Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia critica institutos
de pesquisa que contratou


Leia abaixo os textos de segunda-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 2 de outubro de 2006


ELEIÇÕES 2006
Dora Kramer


As pesquisas, de aliadas a inimigas


‘Ontem já fomos dormir sabendo se haveria ou não segundo turno na eleição presidencial. Mas, sendo impossível e arriscadíssimo um palpite sobre as razões desse desfecho, falemos de outro assunto. As pesquisas e suas surpresas já permitem alguma análise entre as várias a serem feitas sobre essa eleição.


Foram vários os sustos provocados pelas urnas e, como sempre acontece, a responsabilidade imediatamente atribuída aos institutos de pesquisa, às vezes com acusações bem pesadas a respeito da lisura (ou falta de) das relações entre esses institutos e candidatos com poder de influência junto a eles.


A despeito de ocorrerem mesmo algumas distorções de ordem ética – como a contratação dos mesmos que medem as intenções de voto como prestadores de serviços a partidos e políticos -, a deformação maior é o uso que se faz das pesquisas na cobertura jornalística da eleição.


Elas se tornaram uma verdadeira obsessão e são tratadas pelos veículos de comunicação como bíblias, bulas papais, documentos divinos que encerram a verdade absoluta e imutável.


Durante todo o período pré-eleitoral, e até mesmo antes dele – no governo Lula a medição vem sendo feita desde o primeiro ano de mandato -, as pesquisas ocupam o lugar de maior destaque no noticiário político. Quando elas falam, tudo o mais em volta se cala em reverência.


Não há reportagem, não há observação de fatos, não há análise ou interpretação de procedimentos que consiga ser mais forte que os números das pesquisas.


Não há quem consiga abrir um pequeno espaço de argumentação para lembrar – e ser ouvido – que eleitores são pessoas, votos são expressão de vontades e, quando em cena estão seres humanos e seus respectivos sentimentos, convém prestar atenção às circunstâncias e à hipótese de uma amostragem não refletir exatamente a realidade.


Convencionou-se mesmo que é da etiqueta política a submissão a esses números. Quem briga com eles é perdedor, reza o dogma.


Pois muito bem, essas pesquisas são amigas e acreditadas, quando saem os primeiros resultados eleitorais são contestadas com a mesma veemência com que eram até o dia anterior perfeita e absolutamente aceitas.


Seus acertos são esquecidos. São contabilizados apenas os erros e ignorada uma hipótese forte: talvez o problema não esteja nas pesquisas, mas no excessivo crédito que se dá a elas.


Se fossem apresentadas ao eleitor com suas nuances e relativismos, possivelmente não precisaríamos brigar com elas depois, inclusive porque é uma luta inútil: logo fazemos as pazes e na eleição seguinte tudo se repete, ninguém se lembra mais dos ‘erros’ cometidos na anterior e, de novo, por preguiça de pensar e falta de coragem de remar no sentido contrário ao da maré geral, as pesquisas assumem o lugar da informação.


Os questionários de amostragem não pegaram as ‘viradas’ na Bahia e Rio Grande do Sul, para citar apenas duas, mas a movimentação jornalística arguta e liberta da obediência cega aos números certamente teria detectado que as coisas não eram bem como diziam as estatísticas.’


Vera Rosa, Tânia Monteiro, Leonencio Nossa


Lula culpa PT por segundo turno


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva culpou ontem à noite o PT por não ter vencido no primeiro turno a eleição que o reconduziria ao Palácio do Planalto. Em reunião com a coordenação política do governo, no Palácio da Alvorada, Lula lamentou a avalanche de erros cometidos pelo PT durante a campanha contra o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, e disse que tentará intervir na crise que se abateu sobre o partido.


‘Estou com a alma machucada e temos de resolver isso para iniciar a campanha do segundo turno. Não é possível que a gente continue convivendo com tanta crise sem fazer nada’, afirmou o presidente. ‘Agora, é preciso tocar a vida para a frente’, completou, convocando novo encontro para hoje, às 9 horas, no Planalto.


Lula chamou os ministros para acompanhar com ele a apuração dos votos assim que foram divulgados os preocupantes resultados da boca-de-urna. ‘Lula foi alvo de maledicências na fase final da campanha’, afirmou o vice-presidente José Alencar, numa referência ao escândalo do dossiê Vedoin, uma papelada que petistas tentaram comprar para atingir o candidato do PSDB, José Serra, eleito ontem governador.


Participaram da reunião com Lula, além de Alencar, os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Tarso Genro (Relações Institucionais), Márcio Thomaz Bastos (Justiça), Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) e Guido Mantega (Fazenda). ‘Essa questão do dossiê evidentemente atrapalhou a campanha’, admitiu Mantega. ‘As fotos do dinheiro foram supervalorizadas pela imprensa e isso causou uma turbulência inesperada.’


DEBATE


Para Alencar, Lula deveria ter ido ao debate da TV Globo, na quinta-feira. ‘Eu fui voto vencido’, comentou. ‘Mas nós gostamos de nos encontrar com o povo brasileiro e por isso até é bom para o Brasil o segundo turno.’ Marco Aurélio Garcia, coordenador da campanha, foi na mesma linha. ‘O eleitorado tem a sua sabedoria e talvez esteja querendo prorrogar o debate político, mas o fato é que esse dossiê nos trouxe um desgaste muito grande’, argumentou.


Pela manhã, ao chegar para votar em São Bernardo do Campo, berço político do PT , Lula procurou demonstrar confiança na vitória. ‘Estamos confiantes em que o Brasil tem um destino traçado’, afirmou Lula, ao sair da 70ª seção da Escola Estadual Dr. João Firmino Correia de Araújo. Vestido com uma jaqueta branca, indicando com os dedos o ‘L’ de Lula, o presidente foi recebido com um misto de aplausos e vaias, mas a claque era maior.


‘Cadê os 10 milhões de empregos?’, gritou um eleitor, numa referência a uma promessa não cumprida de campanha. Lula não deu ouvidos e prosseguiu: ‘O País tende a continuar crescendo e a vida do povo tende a continuar melhorando.’


Logo cedo, o presidente fez um apelo aos eleitores para que pusessem o ‘sonho’ nas urnas, permitindo a seu governo ‘consolidar’, num novo mandato, as mudanças ‘de que o Brasil tanto precisa’. Diante das câmeras, Lula recorreu a frases habitualmente usadas em eleições, mencionando a ‘maturidade’ dos brasileiros e o ‘momento glorioso’ para a democracia. Seus auxiliares, no entanto, admitiram o nervosismo no comitê da campanha.


O presidente chegou à pequena escola onde vota há duas décadas acompanhado da primeira-dama, Marisa, de Aloizio Mercadante, candidato do PT ao governo de São Paulo, de Eduardo Suplicy, que concorre ao Senado, e do ministro do Trabalho, Luiz Marinho. Ficou ali por exatos 20 minutos. O clima era muito diferente do observado há quatro anos, quando foi recepcionado por uma multidão com aplausos e, ao sair, beijou a bandeira do Brasil.


BATE-BOCA


Alguns eleitores se irritaram com os detectores de metal instalados na entrada da escola, uma exigência da Presidência da República. Houve tumulto e empurra-empurra quando Lula entrou na seção, uma sala acanhada para o turbilhão de fotógrafos e cinegrafistas. Fiscais do PSDB e do PSB bateram boca com assessores do presidente e funcionários da campanha. Alegaram que a Lei Eleitoral proibia que os jornalistas usassem o crachá com a inscrição Campanha Lula, adornado pela estrela do PT. Para evitar mais discussão, os petistas cederam.


COLABOROU VANICE CIOCCARI’


Odail Figueiredo e Isabel Sobral


Institutos de pesquisa não captam mudanças


‘As últimas pesquisas de intenção de voto acertaram ao apostarem em um segundo turno nas eleições presidenciais, mas erraram na distribuição dos votos dos candidatos que disputavam com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A votação, até a 0h30 de hoje, de Geraldo Alckmin foi de 41,58%, superior a todas as previsões mais recentes, ficando inclusive acima da margem de erro.


Heloísa Helena teve 6,85% dos votos, enquanto os institutos haviam indicado em torno de 9% das intenções.


Na pesquisa de boca-de-urna divulgada pelo Ibope no fim da tarde de ontem, Lula tinha 50% dos votos válidos. Sua votação, até o mesmo horário, foi de 48,6%, mantendo-se dentro da margem de erro, de 2%. Alckmin tinha 38% na boca-de-urna, repetindo o erro das pesquisas divulgadas anteriormente.


As diferenças também aparecem nas apurações de pelo menos quatro Estados. No Rio Grande do Sul, na Bahia, no Rio e em Goiás, as sondagens feitas até a véspera das eleições não conseguiram detectar a real tendência do eleitorado.


No Rio Grande do Sul, a pesquisa divulgada pelo Ibope no último sábado colocava o governador Germano Rigotto (PMDB) na liderança da disputa, com 29% das intenções de voto. Atrás dele, com 22%, estavam empatados Olívio Dutra (PT) e Yeda Crusius (PSDB).


Ontem à noite, com 98% das urnas apuradas, o TRE gaúcho mostrava que a candidata tucana chegava na frente, com 32,93% dos votos. Olívio Dutra ficou com 27,30% e, Rigotto, em terceiro, com 27,13%.


Na Bahia, o Ibope apontava o governador Paulo Souto (PFL) numa tranqüila posição rumo a um novo mandato, no alto de 48% das intenções de voto. Seu oponente mais próximo, o petista Jaques Wagner, aparecia bem atrás, com 31%.


Mas o que seu viu foi bem diferente. No placar do TRE, apuradas 87% das urnas, o candidato do PT somava 53,7% – o suficiente para ganhar no primeiro turno – ante 41,8% do atual governador.


A diretora-executiva do Ibope, Márcia Cavalari, diz que o instituto não errou. ‘As pesquisas de intenção de voto mostram uma fotografia do momento’, disse ela. ‘No caso da Bahia, desde o início da campanha na TV, as nossas pesquisas vinham mostrando que o Paulo Souto estava numa curva descendente e que Jaques Wagner vinha subindo.’ Ela destacou, por exemplo, que na pesquisa divulgada no dia 25 de setembro, o governador aparecia com 57% e Jaques Wagner tinha 37%. No último sábado, dia 30, Souto havia descido para 51% e o petista já atingia 41%. Na boca de urna, o candidato do PFL já havia caído para 43% e tinha sido ultrapassado pelo petista, que batia em 49%.


