Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

MEC cutuca omissão de escolas de jornalismo

Não foi isso o que disse o ministro Fernando Haddad, da Educação, mas, na prática é o que ele acabará fazendo: provocar as escolas brasileiras de jornalismo a discutir criticamente os pressupostos da obrigatoriedade da formação superior específica para o exercício dessa profissão, estabelecida pelo Decreto-lei nº 972, de 17/10/1969.

Em entrevista a emissoras de rádio no estúdio da Empresa Brasil de Comunicação na quinta-feira (18/9), o ministro anunciou que criará um grupo de estudos ‘para discutir as diretrizes curriculares dos cursos de comunicação social, em especial o de jornalismo, da mesma forma que o MEC já fez com as graduações de direito e medicina’. ‘Nós acreditamos que é um bom momento para discutir essas diretrizes e verificar inclusive quais são as competências que precisam ser adquiridas por um profissional de outra área para que ele possa exercer a profissão de jornalista’, declarou o ministro, segundo a reportagem ‘Haddad defende discussão de novas diretrizes para cursos de jornalismo‘ (Agência Brasil, 19/09/2008).

Passados quase sete anos desde a Ação Civil Pública do procurador da República André de Carvalho Ramos e da liminar a ela favorável concedida pela juíza Carla Abrantkoski Rister, da 16ª Vara Cível Federal de São Paulo, nenhum esforço sistemático para discutir com profundidade esse assunto foi feito nem mesmo pelas escolas de jornalismo. Ao contrário, o que se viu foram esforços dissimuladores dos pontos centrais desse tema, inclusive por parte de associações de pesquisadores de jornalismo, como já mostrou no artigo ‘Os defensores do diploma e seus debates imaginários‘.

Essa omissão tornou-se ainda mais irresponsável a partir da chegada do processo ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar que suspendeu a exigência do diploma, em 16/12/2006. Por parte da Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) e dos sindicatos a ela vinculados, não há nenhum interesse em discutir essa obrigatoriedade, que é tratada por eles como um dogma, mas que deverá ser julgada pelo STF ainda neste semestre. O presidente da Fenaj, jornalista Sérgio Murillo de Andrade, que também é professor de jornalismo, declarou que o momento é inoportuno para o debate, segundo registrou a repórter Amanda Cieglinski na matéria acima citada da Agência Brasil.

Reflexão filosófica

Desse modo, temos lamentavelmente mais um exemplo na história deste país de uma ação por parte do governo para induzir algo que outros setores da sociedade deveriam ter feito. Embora com alguns equívocos, uma crítica interessante a essa iniciativa do MEC foi feita pelo artigo ‘O jornalista sem escola de jornalismo‘, do professor de filosofia Paulo Ghiraldelli Júnior, em seu Portal Brasileiro de Filosofia. Nesse artigo, Ghiraldelli afirma:

‘Toda e qualquer atividade que chega a ter um curso correspondente no âmbito do ensino superior, para poder gerar mão se obra em forma de profissão, tem de ter respaldo epistemológico. Quem diria que o jornalismo não tem? Quem vier a afirmar isso terá de afirmar também que a atividade de professor não tem. Pois ser professor é saber algo para ensinar. Ora, posso ser professor de biologia se sou médico, não? Posso ser professor de matemática se sou engenheiro, não? Vejam que o raciocínio é infinito nessa linha. É bom não começar a pensar nisso a partir do governo. É melhor que isso seja uma discussão do âmbito da investigação filosófica sobre o tema.’

O professor de filosofia tem razão. Há toda uma reflexão que deve ser feita no plano epistemológico sobre esse assunto. No entanto, talvez por desconhecer a omissão dos acadêmicos brasileiros em proceder a esse questionamento – ou até mesmo, o que é compreensível, nem imaginar que essa atitude seja possível –, Ghiraldelli se engana ao fazer as seguintes considerações:

‘Creio que o MEC faria melhor se não formasse comissão alguma e deixasse tais discussões fluírem naturalmente no campo das escolas de comunicações, empresas jornalísticas e programas de pesquisa sobre o assunto. Agora, se o MEC quer participar disso, faria algo útil oferecendo incentivos para que as próprias empresas, em comum acordo com pesquisadores da área, viessem a desenvolver reflexões sobre isso. Nada de uma comissão de doutos para fazer aquilo que é para ser feito no campo sócio-histórico da sociedade.’

Para decepção do professor de filosofia, em vez da reflexão crítica que é indissociável do ethos acadêmico, o que predominou nas instituições de ensino e pesquisa de jornalismo brasileiras nestes anos todos foi um insistente e dogmático mantra coletivo em torno de uma obrigatoriedade que tem sido repudiada por estudiosos e profissionais em vários países.

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas