A técnica de se referir a uma obra de cinema ou de literatura para falar da realidade é um dos recursos mais comuns do jornalismo.
Esse recurso foi utilizado pela revista Época, na edição desta semana (nº 593, de 26/9/2009), ao aproveitar o lançamento do filme Salve geral para relembrar os dias de terror promovidos em diversas cidades paulistas por criminosos alistados na organização conhecida como Primeiro Comando da Capital.
O filme foi inspirado nos ataques conduzidos em 2006 pelo autodenominado PCC que deixaram quase duzentos mortos. A reportagem de Época tenta explicar aqueles acontecimentos e especula sobre a atual situação nos presídios. Antes, porém, de tentar formar uma opinião sobre a questão, o leitor precisaria de mais informações do que as que lhe oferece a revista.
Pouca atenção
Primeiro, porque a reportagem omite um fato essencial para entender os acontecimentos daquele ano. Tudo começou com uma decisão do então governador Geraldo Alckmin, de interferir na composição dos grupos de poder dentro do sistema penitenciário paulista.
Um episódio obscuro, que a imprensa nunca tentou esclarecer de verdade, está na origem dessa ação: o suposto tiroteio promovido pela polícia na marginal da Rodovia Castelo Branco, em março de 2002, quando foram mortos doze assaltantes, tidos como líderes dissidentes do PCC.
Sete anos depois, ou seja, em maio deste ano, o Instituto de Criminalística demonstrou que não houve tiroteio, mas uma execução planejada. Mas a imprensa nunca deu muita atenção a esse detalhe.
Sem acesso
A revista Época, em sua rememoração dos fatos, omite esse episódio e apresenta o suposto líder do PCC, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, como o responsável pela ordem dos ataques que aterrorizaram a capital e outras cidades paulistas em 2006.
A revista não explica que a liderança de Marcola foi consolidada justamente após a execução dos doze dissidentes em 2002.
A reportagem da Época deixa no ar a pergunta: o terror do crime organizado ainda pode voltar?
A resposta tem que levar em conta o fato de que o crime organizado tem hoje mais controle do sistema penitenciário do que tinha há três anos. E, como informa a revista, a imprensa simplesmente não tem mais acesso a informações sobre o que se passa no interior dos presídios.