Márcia Cavalari disse ainda que, no relatório encaminhado para a emissora de TV que encomendou a pesquisa, o Ibope já ressaltava que Jaques Wagner poderia disputar o segundo turno ou ganhar já no primeiro. No caso do Rio Grande do Sul, a diretora diz que o Ibope fez poucas pesquisas e não acompanhou a evolução do quadro até o fim da eleição – não foi feita, por exemplo, a tradicional boca-de-urna.


Na última sondagem, divulgada no dia 29, Rigotto liderava com 34% dos votos. ‘Essa fotografia foi feita na quarta e na quinta-feira. O filme parou naquele momento. Não deu para a gente medir a decisão dos eleitores depois’, disse Márcia Cavalari.


Houve divergências entre pesquisa e apuração também em Goiás, onde o Ibope apontava que o senador Maguito Vilela ((PMDB) chegaria na frente na disputa ao governo do Estado, com 48%. Seu principal adversário, o atual governador Alcides Rodrigues (PP), aparecia com 42%. Encerrada a apuração, Alcides tinha 48,23% e Maguito, apenas 41,16%.


As pesquisas também não conseguiram identificar o crescimento da candidata do PPS, Denise Frossard. Ela tinha 17% das intenções na última pesquisa, mas havia recebido 25,5% dos votos apurados pelo TRE quando já haviam sido abertas 61% das urnas.


COLABOROU RENATA CAFARDO’


Pedro Doria


Urna eletrônica é segura?


‘Ontem, todos nós em idade de votar fomos às urnas escolher entre os menos piores. Votar deveria ser direito, não dever – mas esta é outra discussão. Fomos votar em candidatos difíceis de pinçar, a maioria de nós um quê desanimados, mas ao menos convictos de que fraude, daquelas homéricas como aconteciam no tempo do Ademar, já não existem mais. Estamos protegidos pela tecnologia.


Mas será? A urna eletrônica nos protege realmente da corrupção eleitoral? A trupe sábia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando perguntada e implorando para que não ter o nome revelado, diz que segura a urna é. Só não evita é o voto comprado direto do eleitor, como acontece em muitos rincões do País, principalmente no interior. Quer dizer: corrupto, só o pobre que vende o voto. Internamente não há risco. Certo: o Estado brasileiro é incorruptível.


A urna eletrônica não tem nada de segura. Nada digital é seguro – ponto. Porque segurança absoluta não existe. Bancos são invadidos e roubados a toda hora. Não divulgam porque os sistemas digitais ajudam a economizar tanto dinheiro que preferem arcar com o prejuízo sem confessar aos clientes que seguro, mesmo, não é.


A falta de segurança da urna eletrônica não é apenas hipotética. É só que o TSE e a maioria dos políticos, como os banqueiros, preferem não divulgar as falhas aos gritos. Veja-se o caso da eleição para governador do Distrito Federal, há quatro anos. Naquele pleito, Joaquim Roriz (PMDB) foi reeleito governador levando pouco mais que 12 mil votos além dos de seu adversário, Geraldo Magela, do PT. No percentual, a diferença entre um e outro não chegou a 1,5% dos votos de Brasília e cidades satélites.


Na época, pipocaram acusações de irregularidades no processo eleitoral pela imprensa local. O PT-DF contratou uma equipe que conhecia profundamente a tecnologia das urnas – tinha participado de seu projeto, afinal – e, para investigar, eles não precisaram ir muito além dos dados oficiais do TSE. Foram distribuídas 1.153 urnas, mas apenas 600 emitiram a zerésima. A zerésima é um documento muito simples: a urna cospe antes de ser aberta um papelucho que afirma não haver qualquer voto previamente registrado.


Ou seja, não é possível afirmar que metade das urnas no Distrito Federal estavam zeradas quando veio o segundo turno das eleições.


Aquela eleição foi apavorante. Dentre todas as quase 1.200 urnas, apenas 121 produziram autotestes com sucesso; apenas 145 produziram boletins de urna considerados pelo próprio sistema das urnas correto e livre de erros. Evidentemente, gente do PT-DF se mobilizou para sair divulgando para quem quer que fosse.


Encontraram dois problemas. O primeiro, na imprensa. Jornalista não gosta de ouvir que o sistema eleitoral eletrônico é tão fraudável quanto o antigo. Não gosta porque precisa entender o porquê de ele ser fraudável e isso parece complicado demais. Jornalista de política tem medo de tecnologia. Também não gosta porque prefere acreditar no grande feito tecnológico brasileiro de ter espalhado urnas com botões por todo o país. Nunca ninguém se pergunta por que urnas eletrônicas são vistas com tanta desconfiança nos EUA e na Europa.


O segundo problema foi no próprio PT. Ao chegar ao poder no Planalto, o núcleo duro do governo queria seduzir o PMDB. Uma das condições impostas pelo partido para iniciar as conversas era que Magela parasse de reclamar. Calaram-lhe a boca de presto.


As urnas eletrônicas são olhadas com desconfiança lá fora porque a fraude eletrônica não deixa rastros. Muda-se o número no banco de dados e pronto – não há como fazer uma recontagem. Em Brasília, se o problema não tivesse sido apenas ignorado, a solução seria produzir uma nova eleição.


Não quer dizer que houve fraude ou mesmo que houve erro. Quer dizer que os sistemas de segurança das urnas falharam todos, que elas não se responsabilizam pelos resultados. E isto se sabe porque foi investigado naquele caso. Noutros casos, sabe-se lá.


O Brasil digitalizou as eleições às pressas sem explicar à plebe os riscos. Explicou-se que era seguro e ponto. Pergunte a um especialista e ele responderá com um sorriso sarcástico: segurança digital é uma contradição em termos.’


TV DIGITAL
Marcelo Knõrich Zuffo


A digitalização da TV aberta no Brasil


‘Nos últimos dez anos, mais intensamente nestes últimos meses, a atividade de pesquisa e desenvolvimento adquiriu um ritmo sem precedentes na história da engenharia brasileira, envolvendo empresas, universidades e outros setores da sociedade com metas claras relacionadas a definições técnicas da digitalização da TV aberta no Brasil, no caso, a primeira fase do projeto SBTVD (Sistema Brasileiro de TV Digital).


Nesse processo, centenas de técnicos e cientistas brasileiros envolvidos criaram um dos sistemas de TV digital mais avançados do planeta, equiparado tecnicamente ao de países mais avançados na área, assumindo papel destacado entre os gigantes emergentes, como China, Rússia, México e Índia. Esse processo, inédito, foi marcado pelo rigor científico, pela solidez tecnológica, viabilidade econômica e vem sendo seguido atentamente pela sociedade, sobretudo pela imprensa.


Obstáculos surgiram, entre os quais estão restrições de orçamento e de acesso a tecnologias, prazos exíguos e burocracia. Apesar disso, encaramos essas restrições como desafios a serem superados e, rigorosamente dentro dos prazos, cumprimos as metas estabelecidas com excelência e engajamento.


Caso as inovações previstas no SBTVD sejam incorporadas pelo mercado, imediatamente a população vai perceber a incrível qualidade de som e imagem propiciada pelas melhores tecnologias de codificação multimídia, a multiprogramação (vários programas no mesmo canal), a mobilidade (TV em automóveis) e a portabilidade (TV no celular), no caso, oferecidos pela padrão ISO (International Standards Organization) e ITU (International Telecomunications Union) MPEG4/H264.


Além da qualidade oferecida por essa técnica de codificação multimídia, sinalizamos a perspectiva de preservar um recurso esgotável, que é o espectro eletromagnético, podendo utilizá-lo de forma mais racional.


A possibilidade da inclusão digital a partir da oferta de serviços de TV interativa em telemedicina, teleeducação, Previdência e demais serviços de governo eletrônico a distância é concreta quando consideramos as inovações brasileiras na área de sistemas operacionais, middleware e terminal de acesso de baixo custo com acesso à internet.


Neste momento, o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica, ao assumir o papel de protagonista numa tecnologia de alcance mundial. Conseguimos dar um grande passo na definição tecnológica da nossa transição da TV analógica para digital. Agora, as prioridades são a concretização da política industrial, a perenidade de financiamento às redes de pesquisa, o projeto de circuitos integrados da TV digital, o renascimento da indústria de semicondutores, a adoção de nossas tecnologias em novos produtos e o envolvimento do Brasil na padronização mundial dos sistemas de TV digital. Enfim, precisamos transformar a solução desses problemas locais numa oportunidade de inserção internacional do Brasil nesses setores de alta tecnologia.


A estratégia que adotamos foi escolher as melhores tecnologias e inovações incrementais. Tecnologias, ao mesmo tempo, abertas e livres. Estabelecemos uma visão de futuro, pois sabemos que, na era da informação, rapidamente essas tecnologias entram em obsolescência. Entretanto, não podemos nos esquecer que temos em torno de 100 milhões de TVs nos lares brasileiros e , caso façamos a lição de casa corretamente, as perspectivas projetam 200 milhões de televisores digitais no Brasil (celulares e fixos) e milhões de outros passíveis de exportação.


Um dos focos técnicos extremamente debatidos foi a robustez da transmissão, pois na TV digital o sinal pega ou não pega. Principalmente nas grandes concentrações urbanas, corríamos o risco de excluir milhões de residências de receber o sinal de TV digital. Por exemplo, hoje, em São Paulo, quase 70% das TVs têm sinal com ruído e fantasmas, ou seja, poderíamos ter 70% de TVs com tela preta. Daí a adoção da modulação OFDM (Orthogonal Frequency Division Multiplexing) proposta originalmente em 1962, nos Estados Unidos.


Ela foi adotada pela Europa, aprimorada no Japão e agora segue a trajetória incremental histórica que adotamos no Brasil. Cabe salientar que outras tecnologias de comunicação multimídia sem fio, como a WiFi e WiMax, também adotaram variações da modulação OFDM. Nossa escolha da versão mais robusta dessa modulação é o mais apropriado frente às condições geográficas e urbanas do nosso país. A opção entre uma inovação incremental visando a integração internacional do Brasil ou uma inovação disruptiva foi um dos grandes debates nessa questão crítica da escolha da melhor modulação.


Precisamos ser coerentes na continuidade dessas políticas públicas nos próximos anos, sob o risco de perdermos todo o esforço realizado e constituirmos reservas de mercado perniciosas, como as observadas num passado recente deste país. Ao mesmo tempo, o mercado brasileiro de comunicações e eletrônica tem que assimilar a dinâmica e a importância econômica da padronização internacional. Nosso mercado precisa mudar a sua postura de consumidor/tropicalizador de normas técnicas para provedor de padrões tecnológicos a partir das experiências locais.


