Nossa enquete da semana passada perguntou: ‘A mídia aumenta a sensação de insegurança nas cidades?’. Dois terços dos leitores (66,7%) responderam sim; 26,7% disseram ‘Um pouco’ e 6,7% assinalaram ‘Não aumenta’. E que recado tirar disso? Ora, editores e proprietários de veículos de comunicação deveriam se preocupar com esses resultados. Afinal, o que se percebe é que – após o consumo dos produtos – o público não se sente nada bem, como se tivesse uma indigestão informacional.
O que fazer, então? Mentir para o público? Não. Tentar tapar o sol com a peneira? Não. Pintar o mundo de rosa? Não. A mídia deve relatar ao público as coisas como elas são, como elas se apresentam ao mundo. Mesmo que isso desagrade, que isso incomode. Entretanto, as respostas a uma enquete como essa chamam a atenção das cúpulas midiáticas porque a sensação final é ruim, desalentadora, temerosa.
O público pode deixar a mídia de lado para se prevenir de notícias ruins? Não, não fará isso. Mas pode associar uma coisa à outra: o medo à mídia. E em nenhum tipo de negócio isso é bom. Em nenhum. O que fazer? Bem, a mídia deve ouvir os reclamos de seu público; deve distinguir-se das notícias que relata; e – se puder – ser mais propositiva nas soluções sociais. Não apenas quanto à insegurança e à violência, mas em muitos outros setores.
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Impressões da imprensa
Escolher qual jornal pegar numa banca pode ser um exercício tão complicado quanto escolher um presente para alguém. Todos os detalhes na publicação são importantes, como fotos, manchetes, conteúdo e até o projeto gráfico. E já que a capa pode ser considerada a embalagem, a primeira impressão do leitor pesa no seu conceito.
Por isso esse Monitor de Mídia acompanhou uma edição de alguns jornais da região do Vale do Itajaí. Foram analisadas as edições do dia 20 de março dos diários: O Atlântico, Tribuna Catarinense, Jornal de Santa Catarina; dos semanários: Página 3 (17/3), Bolsão (17 a 23) e Jornal do Comércio (17/3); e do bi-semanário Cruzeiro do Vale (20 a 22/3).
Primeiras Palavras
Toda informação que está contida na página, segundo as teorias gerais do jornalismo, deveriam seguir alguns elementos. Tanto as chamadas quanto a manchete tem um peso na pauta do dia. É importante que na montagem da capa sejam revistos alguns conceitos. Além disso, nos jornais de menor abrangência os critérios de proximidade e utilidade pública devem ser priorizados.
Os títulos devem apresentar um resumo da idéia do texto, ser informativo e atraente para o leitor. Devem ser claros, concisos e atuais. São peças importantíssimas e despertam o interesse para a matéria. Porém, para isso é preciso seguir algumas regras.
Jorge Pedro Sousa, em seu livro Elementos de jornalismo impresso afirma que ‘um bom título acrescenta valor a uma peça jornalística’. Segundo o autor, os títulos têm as seguintes funções: revelar a essência do jornalismo, antecipar a história sem a esgotar, anunciar e apresentar a história, despertar a atenção, atrair e agarrar o leitor, refletir a estética e o modelo gráfico do jornal, organizar graficamente o espaço de um jornal e ajudar a hierarquizar as peças.
Sousa enumera 27 regras para um bom título informativo, entre elas as principais são: reunir o máximo de informação num mínimo de palavras; evitar adjetivos e advérbios; ter verbo na voz ativa no presente do indicativo; não repetir palavras no mesmo título; ser compreendido pela maioria das pessoas; não separar o título; evitar a palavra ‘não’; dispensar artigos quando não se alterar o seu significado; evitar sinais de pontuação, títulos interrogativos, rimas, cacofonias, trocadilhos e expressões com duplo sentido.
Depois de ver a manchete, o olhar desvia para as chamadas de capa. Elas também têm função de chamar o leitor, convidá-lo a ler o jornal. Os jornais analisados são de menor abrangência, o que significa que devem valorizar os critérios de proximidade e de utilidade pública. O leitor ao comprar o jornal que circula na sua cidade e região quer saber o que acontece perto dele, daquilo que o influencia socialmente.
Dito isso, vejamos se as manchetes dos jornais estão de acordo com as regras citadas acima ou não e como os jornais definem seus elementos jornalísticos.
principalmente nos critérios de proximidade e utilidade pública.
Jornal de Santa Catarina
O Jornal de Santa Catarina é um periódico que abrange o Vale do Itajaí, destaca e prioriza matérias relacionadas a cidades do Vale. A manchete da capa analisada foi: ‘SC quer novo ciclo de imigração alemã’ e veio acompanhada de uma linha de apoio. A manchete está colocada de forma apropriada, com o sujeito ativo e o verbo no presente do indicativo.
