Wednesday, 20 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Médicos em greve

No Dia Mundial da Saúde, o Brasil parou para assistir à greve branca – com o perdão do trocadilho – dos ilustres doutores. Sua principal reivindicação: receber mais pelos serviços prestados. A exposição na mídia dos médicos só não foi maior devido à tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, que culminou no mesmo dia 7 de abril com doze crianças assassinadas por um monstro solto e descontrolado.

Os médicos partiram para o abraço midiático a fim de sensibilizar a população pela situação a que estariam se submetendo. Foram ao lugar certo. Afinal, quem paga a conta de tudo sempre é o povo. Neste caso, após a manifestação, o aumento no fator moderador da Unimed nas consultas subiu 38,8% em Campo Grande. A essas alturas dos acontecimentos, todo enfermeiro deve estar pensando em greve por salário melhor também. Sabe-se que o profissional de enfermagem ganha muito menos que um médico.

Se um médico ganha pouco, o que dizer então de um professor que, muitas vezes, trabalha três períodos por dia para sustentar a família? Não é apenas a classe médica que está recebendo aquém do que merece. Não são apenas os doutores que precisam se desdobrar para viver. Neste país, há crianças comendo resto de iogurte em lixão.

Restrição no atendimento

Se os deputados federais se deram um aumento de 61,8%, passando a receber quase R$ 30 mil por mês desde dezembro de 2010, por que o restante da população não pode também usufruir de vencimentos justos? E os salários aviltantes de um policial, bombeiro, funcionário público, professor, empregada doméstica, garçom e de tantos outros, como ficam? Para que os médicos recebam condignamente, milhares de pessoas que pagam caríssimo por planos de saúde particulares vão ter que desembolsar mais dinheiro na hora de fazer a consulta. E não é só isso. O quadro é caótico para quem está do lado de cá do estetoscópio, doutor. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o que é. Em Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, os postos vivem lotados, alguns com filas já na madrugada.

Pediatras são raros. Em muitos casos, além de não ser atendido, o cidadão retorna do posto para casa humilhado, com o filho no colo ainda ardendo em febre. Isso, em uma cidade que está sendo conduzida por médicos há quatro mandatos consecutivos. O detalhe é que a capital de MS é administrada por médico, tem outro na presidência da Câmara Municipal e outro no posto mais alto do Executivo estadual. Tríade que não deve se repetir em outra unidade da federação. A Santa Casa virou tema de polêmica e disputa judicial. Cenas de pacientes em macas nos corredores do maior hospital de Mato Grosso do Sul tornaram-se corriqueiras.

Alegando prejuízos, o Hospital Geral El Kadri fechou a pediatria. Uma pergunta para o prefeito e o governador: mesmo em se tratando de um hospital particular, não há como o poder público intervir e reverter o problema? Com o fechamento do pronto atendimento pediátrico no Hospital El Kadri, o Hospital da Criança vive lotado. As consequências são óbvias. O pronto-socorro do Proncor, referência para problemas cardíacos, avisou que deixaria de atender pacientes de todos os convênios no período entre 18h30 e 7h da manhã. Exceções só para casos de emergência. Neste caso, antes de seguir para o Proncor, caberia ao paciente distinguir se aquela falta de ar seria apenas uma indisposição ou o início de um ataque cardíaco fulminante. A restrição no atendimento pegou tão mal na população que o hospital desistiu da ideia. O Hospital Regional Rosa Pedrossian já foi taxado de postão médico e no Hospital Universitário um surto de bactéria já causou mortes no CTI.

De cidadão para eleitor

É crônica a saúde na maior cidade de Mato Grosso do Sul. Da forma como está o atendimento em Campo Grande, a população vai começar a ir para hospitais e postos acompanhada de advogado. Simples: é sair de um lugar sem atendimento, fazer um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima e entrar com um processo em seguida contra os responsáveis. E isso tudo ocorre em uma capital onde ainda se morre de dengue.

De acordo com o IBGE, Campo Grande concentra aproximadamente 32% de todos os habitantes do estado. Somente na capital residem cerca de 800 mil habitantes. Com o crescimento populacional, a cidade viu aumentar a violência e os acidentes no trânsito irracional do município. Isso vai parar na saúde.

Os médicos mal remunerados, em sua visão, são apenas a ponta de um iceberg mal-assombrado chamado saúde no Brasil. Já tem deputado pedindo a volta da CPMF. Nosso país está entre os que mais cobram impostos no mundo. A reivindicação dos médicos é legítima, assim como sua obrigação de atender bem a todos. Com o sucesso do protesto branco de 7 de abril, outras categorias já preparam greves pelo Brasil afora. Só não esperem a mesma atenção da mídia e muito menos semelhante condescendência das autoridades dispensada aos ínclitos doutores. Está aberta a temporada do salve-se quem puder.

Em 2012 a população vai escolher um novo prefeito. A mesma pessoa que é tratada com desrespeito nos postos de saúde e hospitais vai ter a oportunidade de votar e exigir que a saúde pública também receba tratamento de urgência. Para muitos, somente passando da condição de cidadão a eleitor o brasileiro cresce em certa importância.

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Jornalista, pós-graduado em marketing