orgulhosa e dormiu abraçada à mãe. Algumas semanas depois, tocou num recital a peça que aprendera com tanto rigor. E conclui: deixar a criança desistir acaba com a sua autoestima.

Violência e falta de disciplina são ambas condenáveis. E os castigos físicos são dispensáveis, além de proibidos pelas leis em vigor. Mas talvez o livro sirva de alerta para aqueles pais omissos, que tomam a educação dos filhos como deveres da Escola e da Polícia. Pois alguém tem que pôr limites aos abusos.

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Escritor, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, pró-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro e autor de A Placenta e o Caixão, Avante, Soldados: Para Trás e Contos Reunidos (Editora LeYa)