A foto-destaque da capa não tem ligação com a manchete e acompanha a chamada ‘SUSTO NO GARCIA’. Ela trouxe imagens de um acidente que ocorreu em Blumenau. A outra chamada de capa com um destaque maior é ‘Contra ordem judicial, hospital de Gaspar segue fechado’. O título e a legenda da foto falam sobre o impasse que mantém fechado o hospital de Gaspar.
O lado esquerdo do periódico mostrou as chamadas menores: ‘Metropolitano segue rotina de troca de técnico’, ‘Cronograma deve atrasar Sesi Olímpico’, ‘Estado esbanja mordomia no turismo de luxo’, ‘Farra do Boi deixa feridos no Litoral’ e ‘Câmara começa a votar o novo Código Tributário’. Todas elas e a manchete estavam relacionadas com a região em que o jornal circula. Pode-se dizer que o jornal faz a sua parte quando o assunto é ‘auxílio à população’.
O Atlântico
O Atlântico é um periódico de Itapema. Tem como área de abrangência as cidades: Balneário Camboriú, Camboriú, Bombinhas, Itajaí, Navegantes, Porto Belo, Tijucas, São João Batista, Nova Trento, Canelinha, Brusque, São José e Florianópolis. A capa da edição analisada constatou a predominância do critério de proximidade na hierarquia de notícias do jornal. O periódico trouxe a manchete ‘Coelhinho da Páscoa está chegando’. Esta manchete foi publicada de forma correta, pois apresenta apenas um assunto, não possui palavras negativas, possui o sujeito na voz ativa e o verbo no gerúndio, porém sem cair no gerundismo. O Atlântico contou ainda com uma foto destaque referente ao mesmo tema da manchete e diversas chamadas de capa, todas de interesse regional.
Tribuna Catarinense
O Tribuna Catarinense circula em: Camboriú, Itajaí, Penha, Navegantes, Barra Velha, Piçarras,Itapema, Porto Belo, Bombinhas, Tijucas e na sua cidade sede, Balneário Camboriú.
O exemplar analisado comprovou que o periódico prioriza os acontecimentos regionais, como foi o caso da manchete ‘Servidor público de Balneário Camboriú é espancado depois de denunciar a Farra do Boi’. O ideal seria que o periódico tivesse publicado a manchete com o sujeito na voz ativa, pois não havia proeminência de envolvidos e também para enfatizar os promotores da ação. Havia ainda seis chamadas de capa, das quais três tratavam de fatos ocorridos em Balneário Camboriú.
Bolsão
O Bolsão é de Balneário Camboriú e circula apenas nos domínios da cidade. O semanário é mais voltado à divulgação de concursos públicos, e dessa forma a prestação de serviços é um de seus principais aspectos. Dos analisados, é o jornal de menor abrangência, mas não destaca a proximidade como um dos principais critérios. O enfoque do jornal analisado apresenta cinco chamadas de capa, nas quais três são de abragência nacional e duas estadual. Mas o que é mais gritante é a manchete deste semanário que trouxe: ‘Clodovil é acusado de praticar crime ambiental’, com uma foto destaque e linha de apoio referentes ao mesmo assunto. Em primeiro lugar, não é recomendável utilizar o sujeito na voz passiva em título. Em segundo, e mais importante: notícias locais não têm espaço no jornal, nem na manchete. O Bolsão dispensou o caráter de proximidade e colocou o de proeminência dos envolvidos, o numa hierarquia dos critérios é muito menos relevante.
Página 3
Página 3 é um semanário de Balneário Camboriú e circula somente na cidade. Dá enfoque às notícias locais e apresenta o critério de utilidade pública. O jornal trouxe na manchete: ‘Projeto da prefeitura beneficia os maiores caloteiros da cidade’, que está de acordo com as regras de titulação com o verbo no presente do indicativo e sujeito ativo. Há um texto de capa que tem relação com a manchete, mas ele encontra-se perdido, no canto direito da página. Isso prejudica o semanário, pois o texto pode passar despercebido pelo leitor, e o público que se incomoda quando a manchete e o texto relacionado não estão dispostos claramente. Não há uma foto-destaque. A maioria das chamadas de capa foram acompanhadas de uma pequena matéria. A chamada ‘Previsão é de mais chuvas’, mostrou o alagamento da cidade de Balneário Camboriú após os temporais. De seis chamadas, três não tinham indicações de página e nem desdobramento no interior do jornal; e a chamada : ‘Tribunal de Contas do Estado também investiga Emasa’ não tinha indicação da página, mas havia uma matéria a respeito do assunto tratado.
