A questão da reforma política desapareceu das mídias com o refluxo dos protestos nas grandes cidades brasileiras. Nem mesmo a decisão do Supremo Tribunal Federal, de admitir o recurso dos embargos infringentes para metade dos condenados na Ação Penal 470, foi capaz de recolocar os manifestantes nas ruas, embora a imprensa tenha martelado durante meses na tese do “clamor popular”. Não apenas a reforma não andou, como ninguém saiu às ruas para exigir qualquer coisa, como a Justiça Eleitoral acaba de autorizar a criação de mais dois partidos políticos. Vêm aí, segundo os jornais de quarta-feira (25/9), o PROS e o Solidariedade.
O PROS, como o próprio nome indica, será a favor do governo – deste governo e, quem sabe, dos próximos. Já o Solidariedade ameaça se juntar à oposição, emprestando a reputação de seu fundador, o sindicalista Paulo Pereira da Silva, à provável candidatura presidencial do senador Aécio Neves, do PSDB.
Mesmo com indícios de irregularidades na coleta de assinaturas de apoio, o Tribunal Superior Eleitoral resolveu aceitar o registro provisório das duas siglas, enquanto segue fazendo diligências.
Ora, sabe-se que, quanto mais próximas da regulamentação, mais força terão essas duas iniciativas para assegurar sua permanência, porque passam a atrair políticos que já ocupam cargos públicos, o que aumenta seu poder de pressão e deve reduzir o esforço diligente das autoridades eleitorais. Portanto, a imprensa já conta como certa a ampliação do número de partidos em atividade, para 32 agremiações.
A que serve a maioria deles?
Não é preciso ser mais esperto que Poliana para entender que são uma forma eficiente de ampliar o poder político de seus integrantes, que passam a negociar futuras alianças. Sem considerar o fato de que cada sigla que nasce ganha direito a uma cota do fundo partidário, a formação dessas agremiações se transforma num grande negócio a cada ciclo de eleições, com as negociações de apoio aos candidatos com mais votos, na concorrência pelo tempo da propaganda eleitoral na televisão e no rádio.
Como se sabe, mídia é essencial na disputa das urnas. Mídia paga pelo Tesouro, ou como atrativo para prospectar clientes de lobbies, melhor ainda.
A corriola do atraso
Interessante observar que o noticiário sobre a profusão de partidos não faz qualquer relação com o escândalo em torno da Ação Penal 470. Afinal, seja verdade que se tratava de pagamentos mensais a parlamentares para votar com o governo, ou seja comprovado que os condenados tenham prevaricado na prática do chamado caixa 2, o fato é que na origem de tudo está o sistema partidário. Se houvesse alguma racionalidade no debate que a imprensa propõe sobre o escândalo chamado de “mensalão”, há muito estaria em pauta a questão das siglas de aluguel.
Depois que alguns jornais trouxeram entrevistas e artigos de juristas abrindo, tardiamente, discussões sobre a teoria do “domínio do fato”, que levou à imposição de penas rigorosas à maioria dos 24 condenados na Ação Penal 470, correm nas redes sociais digitais calorosos debates sobre esse aspecto do julgamento.
O teor predominante nas opiniões de pelo menos três grupos de discussão que agregam jornalistas é uma suposta preocupação de juristas com a transformação dessa teoria em jurisprudência, o que viria a dificultar a defesa de réus importantes em alguns processos – como, por exemplo, governantes e donos de empresas.
Mas, afinal, o fim da impunidade dos poderosos não era o “Santo Graal” dos jornalistas, durante toda a barafunda que acompanhou o julgamento dos acusados no tal do “mensalão”? Faz-se um enorme barulho sobre as supostas consequências de um sistema partidário que favorece negociatas, e depois baixa esse silêncio escandaloso diante da evidência de que a criação de partidos passou a ser mais um negócio no dinâmico mercado de verbas públicas. Aliás, guardadas as devidas proporções, parece muito mais fácil criar um partido político do que abrir uma empresa no Brasil.
A imprensa parece conformada à situação. O noticiário político se concentra nos principais protagonistas, e deixa de lado a arraia miúda que os cronistas de Brasília chamam de “baixo clero”, muitos dos quais se abrigam nos partidos de aluguel.
Os jornalistas se esquecem que é nessa corriola que as forças reacionárias cultivam os votos que atrasam o desenvolvimento do país, como a tentativa de desmontar a legislação ambiental e outras questões fundamentais, como a consolidação dos direitos de minorias.
Foi assim na Constituinte de 1986-88, segue sendo assim 25 anos depois.