É possível examinar os assuntos pertinentes na atual imprensa aberta acerca da violência. A partir disso, tentamos traçar uma linha de raciocínio que nos interessa. Para tanto, faz-se a junção do pensamento jornalístico com o qual convivo diariamente através da leitura dos textos de Paulo Sérgio Pinheiro e Barry Glassner [Cultura do Medo: Por que tememos cada vez mais o que deveríamos temer cada vez menos. São Paulo: Francis, 2003].
Observamos, a priori, a questão dos grandes meios de comunicação, diversificados com várias editorias e uma infra-estrutura megalomaníaca. Tais meios, com toda sua pujança tornaram-se um patrimônio da burguesia do país. Estratégico porta-voz dos estabelecidos.
A grande mídia transmite a atmosfera pesada e conservadora, cultivando e sendo cultivada pelo público, quase sempre lida, assistida e ouvida em mimese. Apesar disso, essas empresas tentam sobreviver à paulatina fragmentação do mercado dos bens simbólicos, misturando a produção conservadora com programação de vanguarda, mas em regime de exceção e ambigüidade.
Pobres em greve?
O medo, a violência, por exemplo, são temas velados, tratados e direcionados de forma superficial. Entendemos o medo como perturbação acerca de algum perigo, seja ele real, aparente, distante ou próximo. Mas, essa paranóia pode se torna um ser de muitos tentáculos, abrangente e temerário, destruidor da paz, causador da barbárie: ‘Os psicólogos sociais há muito reconhecem a necessidade humana de converter um vago mal-estar em preocupações definíveis, reais ou imaginárias’ [GLASSNER, 2003, p. 30]. A mídia concede um espaço considerável a assuntos como a violência urbana, o conflito rural e a guerra. Assuntos que muitas vezes não destacados nas manchetes, mas retratados, na maior parte do tempo, pelas fotografias e notícias da TV. Como pequenas fontes de energia, uma espécie de anabolizantes do corpo social cultural, para pôr em alerta e temerário público fiel do ‘Cansei’, a violência na mídia desvela-se como informação impactante, beirando a guerra e o caos.
A violência urbana, rural e internacional, em geral, chamam muito a atenção, são espetáculos, mas que se findam com o virar de página ou mesmo o click do controle. No máximo, uma passeata no centro ou protesto no Rio, São Paulo com algumas vítimas e simpatizantes. Minoria, digo de passagem, pois os pobres, vítimas de grande proporção da violência não participam dos ‘Canseis’ do centro da cidade. Imaginem os pobres em greve, ou todas as vítimas da violência no Brasil gritando cansei? O que seria da produção?
Causas e conseqüências
Pois bem! Na imprensa, com o espetáculo da violência, as armas, os fuzis e as metralhadoras na guerra civil das periferias se confundem com as armas em punho dos policiais tornando impossível o raciocínio lógico formal (causa-efeito), e muito menos uma análise mais sofisticada da dialética histórica ou da complexidade dos sistemas. As informações da grande mídia fazem-nos ignorar as foices e as enxadas que exigem reforma agrária, tornando-nos débeis diante das mortes de policias, traficantes, vítimas que exigem educação, saúde, lazer, emprego e justiça social. Quando se discute a violência, fala-se em suspeito, nunca em contexto, e a violência é sinônimo de ação repressiva violenta, ou seja, de violência. Gera-se medo na população e medo temerário dos estabelecidos, cansados, mas nunca dispostos a mudar o resultado do mercado que só exclui, maltrata e pauperiza o povão.
Concordamos com Glassner ao revelar a função do jornalismo como mantenedor de certas fobias [2003, p. 33]. Porém, a realidade social e econômica do Brasil, é permanente geradora de suspeitas e condicionamentos para o medo. Defensiva, a elite econômica brasileira teme com seus latifundiários: velhos e novos ricos. Dizemos isso, por causa da relativa importância que a mídia dá à questão do ‘vigiar e punir’ de cada dia, onde os marginalizados são estigmatizados, os sem-terras criminalizados e a realidade descontextualizada. A preocupação da mídia é a preocupação das elites. Pouco se debatem em profundidade as causas e conseqüências dos fatos: ‘(…) Qualquer mudança em sociedades desiguais é vista e sentida com pavor. E continuamos a investir nossos medos nos alvos mais improváveis, a dissimular o que efetivamente nos inquieta’ [PINHEIRO, 2003, p. 18].
Crescimento e lucro
A torre de marfim da elite, lustrada pela mídia, tenta vomitar sua análise da realidade em nossos ouvidos e olhos com temas que alimentam o desejo voraz do capital e do mercado. Daí, o destaque das manchetes sobre economia neoliberal. Lembremos dos sabidos analistas de economia, de política e das análises unilaterais que eles fazem. Assim também, como porta-voz das elites, a mídia compreende seu papel ideológico, destacando a barbárie que sempre ameaça a ordem dos senhores detentores da produção. Desse modo, será difícil fazer mea-culpa quando o assunto é a violência e a miséria. A questão histórica da escravidão, exploração, desigualdade e injustiça é reelaborada e transmitida em símbolos e mensagens noticiosas superficiais.
A opinião dos porta-vozes e sua tendência de análise são pífias, longe de apresentar a realidade dos que estão próximo da linha de pobreza. Os fatos da violência são transmitidos, em geral, como fruto criminoso dos inimigos sociais da ordem, da propriedade, dentro da cidade, assim como no campo. A mídia em geral não destaca os assuntos delicados do país como sendo algo estruturalmente fundado numa perspectiva histórica de segurança pública, geração de renda, infra-estrutura urbana. Ignora-se o emprego e a seguridade alimentar, tratando-os como conseqüência de políticas governamentais que barram o crescimento da economia e as chances do lucro das empresas.
Elite histórica
Há, na verdade, uma miopia social na mídia, em geral. Entendemos, por conseguinte, que o problema da violência, do crime organizado, principalmente dos grandes centros, não é puro e simplesmente esse, per si. Mas, fruto de causas profundas, raízes que a burguesia nunca vai admitir arrancar. Porque essas raízes que nutrem a violência são as raízes do sistema que sustenta a ostentação dos ricos, o lucro dos banqueiros, a promiscuidade dos maus políticos: ‘A causalidade da violência nunca se deve a único fator, mas sempre a um conjunto de fatores em contextos precisos’ [PINHEIRO, 2003, p. 13]. Afinal, há segurança, carros blindados, os seguros condomínios e as ilhas pagas pelo dinheiro, o medo está nas favelas, nas periferias, nos guetos. Vigiar e punir funciona, por enquanto, com algumas baixas.
Por fim, destacando o contexto socioeconômico do medo, alerta-se para como o povo sofre com a violência, pois não possui quem olhe, quem fale por ele. Todavia, o medo aqui de um lado começa a se intensificar e atingir a elite histórica, privilegiada nas suas ilhas, nos seus condomínios e carros. Isso basta para finalizar, em parte.
******
Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Ensino, Pesquisa e Extensão Socioambiental (CEPESA), na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Itapetinga, BA