A pesquisadora do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas) Alzira Alves de Abreu diz em entrevista ao Observatório da Imprensa que a questão mais grave da recente temporada de atritos entre autoridades e imprensa é a censura, tal como praticada pela Justiça de Tocantins para evitar a publicação de notícias sobre supostos crimes praticados pelo governador Carlos Gaguim, candidato à reeleição. A decisão de um desembargador de censurar 84 veículos de comunicação foi derrubada posteriormente no Tribunal de Justiça do estado.
‘A mídia tem um papel fundamental na formação da cidadania’, afirma Alzira. ‘A construção da democracia requer, na verdade, a ampliação do papel da mídia.’ Para ela, as falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com críticas genéricas a jornais e revistas ‘não ajudam em nada a construir a cidadania’. ‘Se alguém errou, é preciso denunciar o erro’, diz.
Alzira Alves de Abreu é socióloga. Foi coordenadora do setor temático da primeira edição do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, que abarcava o período 1930-1983 e teve a coordenação geral de Israel Beloch. Alzira coordenou a segunda edição do Dicionário, que já chegou à terceira edição e cujo conteúdo está disponível online. Ela coordena agora a preparação do Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República, 1889-1930, e do Dicionário Histórico Fluminense, 1889-2009.
Quando a mídia foi golpista e golpeada
Ao defender o papel da mídia no processo democrático, a pesquisadora não passa ao largo de momentos históricos nos quais a imprensa teve papel inverso, antidemocrático.
‘Lembremo-nos das cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, nos anos 1920. O Correio da Manhã publicou as cartas, que haviam sido forjadas, nas quais Bernardes teria feito críticas contundentes aos militares, o que tumultuou completamente, nos últimos meses de 1921, a campanha eleitoral para as eleições presidenciais do ano seguinte’, narra Alzira. ‘Eleito, Bernardes governou com ódio da imprensa, sob estado de sítio. Prendeu jornalistas e fechou jornais.’ Como se sabe, foi nesse contexto que ocorreram as sublevações dos chamados tenentes, entre elas o episódio dos 18 do Forte, ainda em 1922, as revoluções de 1924 e a Coluna Prestes.
‘Uma das primeiras consequências da Revolução de 1930’, prossegue Alzira, ‘foi o empastelamento e a depredação do O País, por instigação dos tenentes.’ O engajamento dos jornais, nessa época, era tão visceral que dias antes da eclosão da Revolução houve na redação do Diário Carioca uma reunião de dirigentes da Aliança Liberal, movimento que lançara Getúlio Vargas candidato à presidência da República.
‘Em 1937, houve o golpe do Estado Novo e a imposição da censura prévia, exercida pelo famoso DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, encarregado também de promover a imagem de Vargas como pai dos pobres’, prossegue a recapitulação de Alzira. ‘Os jornais se libertaram da censura em fevereiro de 1945, com uma entrevista dada por José Américo de Almeida a Carlos Lacerda e publicada no Correio da Manhã. Iniciou-se então um período de relativa tranquilidade para a imprensa’, diz a pesquisadora,
Em 1964, apesar do apoio ao golpe, arrocho
‘Em 1954, durante a campanha que levou Vargas ao suicídio, a imprensa oposicionista pedia a saída do presidente, mas dentro da Constituição. O país ainda estava muito próximo do Estado Novo. Os jornais queriam que ele renunciasse ao cargo’, diz Alzira. ‘Em 1964, a imprensa, majoritariamente contra João Goulart, denunciava o governo e pedia a vinda dos militares para botar ordem na casa. Exacerbava as notícias do fantasma do comunismo. Contraditoriamente, os militares logo passaram a atuar contra a imprensa. Houve repressão, gente presa. A abertura política promovida por Ernesto Geisel teve como um de seus elementos principais o fim da censura, liberando a imprensa.’
Segundo Alzira, após a promulgação da Constituição de 1988 a imprensa entra em nova fase, com uma presença mais intensa. Entretanto, afirma, ‘houve muito denuncismo contra políticos, empresários, policiais, militares. Apesar dos erros e escorregadelas da imprensa, ela desempenha um papel importantíssimo. É ela que faz a intermediação entre o cidadão e os políticos. É ela que leva a informação, que dá elementos para que as pessoas possam escolher seus candidatos e sejam cidadãos que fazem parte da sociedade. Sou contra qualquer tipo de censura à mídia. Quando ela erra, cabe ao prejudicado denunciar o erro, ir à Justiça. Também não acredito que a mídia seja capaz de definir uma eleição. A mídia é muito complexa. E o cidadão tem liberdade para fazer suas escolhas.’