Hoje temos uma janela estreita de oportunidade para propor, desenvolver, aprimorar, produzir e oferecer tecnologia moderna e flexível de TV digital. A associação com o Japão é de fundamental importância, pela sua liderança tecnológica no setor, sua disposição de cooperação e de renuncia de propriedade intelectual.


No âmbito dessa parceria Brasil-Japão, não podemos ser simplistas ou imediatistas na escrita dessas normas técnicas. Portanto, temos que enfrentar seriamente o desafio da interoperabilidade da TV para superarmos as atuais incompatibilidades dos demais sistemas. De tal forma que, num futuro próximo, os produtos brasileiros possam operar em qualquer país e a questão do padrão A, B ou C seja irrelevante para o consumidor. Deve ser intrigante para o consumidor e constrangedor para o engenheiro se perguntar porque a tecnologia sem fio Wi-Fi ou GSM é interoperável em qualquer parte do mundo e TV digital ainda não é, após 15 anos de intensos desenvolvimentos internacionais.


A proposta conjunta do Brasil e do Japão de criação de um padrão mundial, como tem sido aventado o International System on Digital Broadcast, deve ser construída, promovida e pactuada rapidamente com os outros padrões.


*Marcelo Knõrich Zuffo é professor do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP’


Ethevaldo Siqueira


Comunicações exigem revisão do modelo


‘Ninguém seria levado a sério se, há pouco mais de 10 anos, se previsse que em 2006, diante de um único terminal sobre sua mesa, pudesse acessar qualquer grande jornal ou revista do mundo, rádio, TV, banco de dados, telefonar praticamente de graça (via Skype), baixar músicas em MP3, jogar xadrez, consultar enciclopédias virtuais com mais de 3 milhões de artigos ou pesquisar em sites de busca (como Google ou Yahoo) que, em conjunto, devem atingir 1 trilhão de páginas até o final de ano. E mais: tudo isso pode se tornar realidade também via celular ou por intermédio de minúsculos computadores de mão, a qualquer hora, em qualquer lugar.


Eis aí uma pequena amostra desse admirável novo mundo da convergência digital em que vivemos, que velhos profissionais de telecomunicações ou de radiodifusão insistem em negar. Alguns deles costumam dizer: ‘Essa história de convergência digital é balela. Rádio é rádio, telefone é telefone, jornal é jornal, internet é internet. Não vejo nenhuma convergência’.


Esse é o cenário de um dos maiores confrontos que deverá opor os setores de telecomunicações e de comunicação eletrônica de massa (radiodifusão, TV por assinatura e IPTV, entre outros). Esse confronto deverá tornar-se dos acalorados nos próximos 4 anos no Brasil, como tem sido no mundo.


No passado, telecomunicações públicas (em especial a telefonia) e radiodifusão eram setores realmente estanques, separados, definidos, com regras próprias, baseadas no velho Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117, de agosto de 1962).


O QUE SE ESPERA


Durante o primeiro mandato do governo Lula, o Brasil parece não ter percebido nem a importância nem a própria emergência dessa revolução tecnológica. Em lugar de avançar no novo modelo privatizado, o governo preferiu ocupar todos os espaços políticos com seus representantes partidários, próprios ou aliados.


O resultado tem sido a politização excessiva de todas as ações do Ministério das Comunicações, a desprofissionalização e o esvaziamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), como, de resto, das demais agências reguladoras.


Do novo governo, seja a continuação de Lula ou de outro presidente, o Brasil espera que algumas medidas prioritárias sejam tomadas, entre as quais:


1.Lei Geral – A elaboração de uma Lei Geral de Comunicações capaz de superar o anacronismo da legislação atual, incoerente e conflitante – tanto quanto aos aspectos regulatórios das telecomunicações, da radiodifusão, da TV por assinatura, videoconferência, internet, comunicação eletrônica de massa, cinema e de outras formas de comunicação. O País precisa de uma lei geral que harmonize e oriente todos esses segmentos e todas as formas de serviços.


2.Fortalecer o modelo – Sem um modelo institucional adequado, contudo, o Brasil se atrasa também nessa área. O País, no entanto, mantém as mesmas regras vigentes entre 10 e 40 anos atrás numa área dramaticamente afetada pela internet, pelas comunicações em banda larga, pela mobilidade dominante do celular, pelo protocolo IP e sua aplicação avassaladora na telefonia. Ao afetar profundamente a economia e as comunicações brasileiras, essas transformações exigem a revisão completa de conceitos e da legislação setorial. O modelo brasileiro de Comunicações, no entanto, não passa de uma colcha de retalhos, obsoleta e incoerente.


3.Fortalecer o regulador – Não se trata de simplesmente corrigir pontualmente a LGT, mas de dar ao País uma lei geral ou código que abranja todas as formas de Comunicações, que estruture e implante uma única agência reguladora – que poderia chamar-se Anacom (Agência Nacional das Comunicações), na qual a Anatel seria um de seus muitos braços ou segmentos. Assim é que o mundo está organizando o setor.


A mais sólida experiência é a dos Estados Unidos, com a Comissão Federal de Comunicações (FCC). O mesmo processo de unificação ocorre na Grã-Bretanha, com o OfCom (de Office of Communications), ou em Portugal, com a Anacom.


O Brasil pode ter também sua agência reguladora, com o maior nível profissional, independente e separada dos interesses político-partidários.


*Ethevaldo Siqueira é jornalista’


MERCADO EDITORIAL / EUA
Maria Aspan


News Corp. investe em mídia regional


‘A News Corp., proprietária do jornal The New York Post, ampliou sua presença na área metropolitana de Nova York, com a aquisição de dois grupos jornalísticos que controlam 28 semanários distribuídos principalmente nos distritos de Queens e Brooklin. Com isso, a News Corp. amplia seu alcance para bairros fora de Manhattan e se direciona para populações minoritárias que são o baluarte do principal concorrente da empresa, o The Daily News.


Embora o valor da compra não tenha sido revelado, fonte próxima ao acordo disse que a News Corp pagou US$ 16 milhões pela compra dos dois grupos, o Times Ledger e o Courier-Life. O grupo Times Ledger publica 16 jornais semanais na área de Queens, com uma circulação total de 50 mil exemplares, incluindo o The Flushing Times, Astoria Times e Glen Oaks Ledger. O grupo Courier-Life edita 11 jornais no Brooklin com uma circulação total de 90 mil exemplares, incluindo o Bay News, Brooklyn Heights Courier e o Flatbush Life. O Courier-Life edita também o Caribbean Life, com 105 mil exemplares que circulam nos cinco bairros da cidade de Nova York e também nos condados de Nassau e Westchester.


O The New York Post tem uma circulação média diária de 673 mil exemplares, segundo os dados mais recentes do Audit Bureau of Circulations. A média diária de circulação do The Daily News é de 708 mil exemplares.


O grupo Courier-Life foi criado em 1945 e seu proprietário é o editor Clifford Luster e seus pais, Edward e Rhoda Luster. O TimesLedger, fundado em 1935, pertence ao editor Steven Bland, cujo pai, Ben Blank, tem uma pequena participação na companhia. Os grupos de jornais eram os únicos patrimônios de mídia tanto de Luster como de Blank.


Les Goldstein, vice-presidente sênior da News Corp., disse que, desde seu ingresso na empresa, em janeiro, vinha procurando grupos de jornais mais direcionados às comunidades para comprar. ‘O que nós queríamos realmente era encontrar publicações que viessem complementar o The New York Post’, ele disse. Acrescentou que, como o The Post ‘já tinha uma boa sustentação em Manhattan’, a meta principal era aumentar a cobertura no Brooklyn e no Queens.


A venda não afetará as equipes editoriais das empresas adquiridas nem mudará seu conteúdo, disse Goldstein. Ele disse também que ainda não estava decidido se outros departamentos do grupo, como os de propaganda e circulação, seriam fundidos com os do The Post de forma a reduzir os custos operacionais.


A expansão para o Brooklyn e Queens permitirá ao The Post competir melhor com o The Daily News, oferecendo aos anunciantes uma cobertura maior. Esses jornais de menor porte, interessantes para a propaganda devido aos preços relativamente baixos dos anúncios e à fidelidade dos leitores, poderão também atrair grandes anunciantes , no caso de uma empresa com cobertura mais ampla, disse Goldstein. ‘Isso ajudará o The Post até certo ponto, mas nosso objetivo principal é tornar essas publicações mais lucrativas.’


REVIRAVOLTA


Essa aquisição é a mais recente reviravolta na intensa disputa dos jornais cotidianos de Nova York, em que o The Post e o The Daily News competem com publicações como The New York Times e outros como a New York e o Metro. Mas tanto a News Corp. como os analistas do setor dizem que venda não terá muito impacto nessa competição.


De acordo com Goldstein, ‘em casos similares, por todo o país, os grupos de jornais comunitários são mais lucrativos do que os jornais que os controlam’. Para Arlene Morgan, decana da Graduate School of Journalism, da Universidade de Columbia e antiga editora gerente assistente do The Philadelphia Inquirer, a venda será um bom investimento para o The Post mas não significa necessariamente que a empresa ficará em posição de vantagem nessa batalha pela circulação.


Os pequenos jornais ‘têm custos de produção muito baixos e uma taxa de retorno muito alta’, disse, acrescentando que ‘a publicidade nos bairros é um grande atrativo, mais importante do que o conteúdo e vai ajudar nos resultados finais globais da empresa’.’


PUBLICIDADE
Marili Ribeiro e Ariel Palacios


Na propaganda, bola é da Argentina


‘Enquanto a publicidade brasileira parece passar por uma crise criativa – no Festival de Cannes deste ano foram 29 prêmios, o pior resultado do País nos últimos quatro anos -, publicitários argentinos ganham espaço no mercado mundial e levam para o país vizinho contas globais de anunciantes como Coca-Cola, sabonete Lux e desodorante Axe.


‘Pode ser apenas mais uma marola, como já aconteceu no passado com a publicidade norueguesa’, contemporiza Eugênio Mohallem, presidente e diretor de criação da agência brasileira Fallon São Paulo. Para Eduardo Fischer, da Fischer América, ainda é cedo para dizer se essa onda argentina veio realmente para ficar. Mas ele reconhece que agências como a Santo, La Comunidad, Madre LatinoAmérica (filial da agência londrina Mother) e Fire, entre outras, vêm conquistando importantes trabalhos no mercado global.