Na chamada de capa ‘Mudas Gratuitas’, o texto trata primeiro sobre o corte ilegal de árvores por parte da população. Depois o repórter explica sobre a doação de mudas que está acontecendo, e por fim trata do viveiro onde elas foram criadas. A estufa também aparece na foto ao lado a chamada. Apesar de trazer uma indicação da página, ao leitor que pensou que haveria mais informações sobre as mudas gratuitas, ou sobre o viveiro onde são distribuídas se enganou. A reportagem intitulada: ‘Cortar arvores sem licença é crime ambiental e pode gerar conseqüências’ tratava sobre o corte ilegal de árvores, causando uma aparente confusão no leitor.
Jornal do Comércio
O semanário de Balneário Piçarras, Jornal do Comércio circula nas cidades: Itajaí, Navegantes, Penha, Barra Velha, São João do Itaperiú, Araquari e Luís Alves.
Na edição analisada, pôde-se observar pelas chamadas de capa que os assuntos enfocados pelo são todos de caráter regional, destacando o critério da proximidade e também o de utilidade pública. Trouxe notícias de eventos que acontecerão na região, de matérias que surgiram a partir de denúncias da população, dos prejuízos da chuva em Piçarras, a inauguração de uma nova sede do fórum na cidade e do Ginásio de Esportes que continua sem estrutura em Barra Velha.
O semanário trouxe como manchete: ‘Consumidores atentos exigem seus direitos e cobram troco correto’, sintetizando as idéias principais do texto, de acordo com as normas de titulação.
Jornal Cruzeiro do Vale
O Jornal Cruzeiro do Vale é hoje o mais antigo jornal de Gaspar. Com 15 anos de circulação, tem periodicidade bi-semanal e também é conhecido em todo Vale do Itajaí. Possui edição online, o que possibilita ao leitor maior interatividade.
No dia analisado, o jornal trouxe como manchete o fechamento de um canil ilegal que ocorreu na sexta-feira (16/03/06) em Gaspar. Tinha como título ‘Canil ilegal é fechado no Gaspar Grande’. Abaixo a foto do recolhimento de um dos 16 cães pit bull, que encontravam-se em más condições de higiene, ligava-se diretamente ao conteúdo da matéria. O título está em voz passiva, o que deve ser evitado.
Na seqüência uma chamada de capa sobre um leilão de veículos apreendidos pela Policia Militar, que ocorreria no mesmo dia em Gaspar; a nomeação do novo secretário de Administração e Finanças da cidade; a inauguração da nova sede da Samae (Serviço Municipal de Água e Esgoto), que ocorreu no último sábado; a prisão de dois traficantes no bairro Bateias; a comemoração dos 73 anos de Gaspar que aconteceu na manha de domingo (18/03); um acidente entre um motociclista e um ciclista que resultou em três feridos; o sucesso da 1ª edição do Eco Adventure também realizado no dia 18/03 e para finalizar uma chamada sobre o Hospital de Gaspar e Pronto Atendimento que permanecem fechados.
Na chamada de capa ‘Gaspar faz 73 anos em ritmo de inaugurações’ na frase que constitui o texto de capa encontra-se ‘participaram dos blocos que integrama o desfile e encontraram o público presente no evento…’ o certo seria integram. Além disso, o texto da chamada não se relaciona diretamente com o título da matéria. O título chama a atenção para inaugurações realizadas durante o festejo do aniversário da cidade, enquanto o texto e foto referem-se ao público e autoridades presentes no desfile que ocorreu no domingo (18/03).
Na capa encontrou-se mais de um erro. Na chamada: ‘Traficantes são detidos em ação no Bateias’ o texto ficou confuso: ‘Após várias denúncias feitas pela comunidade sa guarnição da Agência de Inteligência da Polícia Militar mais duas guarnições de rádio patrulha, detiveram…’. É difícil compreender o texto, falta pontuação e o erro de digitação deixa dúvida sobre qual seria a palavra correta. Descuidos como esses descuidos comprometem a credibilidade do jornal, principalmente quando estão na capa.
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Futebol e luta pela eqüidade de gênero
Valquíria John
Eqüidade de gênero significa que mulheres e homens, homens e mulheres têm os mesmos direitos e os mesmos deveres perante a sociedade; significa que o sexo não é determinante do seu desempenho profissional, das relações interpessoais, dos gostos e desejos; significa que cada um de nós é diferente, conforme nossas escolhas, personalidade, modo de ver o mundo, formação profissional, mas que não é sexo biológico com o qual nascemos que determina essas diferenças ou nossas ‘funções’ sociais. Estas são determinadas culturalmente e é justamente por isso que ainda lutamos pela efetiva equidade de gênero, porque historicamente as mulheres tiverem renegados muitos de seus direitos e ocuparam papéis sociais inferiores aos dos homens como se os mesmos estivessem desenhados em seu código genético.
