Em extensa entrevista, Mark Glaser, do Online Journalism Review [3/3/03], conversou com três importantes ombudsman americanos sobre sua profissão e as novidades que a internet trouxe. Houve um tempo em que o ombudsman era uma figura obscura. Com a internet, porém, o quadro mudou. O volume de trabalho é bem maior, assim como o feedback. A conseqüência lógica é o aumento de responsabilidade desses representantes do leitorado. Além disso, se antes era possível dedicar mais tempo para ruminar os assuntos e responder detalhadamente a cada participação do leitor, hoje isso se tornou impossível a ombudsman de grandes jornais. Por exemplo, Michael Getler, do Washington Post, chega a receber mais de 1.000 e-mails – a maioria irrelevante – sobre assuntos quentes.
Daniel Okrent, primeiro editor público do New York Times, contratado em dezembro de 2003 em razão do escândalo Jayson Blair, tem um assistente, Arthur Bovino, que o ajuda a administrar a correspondência. Os leitores que escrevem para Okrent recebem uma resposta automática de que a mensagem será lida, mas não necessariamente respondida. Além da coluna a cada duas semanas na edição de domingo do Times, Okrent mantém uma espécie de weblog jornalístico na seção de fóruns do NYTimes.com.
A entrevista publicada no Online Journalism Review conta com os depoimentos dos já citados Getler e Okrent e de Don Sellar, ombudsman do Toronto Star, maior jornal diário canadense e único do país a ter um representante dos leitores.
O ombudsman da era pós-e-mail
Não há um editor público que não tenha notado diferença em suas tarefas com o advento da comunicação online, a não ser Okrent, que está no cargo pela primeira vez, então não tem como comparar. ‘Meu trabalho mudou enormemente porque o volume de correspondência é absurdo’, diz Getler, que afirma receber centenas de e-mails todos os dias. ‘O lado bom é que hoje várias pessoas podem expressar suas opiniões’.
Sellar, de sua parte, lembra da facilidade de comunicação com os próprios repórteres e editores, não só com os leitores. Além disso, afirma que nos tempos pré-eletrônicos os leitores que queriam participar muitas vezes não o faziam por achar que o assunto já teria perdido repercussão até chegar ao ombudsman e ser analisado. Okrent, por sua vez, acha que isso pode ser um problema, já que não é tão trabalhoso escrever um e-mail quanto uma carta a mão. Dessa forma, muitos comentários vazios acabam tomando valioso tempo de trabalho.
Outra novidade que a internet trouxe foi a possibilidade de disponibilizar as colunas do ombudsman na rede, de forma a chegar a um público maior, muitas vezes internacional. ‘Recebo um monte de e-mails de pessoas que claramente não lêem o jornal impresso’, diz Getler. ‘Isso é positivo. Permite reações diversas e isso geralmente é uma coisa boa’. Sellar gosta também da repercussão que a coluna online tem em blogs e outros sítios jornalísticos, embora reconheça que a maior exposição torna difícil escrever uma coluna que abrigue a manifestação de todos os leitores.
Jornalismo preguiçoso
É comum ouvir que os jornalistas ficaram mais preguiçosos por causa das ferramentas de web, como sítios de busca e e-mails. Os repórteres tendem a sair menos da redação. ‘Cada vez menos repórteres vão a comunicados à imprensa porque sabem que 10 minutos depois os mesmos comunicados estarão na rede’, afirma Getler. Mesmo assim, o ombudsman do Post acha que não dá para dizer se se tornaram mais preguiçoso ou não. Também não sabe se ‘isso teve um efeito sobre a precisão’, que pode até ter sido aprimorada com as facilidades de pesquisa da internet.
Okrent concorda e ainda afirma que a precisão sai fortalecida. ‘Ferramentas de busca permitem investigações que não seriam possíveis antes’, diz. ‘Houve problemas em alguns casos, mas não o suficiente para dizer que é algo ruim ao jornalismo. No final das contas, é positivo’.
Sellar também acha que há o benefício de informações extra, mas acha que, apesar de o e-mail e os sítios de busca serem importantes ferramentas, ‘bons repórteres precisam tomar cuidado para não confiarem demais nelas’. A internet pode, para o ombudsman do Star, trazer problemas de apuração e a prática do popular ‘encher lingüiça’, conhecido no jargão jornalístico como ‘nariz de cera’, com detalhes desnecessários e longas citações.
Belezas e feiúras da profissão
Os ombudsman são unânimes em dizer que o lado chato do trabalho são agressões pessoais, muitas vezes anônimas, outras assinadas ou publicadas em blogs. ‘Recebo muito lixo’, afirma Getler. ‘As pessoas destilam suas frustrações dizendo coisas realmente terríveis’. Para Okrent, essa prática recorrente do público revela a fraqueza da discussão política americana, que logo cai para ataques pessoais. Sellar disse que uma das maiores tristezas foi receber a notícia da saída de seu chefe, o publisher do Star John Honderich, que, após quase 10 anos no cargo, nunca vetou uma coluna de ombudsman, mesmo discordando dela.
Sobre os aspectos positivos, todos ressaltam o poder de dar voz ao público e fazê-lo sentir-se participativo. ‘O que me dá mais satisfação é a sensação de estar fazendo algo bom ao desafiar o jornal através dos leitores, e estes a serem tão bons quanto podem, mantendo o padrão’, diz Getler. Okrent acha que a melhor parte do trabalho consiste em receber uma reclamação de um leitor sobre algo publicado no jornal, apurá-la e responder ao leitor se sua reclamação é consistente ou não. ‘E o leitor responde: ‘Obrigado por me levar a sério’’. Sellar também acha que o mais satisfatório do trabalho é dar voz a alguém que tenha sido ‘injustamente pisoteado por um grande jornal’. ‘E também assistir a jovens repórteres aprenderem com seus erros e começarem a abrir suas asas como jornalistas.’