‘A maior vantagem deles tem sido a ousadia, talvez até produto da intensa crise vivida recentemente pelo país ‘, diz Ulisses Zamboni, sócio e diretor de planejamento da agência Santa Clara.


Ainda há, claro, uma enorme diferença entre o mercado publicitário argentino e o brasileiro – muito maior, com agências mais bem estruturadas, boa parte delas ligadas a grandes grupos multinacionais. As agências que vêm fazendo sucesso na Argentina são, na verdade, pequenas. E talvez por isso mesmo trabalhem com mais liberdade de criação.


Os argentinos vêm conseguindo destaque especialmente nos filmes para a televisão, área em que a publicidade brasileira vem patinando – em Cannes, foram apenas três leões (de bronze) este ano. Mohallem, da Fallon São Paulo, reconhece a superioridade dos argentinos na produção de filmes para mídia eletrônica. Mas assegura que, no lado brasileiro, a produção gráfica é melhor.


Opinião que é compartilhada pelos argentinos. ‘De forma geral, a publicidade argentina na televisão é mais humana, mais real e menos ilusória’, diz Maxi Anselmo – um dos astros da nova geração de publicitários argentinos -, da agência Santo. Segundo ele, a gráfica brasileira é melhor, pois é ‘mais colorida, com mais personalidade’.


Para Rodrigo Figueroa Reyes, criador da agência Fire Advertainment, que depois se tornou sócia da multinacional DDB Worldwide, a publicidade argentina para TV é ‘brilhante’, enquanto a gráfica é ‘medíocre’. No caso brasileiro, ele define a gráfica como ‘uma das melhores do mundo’. ‘Mas deixa a desejar na TV.’


Os anúncios televisivos brasileiros, na opinião dos publicitários argentinos, ‘precisam ser compreendidos por todos, e isso os torna óbvios e básicos’. Na Argentina, pela tradição cultural, a publicidade pode ser mais sutil, irônica, sarcástica. ‘O Brasil tem muitos talentos, mas está pagando o preço da comodidade, eles deixaram de experimentar. E esta é uma indústria em que não dá para perder a experimentação e o frescor’, diz Joaquín Mollá, criador das campanhas mundiais da MTV e da Virgin Mobile, ambas premiadas em Cannes, e fundador da La Comunidad, uma agência definida como ‘um grupo de pessoas pensando idéias’, e na qual os publicitários praticamente vivem em comunidade.


As agências argentinas criaram nos últimos anos campanhas que fizeram sucesso nos quatro cantos do mundo. A Santo foi a responsável, por exemplo, pelos comerciais da Coca-Cola em que inimigos se abraçavam ao ver pela televisão um gol da seleção nacional – veiculados durante a Copa do Mundo – e dos sabonetes Lux, em que um balão sobrevoa os céus de Moscou. Segundo Anselmo, esse sucesso pode ser explicado, em parte, pela ‘eterna necessidade dos argentinos de serem reconhecidos no exterior’.


Para Reyes, há também o fato de os argentinos estarem conseguindo se adaptar à era multimídia, que exige muito mais dos profissionais. Criador da campanha da Telefónica que acabou virando bordão entre os argentinos, Reyes diz que a publicidade tradicional morreu. ‘Só falta que o mercado perceba.’


Apesar de todo o sucesso recente, os próprios argentinos olham o processo com cautela. ‘Não dá para falar em boom’, diz o analista Luis Hermida. ‘Nossa criatividade ainda tem de provar sua eficácia’. Santiago Keller, presidente da revista Latinspots e do festival publicitário El Ojo Iberoamérica, tampouco fala em boom. ‘Foi uma gestação gradual’, diz.


Para Reyes, ao contrário do que o mercado acredita, o fenômeno cresce há pelo menos 20 anos. ‘Mas a crise de 2001 aprofundou este conceito, pois com menores orçamentos se conseguiram melhores resultados.’ Mollá, entretanto, é mais cético. ‘Esse tal boom está superestimado. Existe talento, mas não há tantas pessoas tão boas.’ Mesmo assim, para muitos publicitários brasileiros, o modelo argentino pode ser um exemplo a ser perseguido pelas agências nacionais. Isto, pelo menos, em capacidade de investir no inusitado. Sair da acomodação.’


TELECOMUNICAÇÕES
Renato Cruz


Corrida tecnológica revoluciona mercado e favorece consumidor


‘Convergência digital integra serviços e instaura nova etapa no mercado de telecomunicações Desafio da Anatel é acompanhar transformações e estabelecer regras do novo mercado Mudanças foram tantas que muitos nem sabem mais como é viver sem celular e internet


O futuro das telecomunicações no País estará em discussão de hoje a quinta-feira em Florianópolis, durante o Futurecom. Em sua oitava edição, o maior e mais importante evento do setor reunirá cerca de 7 mil participantes e 150 expositores.


Desde o 1º Seminário Internacional de Telecomunicações (Semint), em 1991, ainda nos tempos da Telebrás, muita coisa mudou nesse mercado. Nas páginas desta edição especial do Estado estão alguns dos aspectos da revolução que mudou para melhor a vida dos brasileiros. Muitos usuários dos modernos telefones celulares nem se lembram dos tempos em que, para se ter uma linha telefônica, era necessário aguardar vários anos pelos planos de expansão das operadoras estatais.


Nos últimos tempos, porém, as mudanças foram mais radicais, com a revolução digital que trouxe consigo a convergência de meios, tema de destaque dos debates deste ano. As transformações são tantas e acontecem com tal rapidez que o grande problema dos agentes reguladores é atualizar o arcabouço legal que rege o mercado.


O avanço tecnológico é tão rápido e surgem tantas tecnologias a cada dia que, se todas forem reguladas, o avanço pode ser prejudicado. ‘A regulamentação tem de acompanhar o crescimento da tecnologia no mercado, mas a dificuldade, no mundo inteiro, é saber a partir de que ponto regular’, comenta Pedro Ziller, conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em entrevista nesta edição.


O ministro das Comunicações, Hélio Costa, cita mais um exemplo que deve revolucionar o mercado nos próximos meses: a criação de uma rede de internet de banda larga sem fio (WiMax), em um consórcio entre os governo federal, estaduais e municipais e empresas privadas.


‘Com esse projeto nós vamos levar a todos os municípios brasileiros não apenas internet, mas todos os instrumentos que a banda larga traz’, afirma o ministro.


Os debates no Futurecom 2006 devem refletir o grande confronto imposto pelas novas tecnologias, que opõe o setor de telefonia a outros, como radiodifusão e TV por assinatura. Todos estão de olho no mesmo mercado. É uma guerra que apenas começou, mas cujos vencedores são os brasileiros.’


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Banda larga ocupa lugar de destaque na Futurecom


‘Quando organizou o primeiro evento de telecomunicações, em 1991, o engenheiro Laudálio Veiga Filho trabalhava na área de recursos humanos da Telepar, estatal paranaense de telecomunicações. ‘Descobri uma vocação que nem eu mesmo conhecia’, afirma o diretor da Provisuale, responsável pelo Futurecom, evento de telecomunicações que começa hoje em Florianópolis e vai até quinta-feira.


Na época da estatal, Laudálio fez quatro edições do evento, então chamado Semint. ‘Quando veio a privatização, saí da Telebrás com a cara e a coragem e montei a Provisuale.’


Em seu último ano, o Semint já tinha sido grande, com palestrantes como o professor Nicholas Negroponte, co-fundador do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e Serge Tchuruk, então presidente da Alcatel.


‘Hoje, o mercado é muito diferente’, assinala o diretor da Provisuale. ‘Antes, eram dezenas de fornecedores falando com um único cliente, a Telebrás. Na época do Semint havia jantares para 300, 400 pessoas. Hoje são vários jantares ao mesmo tempo, para pouca gente.’


A primeira Futurecom reuniu 3 mil pessoas, em 1999. A previsão para este ano, em sua oitava edição, é de 7 mil. A feira conta com cerca de 150 expositores. ‘O mercado está muito bom, mas as negociações são mais difíceis’, diz Laudálio, sobre este ano. ‘A banda larga é um setor que me deixa extremamente entusiasmado.’ Ele vê espaço para as empresas crescerem em serviços agregados, oferecidos a partir das conexões de internet rápida.


Em seu sexto ano em Florianópolis, o evento é o maior em Santa Catarina. Cerca de 71% do público é de São Paulo. ‘As pessoas acabam ficando lá durante o evento’, afirma Laudálio, citando esse como um dos motivos do sucesso.


‘Em eventos em São Paulo ou no Rio, os executivos acabam indo só para uma reunião ou uma palestra.’ Para o próximo ano, a Provisuale planeja um evento para o setor de energia, chamado Future Energy.


Entre os palestrantes deste ano está José Alexandre Scheinkman, professor de economia em Princeton. Participarão do evento executivos como Fernando Xavier Ferreira (Telefônica), Francisco Valim (Net), Mario Cesar Pereira de Araujo (TIM), Luiz Eduardo Falco (Telemar), Luiz Francisco Perrone (Brasil Telecom), Ricardo Sacramento (Telemig Celular) e Roberto Lima (Vivo). Mais informações podem ser encontradas no site www.futurecom.com.br.’


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Telefonia, internet e TV em um só pacote


‘Desde 1998, quando foi privatizado o Sistema Telebrás, o faturamento do setor de telecomunicações, incluindo serviços e indústria, cresceu 166%, alcançando R$ 134,2 bilhões em 2005. O total de celulares passou de 7,4 milhões nesse ano para 94,9 milhões em agosto. A base de telefones fixos dobrou, para 39,9 milhões de linhas em serviço.


O mercado, no entanto, começa a desacelerar. Desde 2003, os telefones fixos estão na casa dos 39 milhões. O celular deve alcançar 100 milhões até o fim do ano e, a partir daí, será mais difícil crescer. Por isso, o setor busca novas estratégias de expansão. Uma das principais é a distribuição de conteúdo.


Não deve ser simples, no entanto. A legislação brasileira está desatualizada e já não contempla as possibilidades abertas pela digitalização, em que todas as redes podem prestar todo tipo de serviço.


As operadoras de telefonia enfrentam oposição das empresas de TV paga, que foram à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) contra os planos das teles de vender assinatura de televisão e ameaçam ir à Justiça. Também precisam vencer a força política da radiodifusão, já sentida na disputa pela TV digital, que vêem nas operadoras uma ameaça.


‘O conteúdo parece a estrela de Hollywood que chega atrasada à festa, mas faz uma entrada triunfal’, diz Petronio Nogueira, sócio da Accenture.