Muito já avançamos: o direito ao voto, ao divórcio, ao mercado de trabalho, embora ainda sejam muito desiguais nossos postos e salários. Mas ainda há muito a ser feito, pois uma vez que se tratam de diferenças social e culturalmente construídas, são como dogmas que precisam ser derrubados.
Em alguns espaços sociais já avançamos de forma mais contundente, mas em outros a luta ainda é longa. Um exemplo? O mundo do futebol e a polêmica que envolve dois dos principais técnicos do futebol brasileiro, Wanderlei Luxemburgo e Emerson Leão, protagonistas de práticas que vão de encontro à luta pela equidade de gênero.
No dia 11 de março, na partida entre Santos e São Paulo na Vila Belmiro, a auxiliar de arbitragem Ana Paula Oliveira errou ao marcar um impedimento que anulou o gol do atacante Jonas do time da baixada. Ela não foi agredida pelo técnico, pelo contrário, após a partida e seu efetivo reconhecimento do erro, o técnico santista preferiu nem comentar a declaração. Onde está o preconceito então? Na sua forma mais sutil, como ele geralmente costuma aparecer em nosso discurso. Ainda durante o jogo, logo após o incidente, as câmeras de TV flagram Wanderlei conversando com Ana Paula. Ele lhe diz educadamente ‘você errou, as câmeras já mostraram’ e em seguida completa ‘tudo bem, como você é mulher eu te perdôo’. Deveria perdoar porque erros acontecem, principalmente no futebol. Deveria perdoar por levar em conta o retrospecto de Ana Paula, que costuma ter sempre boas atuações. Não deveria perdoar por ela ser mulher, porque isso de todo modo a inferioriza. A luta pela equidade não é apenas pelos direitos, mas também pelos deveres. Ou há equidade ou não há, não é possível um meio termo.
Este preconceito velado também é uma forma de violência, simbólica como chamaria Pierre Bordieu. Mas, não sei se pior do que o preconceito velado, arraigado em nossos comportamentos e discursos, há o preconceito declarado, agressivo, revelador mesmo de nossas práticas. Este foi escancarado pelo técnico Emerson Leão, que uma semana após o ocorrido na Vila Belmiro foi ainda mais direto em seu preconceito, exposto no jogo entre Corinthians e Noroeste no dia 18 de março. Em mais um erro de arbitragem, desta vez da auxiliar Aline Lambert, que sinalizou impedimento no lance em que o atacante Daniel Grando do Corinthians sofreu pênalti, gerou a seguinte fala do treinador corintiano: ‘Tá vendo? Colocam uma mulher para apitar…’ Nos leva a pensar se, caso fosse um homem e não Aline, qual teria sido a frase do treinador? Possivelmente teria ‘elogiado’ a mãe do auxilar, outro fato comum no mundo do futebol. É realmente doloroso e revelador da ampla necessidade de reflexão e debate sobre o ocorrido, uma vez que temos discutido tanto o problema da violência no futebol. A violência se dá de muitas formas e o preconceito e a discriminação são uma de suas piores faces, pois são tão mais difíceis de se combater, já que são constantemente naturalizados, como mostra a frase do técnico Emerson Leão.
Além dessa violência simbólica e de mais uma demonstração de que a equidade de gênero ainda está longe de ser alcançada, para reforçar o dito, a federação paulista rebaixou a auxiliar Ana Paulo para a série A2 do campeonato paulista, como punição pelo erro no clássico da Vila Belmira. Ela não deve ser punida? Claro que deve, como qualquer árbitro que cometa erros, mas, fica a pergunta: se ela foi punida porque errou, porque tantos outros árbitros homens que erram todos os dias, em lances bem mais polêmicos, não recebem o mesmo tratamento? Sim, porque equidade significa isso: o mesmo tratamento! Afinal, ela errou e por isso foi punida ou foi mais fácil puni-la porque ela é mulher?
Temos que combater todo tipo de preconceito e o esporte pode e deve ser um espaço para tal, mas os acontecimentos que envolveram as duas banderinhas só demonstram que ainda temos muito a conquistar, principalmente, porque os meios de comunicação que poderiam e deveriam contribuir para o fim das práticas de intolerância (seja ela qual for) e pela equidade entre homens e mulheres muitas vezes atuam no sentido de reforçar essa naturalização da desigualdade, como demonstra a frase de texto publicado no site da Rede Globo, ao relatar a atitude de Emerson Leão: ‘Em pleno mês de março, quando é comemorado o Dia Internacional da Mulher, o técnico Emerson Leão arrumou sarna para se coçar’. A frase alude às manifestações promovidas por Ongs que lutam pelos direitos das mulheres e a repórter definiu a atitude preconceituosa do técnico como ‘sarna para se coçar’. Se a mídia também atua no sentido de reforçar os estereótipos, preconceitos (velados ou não), nossa luta fica certamente bem mais complexa.