A consultoria ouviu 130 executivos de áreas como filme, televisão, música e videogame e perguntou de onde virá o crescimento. Desse total, 61% responderam que de novos canais de distribuição. A pesquisa é mundial e incluiu o Brasil. Outros 21% apontaram que a expansão virá de novos conteúdos e 18%, de novas geografias.


‘A oportunidade está na convergência de todos os serviços, o que inclui a distribuição de conteúdo’, aponta José Luis Salazar, diretor de Relações com Investidores da Telemar. ‘O cliente não vai querer comprar celular de uma empresa e televisão de outra.’ A operadora comprou a Way Brasil, empresa de TV a cabo em Minas Gerais, e aguarda aprovação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O setor de TV paga é contra.


As celulares apostam na distribuição tanto de vídeo quanto de música. A Vivo lançou seu serviço Play 3G no ano passado e tem 900 mil aparelhos em sua base capazes de usá-lo. ‘Temos mais de 1 milhão de acessos por mês’, aponta Alexandre Fernandes, diretor de Produtos e Serviços da Vivo.


A empresa oferece vídeos para download e streaming, transmissão em tempo real. ‘O cliente paga pelo conteúdo, nunca pelo tráfego.’ Os canais BandNews e RTP, de Portugal, são gratuitos.’


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Tecnologias sem fio criam banda larga pessoal


‘O celular transformou a telefonia em serviço pessoal. O mesmo deve ocorrer com a banda larga, com tecnologias como o Wi-Fi, o WiMax e o WiMesh. ‘Em 10 anos, a banda larga será um serviço pessoal’, acredita Luis Minoru Shibata, diretor-geral para América Latina da consultoria The Yankee Group. ‘No Brasil, o WiMax deve se transformar num serviço de massa em 2010 ou 2012.’


O WiMax é uma tecnologia nova, padronizada no fim de 2005. Testes de WiMax em São Paulo conseguiram alcance de até 20 quilômetros, com velocidade entre 10 megabits por segundo (Mbps) e 15 Mbps. O pacote mais rápido do Speedy, da Telefônica, tem 8 Mbps. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ia fazer um leilão de freqüências de banda larga sem fio, com tecnologia WiMax, no mês passado, mas o processo foi paralisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).


O mercado mundial de WiMax deve movimentar US$ 7,4 bilhões em 2009, no que diz respeito à prestação de serviços, e US$ 3 bilhões na venda de aparelhos, de acordo com a consultoria IDC. O de Wi-Fi, tecnologia de rede local sem fio, deve gerar receitas de US$ 3,5 bilhões em serviços e de US$ 7,4 bilhões em equipamentos.


NO CELULAR


‘No fim do ano, começam a chegar ao mercado celulares com Wi-Fi’, aponta Emerson Yoshimura, gerente regional da Linksys para o Cone Sul. ‘Queremos fechar uma série de parcerias para vender junto o roteador e promover o uso do Wi-Fi.’ Ligado a uma conexão de banda larga, o roteador permite criar uma rede sem fio em casa ou na empresa. Novas versões do Wi-Fi permitem velocidades de até 130 Mbps.


O Wi-Fi e o WiMax são, ao mesmo tempo, oportunidade e ameaça às operadoras de celulares. Essas tecnologias podem levar ao mundo sem fio o impacto da voz sobre protocolo de internet (IP, na sigla em inglês), barateando as ligações, principalmente na longa distância.


Na visão de Minoru, do Yankee Group, o WiMax é complementar à terceira geração da telefonia celular, apesar de estar sendo chamado de quarta geração nos Estados Unidos. ‘O WiMax deve ser usado mais em dispositivos portáteis, como notebooks, do que em celulares’, exemplifica Minoru. ‘As telas de celulares são muito pequenas para se assistir a um vídeo que use a capacidade do WiMax, por exemplo.’


A maior empresa de WiMax no Brasil é a NeoVia, que tem 35 mil clientes no Estado de São Paulo. ‘Não é nada perto dos clientes de banda larga das concessionárias’, reconhece Maurício Coutinho, presidente da NeoVia. ‘Mas somos uma das maiores empresas de WiMax do mundo. Só tenho notícia de uma maior nos Estados Unidos e de outra na Austrália.’


ALTERNATIVA


Visto como uma solução intermediária entre o Wi-Fi e o WiMax, o WiMesh é outra tecnologia sem fio promissora. No WiMesh, cada equipamento se torna um nó de rede. Os aparelhos vão se conectando uns aos outros. As antenas têm alcance de até 400 metros e a velocidade de comunicação chega a 54 Mbps.


‘O WiMesh ainda está em processo de padronização’, aponta Josh Chai, diretor de Desenvolvimento de Soluções da D-Link International e um dos palestrantes da Futurecom. ‘Apesar de o Wi-Mesh ser definido como tecnologia de telecomunicações, acreditamos que a maioria dos clientes corporativos também vai se beneficiar do Wi-Mesh no ambiente interno.’ A maioria das experiências com o WiMesh no mundo combina a tecnologia com o Wi-Fi.’


Irany Tereza


Novos serviços mudam a rotina dos brasileiros


‘Internet e celular ingressam na rotina do brasileiro em velocidades distintas. Pelas mãos, principalmente de crianças e adolescentes, a rede mundial de computadores ganha espaço no mercado gradativamente. Pesquisa recentemente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelou que, no ano passado, 21% dos brasileiros com mais de dez anos acessaram a internet.


Mas a onda de digitalização esbarra no, ainda, alto custo dos equipamentos. O celular, ao contrário, ganha espaço a galope e é cada vez mais comum nas classes de renda mais baixa. Puxado pela difusão dos aparelhos móveis, já que a abrangência da operação fixa estagnou, o alcance do serviço de telefonia é hoje mais amplo que o de saneamento básico.


Pelos dados da Associação Telebrasil, que reúne as empresas de telecomunicações, o número de assinantes chega hoje a 130 milhões. São 86 milhões de celulares, 40 milhões de terminais fixos e 4 milhões de pontos de acesso a TV a cabo.


A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, comprovou que 72,4% dos lares brasileiros são dotados de telefone (fixo e/ou celular). É uma relação maior que a de casas com esgoto (70,4%). A discrepância está diretamente relacionada à privatização do sistema de telecomunicações, há apenas oito anos, enquanto o saneamento continuou como serviço público.


Outro levantamento, este da Associação Telebrasil, mostra que apenas a avaliação de rentabilidade das próprias operadoras impede a universalização completa do serviço, que não é obrigatória. Os municípios que não contam com o atendimento das empresas de telefonia móvel (42% do total) são pequenas localidades, com população de poder aquisitivo baixo.


‘O celular passou a ser usado para suprir a falta da linha fixa. Hoje, a quantidade de domicílios apenas com celular é o dobro da de residências que só têm telefone fixo’, diz a técnica Márcia Quinstlr, do IBGE. Ela lembra que está havendo retração na proporção de moradias com linha fixa convencional, enquanto avança a passos largos o acesso à telefonia móvel.


Aparelho celular é um bem já adquirido por 56 milhões de brasileiros, quase um terço da população do País. Perto de metade desse contingente (44,5%) ganha até dois salários mínimos. ‘Telefonia celular é um serviço de oferta muito fácil. Cidadezinhas surgem do nada no Pará, por exemplo, movidas pelo peso da exploração mineral, havendo demanda, logo surge uma antena de celular’, comenta André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).


Já a massificação da linguagem digital ocorre independentemente do ainda baixo índice de propriedade de computadores pessoais: apenas 18,6% dos lares, das mais de 53 milhões de residências visitadas pelos pesquisadores do IBGE, dispunham do equipamento em 2005.


Os 38,7 milhões de internautas brasileiros driblaram a falta de equipamento recorrendo a computadores no trabalho, na escola, na casa de amigos ou em cybercafés. Mas, apesar da disseminação, o acesso está concentrado nas camadas da população com renda e nível de instrução mais altos e microcomputador ainda é raro na maior parte do País. No Maranhão, o Estado mais pobre, só está em 4,1% dos domicílios. Mesmo em Brasília, o centro da digitalização nacional, não chega a 40% das casas (36,4%) e em São Paulo, o porcentual é de 28,9%.’


Gerusa Marques


Prioridade da Anatel é garantir a competição


‘O papel da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é garantir a competição entre empresas de telefonia, bem como a universalização dos serviços e o acesso dos usuários a esses serviços. Esses objetivos são defendidos pelo atual conselheiro da Agência, Pedro Jaime Ziller, que também foi seu presidente de janeiro de 2004 a janeiro de 2005. Em entrevista ao Estado, ele analisa a velocidade dos avanços tecnológicos e a profusão de novos serviços, além das recentes divergências da Anatel com o Ministério das Telecomunicações e outros temas. A seguir os principais pontos da entrevista:


AVANÇO TECNOLÓGICO


Desde a privatização, o avanço tecnológico foi muito rápido. Quando a telefonia móvel chegou ao País, a expectativa era de que se chegasse a 2003 com 9,5 milhões de celulares. O número bateu em 43 milhões, quase cinco vezes mais. A única explicação é o avanço tecnológico, que permitiu colocar mais usuários em uma mesma banda, aumentando o número de aparelhos e baixando o preço. Com a digitalização, surgiram novos serviços e facilidades. O avanço tecnológico é tão rápido, surgem tantas tecnologias, que, se todas forem reguladas, o avanço pode ser prejudicado. A regulamentação tem de acompanhar o crescimento da tecnologia no mercado. A dificuldade no mundo inteiro, não só nossa, é saber a partir de que ponto regular.


VOZ SOBRE IP


No caso da tecnologia de voz sobre protocolo de internet (VoIP), que já existe há alguns anos, mas começou a ganhar força agora no Brasil, com um mercado de 4 milhões de usuários de banda larga, nós estamos de olho aberto porque a taxa de crescimento está aumentado. Mas acho que ainda não é o momento de regular.


CONVERGÊNCIA


Realmente, não sabemos, em detalhes, o que vai acontecer. Existe um tema que deve ser abordado com urgência, que é o da separação estrutural: plataforma de um lado e serviço de outro. Essa separação, no Brasil, foi discutida no ano de 2003, mas a idéia foi rejeitada porque a sua execução poderia enfrentar problemas legais, já que o edital de privatização (das telecomunicações) vendeu tudo, o serviço e a rede. Não é uma proposta que estou inventando, é uma tendência mundial. A British Telecom, por exemplo, fez a separação estrutural na Inglaterra e agora oferece qualquer serviço. São duas empresas, mas o acionista é o mesmo. A empresa de serviços se livraria de todas as amarras regulatórias. Hoje, o problema é que uma empresa que tem a rede e também o serviço acaba tendo um poder de mercado muito grande. A Anatel sabe que não pode impor isso, mas nada impede que as empresas proponham. Se a rede é desagregada, ela vira um negócio, que hoje não é.


PAPEL


O papel da agência é o que estamos fazendo: lançar as idéias para discussão e garantir a competição, a universalização, o acesso aos serviços. Uma das idéias é essa separação estrutural porque, se você for fazer convergência com a estrutura que temos hoje, vai surgir uma empresa monopolista. Então, para garantir a competição, você tem que impedir que a empresa que tem esse potencial preste outro serviço.


WIMAX


O argumento de que a Anatel, ao limitar a ação das concessionárias, está impedindo a competição é absurdo. Ninguém impediu que a Telefônica entre na área da Telemar e da Brasil Telecom ou vice-versa. Nós impedimos que essas freqüências pudessem ser compradas nas áreas delas. Para se chegar ao cliente, tem dois modos: o par de fios ou o ar. E as concessionárias já monopolizam o par de fios. A Anatel está baseada no princípio da competição para propor o que propôs. Que competição em rede fixa existe nessas áreas? Não tem. Então, a alternativa que a rede do WiMax oferece é essa: criar competição. Se não pode comprar na sua área, compra na área da outra e vai competir lá. É perfeito.


VIAS DA COMPETIÇÃO


Uma delas é a portabilidade, que acabamos de colocar em consulta pública. Segundo: a revenda, que permitirá a uma empresa comprar, por exemplo, 50 mil minutos de ligações e revender no varejo. Esse atacadista compra por menos e vende mais barato na ponta, porque os custos operacionais dele são menores que os de uma grande empresa. Outro aspecto importante é o uso eficiente do espectro e estamos elaborando um regulamento sobre isso. Se alguém comprou um grande espaço de freqüência e não está usando, e se há um critério claro do que é uso eficiente, a Anatel tem como retomar esse espectro e vender para outro.


RESERVA DE FREQÜÊNCIAS


Quanto ao argumento do governo de ter uma reserva de freqüências do WiMax para projetos de inclusão digital, o governo pode ter freqüências quando quiser, se achar uma aplicação definida, uma política clara. Isso não é problema, mas não precisa ser necessariamente essa freqüência. Existem outras, como a 2,5 GHZ, por exemplo.


DIVERGÊNCIAS


Na verdade, não havia nenhum problema entre a agência e o ministério em 1997, quando ela foi criada. O ministro definia as políticas públicas, inclusive definiu claramente a Lei Geral de Telecomunicações. De lá para cá, o que o ministério fez? Passaram-se anos, até o governo Lula, sem que tenha sido feito absolutamente nada. Mas, como não existe vazio em telecomunicações, a agência passou a fazer política pública.


REGRAS E EMBATES


Não acho que houve embate (com o governo). Sou favorável ao telefone social, só que a lei não permite. Então, o ministro Hélio Costa propôs uma mudança na lei. No caso do WiMax, temos freqüência vazia e a tecnologia existe, então lançamos a licitação. O ministro disse que estava desenvolvendo uma política pública e pediu para suspender. Acho que poderia esperar, mas a decisão da Anatel não foi essa e eu sou bastante disciplinado.


FRAGILIDADE


Essa palavra é usada para dizer que a agência perdeu influência política. Perdeu, sim, claro. Perdeu porque o ministério anterior ao governo Lula não se preocupava com telecomunicações. Mas o marco regulatório é muito claro sobre o papel da agência, de executora das políticas públicas definidas pelo governo. E dentro desse papel acho que a Anatel se fortaleceu. A agência é fragilizada quando define alguma regra e as empresas questionam o regulamento na Justiça.


VERBAS E CONSELHEIROS


Ficar com quatro conselheiros sobrecarrega um pouco a gente, mas não é problema. Também não vejo problema em ter um presidente a cada ano. Veria dificuldade se trocasse o conselho com essa freqüência. Sob o ponto de vista regulamentar, a agência é gerida por cinco pessoas e nenhum manda mais que o outro. O presidente do conselho tem 20% dos votos e eu também. Quanto ao orçamento, este sim afeta. Acho que está entendido por todo mundo que não é possível fiscalizar sem recursos.


GRANDE DESAFIO


O mais urgente é analisar o que vem por aí de convergência e saber como fazer bem feito. O principal desafio, diante desse avanço tecnológico, é facilitar a vida do usuário, no sentido de ele ter o melhor serviço pelo melhor preço.’


INTERNET
Ricardo Anderaos


Tradição e inovação


‘Enquanto você corre os olhos por estas linhas, caro leitor, eu me encontro exatamente abaixo de seus pés. Isso mesmo: a esta hora devo estar em Tóquio, do outro lado do planeta.


Escrevo esta coluna na noite de quinta-feira. Daqui a pouco, às 23h50 entro no avião aqui no aeroporto de Guarulhos. Só chego ao meu destino às 13h de sábado, pelo horário de Tóquio. Esse enorme lapso de tempo é a soma das 25 horas de viagem com mais 12 horas de fuso horário. O Japão está sempre 12 horas à frente do Brasil.


O fato é que me sinto como se estivesse embarcando para um outro planeta. Em primeiro lugar por causa dessa enorme distância no tempo e no espaço, que provavelmente vai causar um enorme revertério no meu metabolismo.


Tenho a impressão de que vou ficar noites seguidas com os olhos pregados no teto do quarto de hotel. Igualzinho a Bill Murray e Scarlett Johansson no maravilhoso filme Encontros e Desencontros (Lost in Translation), de Sofia Coppola. Fico me perguntando que tipo de malucos ocidentais vou encontrar morcegando no meio da madrugada pelo bar do hotel…


Em segundo lugar sinto que vou a outro mundo porque o Japão é um lugar mítico. Acho que nenhuma outra sociedade combina de maneira tão radical as forças da inovação e da tradição. Como isso é possível?


À primeira vista me parecia que o frenesi hi-tech de Tóquio e os modismos de sua juventude multicolorida eram totalmente incompatíveis com o equilíbrio da meditação Zen Budista e o amor dos japoneses pela floração das cerejeiras e a passagem das estações. Mas, depois que comecei a estudar melhor o Japão para traçar um roteiro de viagem, percebi que existe um nexo profundo entre a ética milenar dos samurais e a compulsão da sociedade japonesa por tudo que é novo – com particular destaque para as tecnologias da informação.


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Antes da chegada do Budismo ao Japão, o que aconteceu no século 8, a religião local era o Xintoísmo. A palavra shinto significa algo como ‘o caminho dos deuses’. Refere-se a um panteão de divindades, maiores e menores, que presidem as forças da natureza. Essas divindades são adoradas em milhares de santuários espalhados por todos os cantos do país.


Um dos locais mais sagrados do Xintoísmo é o grande santuário de Ise. Seu interior é dedicado à deusa do Sol, Amaterasu. Todo em madeira, ele foi edificado no ano 690. De lá para cá, a cada 20 anos, o templo é destruído e construído novamente. O objetivo é manter clara a idéia de que tudo é impermanente e de que vivemos à mercê das forças da natureza.


Para um país que fica na zona geológica mais ativa do mundo, seguidamente chacoalhado por terremotos e maremotos – sem falar das guerras e de duas bombas atômicas – impermanência é muito mais do que um conceito. É algo inscrito no próprio DNA.


Não é à toa que o Budismo, que também enfatiza a impermanência de todas as coisas, combinou tão bem com a religião local. Hoje a maioria dos japoneses segue rituais tanto do Budismo quanto do Xintoísmo.


***


Impermanência também é a tônica do universo digital. Ainda que muitas vezes criemos, no mundo dos bits, réplicas do mundo dos átomos, isso só acontece por nossa dificuldade em lidar com o novo.


A internet e a digitalização da informação nos obrigam a pensar de maneira cada vez mais abstrata. Hoje a música existe independentemente de discos ou CDs. E as notícias, independentemente de revistas ou jornais.


Creio que não é por outro motivo que, há décadas, o Japão é o epicentro da inovação em equipamentos eletrônicos e tecnologias digitais. Somente um povo com o pé fincado na tradição e plenamente consciente de sua própria fragilidade pode viver sem medo do novo. Esse é o universo mítico que, imagino, vou começar a decifrar.’


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 2 de outubro de 2006


ELEIÇÕES 2006
Editorial


Segundo turno


‘DIANTE DA reincidência do Partido dos Trabalhadores num desmando ético, quando faltavam 15 dias para o primeiro turno, o eleitor brasileiro decidiu estender a disputa pelo Planalto por mais quatro semanas. A uma velocidade acachapante, esboroou-se a margem de cerca de 12 milhões de votos que, segundo o Datafolha, Luiz Inácio Lula da Silva mantinha sobre o conjunto de seus adversários há duas semanas. Foi o suficiente para o presidente, por diferença estreita, ver frustrada sua expectativa de vitória no pleito de ontem.


As mais otimistas projeções de Geraldo Alckmin, que enfrentará o petista em 29 de outubro, foram superadas pelo resultado de ontem. O ex-governador não apenas conseguiu avançar para a votação decisiva, algo pouco provável há duas semanas, mas encerra o turno inicial em patamar próximo ao de seu adversário.


O mapa da votação deste domingo radicaliza a sensação de um país dividido. Dividido em classes de renda e escolaridade; dividido regionalmente; dividido politicamente. É vermelha (cor do PT) a mancha que vai de Minas ao Amazonas, passando pelo Nordeste. É azul (dos tucanos) o espectro que vai do Rio Grande do Sul, passa por São Paulo e abrange o Centro-Oeste.


Da mesma maneira, o eleitorado de menor renda apoiou francamente a reeleição do presidente da República; já as fatias com maior rendimento e escolaridade apoiaram de modo maciço o ex-governador paulista.


Do ponto de vista da análise política, a questão crucial passa a ser até onde vai o movimento que retirou apoio de Lula e o transferiu a Alckmin. Uma ‘fotografia’ parecida com a correlação de forças que acaba de sair da eleições foi revelada por pesquisas eleitorais no final do ano passado. Naquele momento, o acúmulo de escândalos na administração petista chegou a tirar de Lula a condição de favorito à reeleição, mas o presidente se recuperou. Resta saber se demonstrará resistência parecida agora.


Do ponto de vista institucional -sem embargo da legitimidade de uma eventual vitória de Lula ontem-, a deflagração do segundo turno traz vantagens. Há tempo para a elucidação total do chamado escândalo do dossiê, com a identificação dos sacadores e da origem do R$ 1,7 milhão usado por integrantes da campanha petista na tentativa de comprar informações contra adversários.


Há tempo, oportunidade e interesse dos dois políticos que estão na disputa final para empreender um debate franco e maduro sobre as prioridades de gestão. Ambos precisam superar as platitudes a que vêm se dedicando a título de exprimir seus ‘programas de governo’.


Há tempo para que as redes de apoio político em torno de Lula e de Alckmin se agreguem e se explicitem, facilitando a visualização dos blocos parlamentares na gestão que se iniciará em janeiro.


Ao longo das próximas quatro semanas, portanto, os mais de 125 milhões de brasileiros habilitados a votar terão a chance de aperfeiçoar bastante a sua decisão a respeito de quem os representará na Presidência até 2010.’


Kennedy Alencar e Pedro Dias Leite


Lula atribui revés a dossiê e falta no debate


‘Avaliando que foi um erro ter faltado ao debate da Rede Globo na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer que a Polícia Federal solucione o mais rápido possível a origem do dinheiro do dossiêgate. Ele e os principais ministros avaliaram que passar o segundo turno sangrando com o caso poderá resultar na vitória do candidato da aliança PSDB-PFL, Geraldo Alckmin.


Lula acompanhou o noticiário sobre a apuração com ministros e auxiliares no Palácio da Alvorada. Por volta das 22h de ontem à noite, o jornalista João Santana chegou perto do presidente e disse: ‘Não vai dar’. Lula ficou calado, segundo relato de auxiliares. Os ministros presentes começaram a tentar animá-lo, dizendo que a votação do primeiro turno havia sido expressiva e que ele vencerá na segunda rodada.


O candidato do PDT, Cristóvam Buarque, ligou para Lula para ‘mandar um abraço’, relatou à Folha um dos presentes. Surpresa da eleição, Jaques Wagner, que venceu a disputa baiana, telefonou para o presidente. Lula falou ainda com Marcelo Déda, eleito governador de Sergipe, o ex-ministro Olívio Dutra, que passou ao segundo turno no Rio Grande do Sul, e Aloizio Mercadante, derrotado em São Paulo.


Por volta das 21h15, auxiliares do presidente ainda acreditavam em vitória. Estrategistas da campanha falavam em uma dianteira de um milhão de votos, o que não se confirmou. Uma das mais entusiasmadas torcedoras era a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que repetia ‘não vai ter segundo turno, não vai ter’.


Além de Dilma, os ministros Tarso Genro (Relações Institucionais), Guido Mantega (Fazenda) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça), entre outros auxiliares, estavam no Alvorada.


Por volta de 23h30 os ministros que acompanhavam a apuração com o presidente começaram a deixar o Palácio e reconhecer que o triunfo esperado no primeiro turno não viria.


Genro se esquivou de apontar uma causa para a queda nos últimos dias. Questionado por que Lula não ganhou no primeiro turno, respondeu: ‘Não ganhou porque nós não chegamos a 50%’. Apesar do evidente desapontamento com mais 30 dias de campanha pela frente, o petista classificou de ‘extraordinário’ o resultado.


O esforço para tratar o resultado como vitória era evidente. O vice-presidente da República, José Alencar, também afirmou que Lula foi o ‘vitorioso’, uma vez que foi o candidato com o maior número de votos.


‘Faltaram alguns pontos percentuais, coisa de zero vírgula não sei o quê, para que ele tivesse ganho’, disse Alencar, que completou: ‘Lula só não ganhou no primeiro turno porque isso é bom para o Brasil’.


Mesmo com o discurso otimista, Alencar disse que nas últimas duas semanas Lula foi alvo de ‘maledicências’.


‘Acho que esta campanha teve um trabalho ligado à maledicência, maledicência contra o Lula, quando ele não tinha nada a ver com nenhuma dessas coisas que aconteceram.’


O vice disse que agora Lula vai a debates, mas que foi ‘voto vencido’ no primeiro turno, quando defendeu a ida do presidente às discussões, porque avaliava que ele ganharia. Para Alencar, não há dúvidas sobre o resultado do segundo turno. ‘Quem gosta do Brasil, gosta do Lula, porque o Lula é o Brasil.’


O ministro da Fazenda, Guido Mantega atribuiu o segundo turno à ‘questão do dossiê, que evidentemente atrapalhou um pouco’ e ‘à questão das fotos do dinheiro, que foram supervalorizadas pela imprensa’.’


Flávia Marreiro


Escândalo do dossiê seguirá sangrando Lula, diz analista


‘Decisivo no primeiro-turno, o escândalo do dossiê vai continuar sangrando a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva no embate com Geraldo Alckmin (PSDB) em 29 de outubro. ‘O estrago vai aumentando ao longo dos dias e o tema não tem data para sair da agenda, porque a investigação está em curso’, afirma o cientista político e professor da PUC de São Paulo Claudio Couto.


Um dos índices do alcance da crise, aponta Couto, é a votação expressiva de Guilherme Afif (PFL) para o Senado em São Paulo -43% dos votos válidos até o fechamento desta edição, quando as pesquisas de intenção de voto apontavam pouco mais de 30%, contra 53% de Eduardo Suplicy (PT), que foi eleito com 47% dos votos.


‘É surpreendente. O efeito é maior que se podia avaliar’, diz o professor da PUC, que enxerga no voto em Afif o aumento da rejeição ao PT.


O favoritismo de Lula, porém, não foi revertido, diz ele.’Mas tudo mostra que Alckmin entra no segundo turno com condições de criar muitos problemas para o presidente, principalmente se o crescimento dos últimos dias se confirma uma tendência.’


Os cientistas políticos Carlos Ranulfo e Fabiano Santos vêem, nas próximas semanas, poucas alterações do quadro atual. E lamentam: haverá acirramento de ânimos e o dossiê continuará monopolizando os holofotes, sem espaço para discussões programáticas. ‘Vai ser uma campanha muito pouco produtiva para o país’, afirma Santos.


Ranulfo diz que a única chance de Lula recuperar a agenda da campanha é que o caso, que ele considera ‘um tema da eleição paulista contrabandeado para a campanha nacional’, se resolva rápido. ‘Lula tem mais a ganhar com a resolução rápida do caso do dossiê’, diz ele, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).


O professor acredita que na campanha de segundo turno crescerá a importância dos programas de TV. ‘Programa na TV e debates vão ser decisivos. É tudo mais concentrado e há muitos Estados sem segundo turno. Tudo isso contribui para que o horário político vai assumir muita importância.’


Para Fabiano dos Santos, a estratégia do PT no segundo-turno deve combinar revide aos ataques da oposição com um ‘esclarecimento cabal do partido’ sobre o episódio, que tirou de Lula votos da classe média. ‘A classe média estava indecisa e com memória não muito positiva [do PT]. Ela se vê como pagadora de impostos e como não recebedora dos benefícios e a questão ética tem um peso muito grande.’


Passos tucanos


Se torce para que o PT não estanque a crise, o PSDB também terá de esforçar para mostrar que Alckmin tem um programa de governo consolidado e que ‘não é tão conservador assim’, analisa Couto. ‘Para se tornar realmente competitivo ele vai ter de atrair um eleitor de centro-esquerda, que pode votar no PT ou no PSDB, desde que o candidato tucano pareça mais confiável [para esse eleitorado]’, explica.


‘Alckmin explorou, e muito bem, todas as possibilidades do voto tucano. Só ir para o segundo turno já é um feito memorável. Agora, o desafio é conseguir, desesperadamente, os votos dos demais e lutar para tirar votos de Lula’, afirma Santos.


É mais provável que o tucano arrebanhe os votos de Cristovam Buarque (PDT) do que de Heloísa Helena (PSOL). ‘E se o eleitor de Heloísa resolve votar nulo, aí é vantagem para Lula’, afirma Claudio Couto.


Outro desafio para o tucano, diz Ranulfo, é administrar os problemas internos do PSDB.’Não vejo o PSDB com tanto entusiasmo com a campanha de Alckmin no segundo turno. O partido já tem dois candidatos a presidente em 2010. Se Alckmin ganha, vão ser três’, diz, em referência aos ‘presidenciáveis’ José Serra e a Aécio Neves.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


São Paulo leva


‘Entrou o ‘Fantástico’ e Glória Maria anunciou, no vaivém da escalada com Zeca Camargo:


– Boa noite. E que noite fantástica se anuncia. Vai terminar hoje ou vai ter segundo turno?


– Em alguns Estados a eleição já está decidida, mas para presidente está totalmente indefinida.


Nem tanto, mas seguem os apresentadores:


– A resposta virá nas próximas horas, na contagem voto a voto, que você vai acompanhar aqui.


Então, cerca de 20h30, ‘os votos apurados indicam segundo turno entre Lula e Alckmin’. Pouco depois de 21h e Alexandre Garcia avisa que ‘mais da metade do que falta está em SP’, onde o petista perde.


Mais meia hora de ‘Fantástico’ e, pela primeira vez, Lula cai na apuração -anunciada antes na internet e depois na Globo e outras. Daí para baixo. O programa fechou já com o petista abaixo dos 49%.


Na Folha Online, ‘SP leva ao segundo turno’.


VOLTA À CENA


A Record cobriu -até onde foi possível acompanhar, sozinha- o voto do ex-presidente Fernando Collor de Mello, eleito senador por Alagoas. Fez um registro curto, quase envergonhado, citando-o como o terceiro e último dos que ‘disputam o Senado’ no Estado -e casualmente dizendo que ele ‘espera nesta eleição voltar ao cenário política nacional’


SURPRESA


Alexandre Garcia, o comentarista político que restou à Globo, diante das incríveis pesquisas de boca-de-urna do Ibope, falou em ‘uma grande surpresa’ na Bahia. ‘Lá na Bahia se tinha Paulo Souto como reeleito, o maior cabo eleitoral dele é ACM’, comentou, ‘e Jaques Wagner está aparecendo aí como um candidato muito sério’.


JOGO SUJO


Na home page do ‘Washington Post’, ontem durante a tarde, foto de eleitores na fila para votar, no Rio de Janeiro, e o enunciado ‘Brasil vota em eleição definida por jogo sujo’. Logo abaixo, no título ainda da versão impressa, ‘Apoio dos pobres dá a vantagem de Lula’


‘EVAPORA’


O ‘Financial Times’ também trouxe foto em sua home, de um cartaz, mais o título ‘Lula enfrenta desafio de última hora nas pesquisas’. No texto, ‘sua liderança está evaporando’.


NÁUSEA


A exemplo de outros jornais pelo mundo, também o ‘New York Times’ chegou ao domingo com reportagens ainda trazendo Lula com mais chance, mas logo o site NYT.com reproduzia despachos de agências falando do impacto da ‘náusea pública’ com os escândalos seguidos, segundo a Reuters, e destacando que ‘as fotos do dinheiro espalhadas nas primeiras páginas’, segundo a AP.


No título da reportagem de Larry Rohter, ainda para a versão impressa, ‘Escândalo assombra eleição brasileira’.’


ECOS DA DITADURA
Mário Magalhães


Apostila contradiz coronel sobre prisão


‘Uma apostila do Exército com a rubrica ‘secreto’ contradiz relato apresentado à Justiça pelo coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra em processo no qual ele é acusado de tortura e seqüestro durante o regime militar. O processo foi noticiado pela Folha no último dia 10 de setembro.


O casal Maria Amélia de Almeida Teles e César Augusto Teles conta que foi preso em companhia de um terceiro militante de oposição à ditadura (1964-85), Carlos Nicolau Danielli. Ustra diz que Danielli -assassinado sob tortura, como hoje reconhece a União- foi detido dias depois. O documento do Exército dá razão ao casal.


A importância da apostila -por muitos anos mantida sob a guarda privada de um oficial do Exército- é que em um embate judicial no qual se opõe a palavra de cada lado há registro escrito sobre episódio controverso.


Maria Amélia, César e outros três integrantes da família dizem ter sido vítimas de tortura física e psicológica nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo em 1972 e 1973, época durante a qual Ustra comandava a unidade.


Os cinco são autores de uma ação declaratória que pede o reconhecimento de que houve danos morais e à integridade física. O processo corre na 23ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo. Até agora processos relativos a crimes contra os direitos humanos nos governos militares tinham o Estado como réu. A ação em curso visa pessoa física, como vem ocorrendo na Argentina, cujo regime militar foi de 1976 a 1983.


Prisão tripla


Ao contestar a denúncia, Ustra, 74, negou a versão de Maria Amélia e César sobre a prisão. O casal diz ter sido aprisionado em dezembro de 1972, quando estava na rua Loefgreen com seu correligionário Danielli, dirigente do então ilegal PC do B.


O casal narra que os três foram levados para o DOI-Codi, na rua Tutóia, onde foram torturados -Danielli até a morte, como confirmou a Comissão de Mortos e Desaparecidos criada por lei federal de 1995.


A contestação de Ustra à ação sustenta que César e Maria Amélia foram detidos no seu ‘aparelho’, como eram chamadas as casas dos ativistas clandestinos de oposição.


‘A prisão de Danielli ocorreu durante uma ‘cobertura de ponto’ [de encontro] entre ele e Maria Amélia, na rua Loefgreen, alguns dias depois da prisão de Maria Amélia e de seu marido’, afirma a defesa de Ustra. Ou seja: a militante teria levado os militares a Danielli.


A apostila do Exército instrui os membros do aparato de segurança para ações repressivas contra a esquerda armada. O documento não é assinado.


A página 204 reconstitui a prisão de Maria Amélia, César e Danielli juntos. Um militante do Rio teria fornecido a informação que levou a Danielli.


No item ‘c’ se escreve que Danielli ‘veio para o ‘ponto’ acompanhado de César Augusto Teles e de sua esposa Maria Amélia de Almeida Teles’. No item ‘e’: ‘Todos foram presos ao mesmo tempo’. A página seguinte traz um croqui, com a prisão do trio.


Processam Ustra, além do casal, seus filhos Janaína e Édson Teles e a irmã de Maria Amélia, Criméia de Almeida.


Com cinco (a menina) e quatro (o menino) anos de idade quando os pais e a tia foram presos, os irmãos ficaram dias no DOI-Codi. Lembram ter visto os pais deformados pela tortura. Criméia afirma ter sido torturada, embora estivesse grávida de sete meses.


A ação declaratória não implica indenização pecuniária ou punição criminal. Tem caráter mais simbólico e político. Ustra comandou o DOI-Codi de São Paulo de 1970 a 1974.’


***


Ustra diz que seu relato estava certo


‘O coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra disse, por intermédio do seu advogado, Paulo Esteves, que a sua versão dos acontecimentos de 1972 e 1973 está nos livros e textos que escreveu sobre a época.


No artigo ‘No Banco dos Réus?’, o militar reafirma o relato que ele apresentou à Justiça: o de que teria prendido Carlos Nicolau Danielli dias após deter o casal Almeida Teles.


Paulo Esteves afirma que, caso os fatos tenham se passado como narra o casal, não eram de conhecimento do militar.


Em sua contestação à ação declaratória, Ustra nega ter torturado os adultos e submetido as crianças a tortura psicológica. Na sua opinião, eventuais crimes (que ele nega) ocorridos há mais de três décadas não podem ser mais punidos. Para o coronel, a Lei de Anistia (1979) impediria uma sentença contrária a ele.


Em sua defesa, seus advogados sustentam que Ustra desconhecia violência física contra presos no DOI-Codi de São Paulo: ‘Quanto às descrições de tortura (…), o réu [Ustra] jamais permitiria semelhante ato’.’


IRÃ
Marie-Claude Decamps


Irã mantém imprensa sob pressão cerrada


‘DO ‘MONDE’, EM TEERÃ – Sobre um tabuleiro de xadrez, duas peças se enfrentam: um cavaleiro e um asno cercado de um halo de luz. Seria o caso de enxergar nesse desenho uma caricatura do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que, num discurso feito em 2005 na ONU, disse sentir-se envolto por uma ‘claridade luminosa’ divina? Não era evidente. Apesar disso, alguns dias atrás o organismo de fiscalização da imprensa iraniana fechou o jornal reformista ‘Shargh’ (Oriente) por ‘injúria’ a personalidade pública.


‘Não havia nada de político nisso. Mas eles precisavam de um pretexto!’, explica Mohammad Atrianfar, responsável pela linha editorial na direção do jornal. E acrescenta: ‘Não se pode nem mesmo afirmar que tenhamos ultrapassado a linha vermelha, já que o governo não fixou nenhuma. Isso lhe permite castigar quem ele quiser’.


Depois de três anos de existência e com mais de 120 mil exemplares vendidos por dia, o ‘Shargh’ se converteu na voz das elites reformadoras contra a imprensa governamental. O jornal negocia para tentar levantar a proibição, mas muitos temem o pior.


Já em agosto, uma carta das autoridades criticando os artigos ‘que incitam à desordem’ exigira a troca do diretor do jornal. ‘Há mais de um ano vínhamos sentindo que isso ia acontecer. Estamos acostumados. Jornalismo é profissão precária no Irã’, diz Leila Nassyria, percorrendo os corredores desertos da redação do ‘Shargh’, na zona norte de Teerã. Essa jovem de rosto obstinado sob o lenço de cabeça obrigatório deplora o fato de ser obrigada a parar de publicar sua seção da literatura estrangeira.


Em nove anos de jornalismo, Leila já trabalhou em sete organismos de imprensa, que foram sendo fechados um após o outro. ‘Alguns jornalistas não agüentam essa angústia e abandonam a profissão.’


Três revistas foram fechadas no mesmo dia que o ‘Shargh’. Em menos de dez anos, cem jornais desapareceram à força. Restam cerca de 40 jornais nacionais no Irã.


Lembrança


Novas publicações são lançadas, mas a liberdade de expressão que existia no início da Presidência reformadora de Mohammad Khatami, eleito em 1997, hoje é lembrança.


‘Os conservadores controlam tudo’, diz Mohammad Sadegh Janansefat, especialista em economia do jornal ‘Kargozaran’. ‘Conheço grandes anunciantes interessados, mas eles preferem não trabalhar conosco para não ficarem malvistos pelos conservadores.’


Uma ofensiva está em curso contra a TV via satélite (110 mil antenas parabólicas foram apreendidas em cinco meses), os blogs e os jornais online. O ministro da Cultura e das Mídias, Hossein Safar Harandi, anunciou a intenção de limitar as agências de notícias.


Será que se trata de um novo endurecimento em relação à mídia? ‘Nem chega a isso. É uma repressão indireta, apenas para que cada um tome o cuidado de se autocensurar’, ironiza Mehran Ghasseimi, encarregado da seção internacional do jornal ‘Etemad e Melli’, o mais recente jornal pequeno iraniano. Vendendo 70 mil exemplares diários, foi lançado há nove meses pelo partido homônimo, do reformista Mehdi Karoubi, ex-presidente do Parlamento.


‘Agora que o ‘Shargh’ foi fechado, somos nós que estamos na primeira linha de tiro’, constata esse jornalista de 29 anos que, em dez anos de carreira, já trabalhou em 17 jornais. Ghasseimi relata com humor a corrida diária de obstáculos que todo jornalista é obrigado a enfrentar: sobretudo não mencionar as leis islâmicas ao falar dos direitos humanos, não criticar a pena de morte e tratar com superficialidade e tato a questão nuclear.


É preciso tomar cuidado com os passos em falso: ‘Aqui, um fechamento temporário é por dez anos’, diz o jornalista. Em troca, o periódico falou da greve de fome do jornalista dissidente Akbar Ganji (libertado na primavera, depois de seis anos preso), questionou o papel do grupo Hizbollah no Líbano e criticou o governo.


E quando o tema é delicado demais? ‘A gente publica um despacho de agência de notícias, sem comentar.’


Charges


Resta o quebra-cabeças das charges, o pretexto mais fácil para uma publicação ser fechada. O ‘Kargozaran’ resolveu o problema deixando de publicar charges -são perigosas demais. Mas o ‘Etemad e Melli’ continua a brincar com fogo. Autor de duas caricaturas de Ahmadinejad -’com seu nariz proeminente e seus olhos pequenos, ele é tão fácil de desenhar!’-, em uma das quais o presidente fabrica um átomo com pedaços de plantas, o ilustrador Hadi Heidari, 29, diz que fica espantado por não ter sido preso.


Tradução de Clara Allain’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Globo adia TV digital para o final de 2007


‘Inicialmente previstas para junho deste ano, durante a Copa do Mundo, as primeiras transmissões de TV digital terrestre só deverão ocorrer no final de 2007. Essa é a mais nova previsão da TV Globo.


O problema agora é que o Ministério das Comunicações atrasou a divulgação do cronograma de implantação da TV digital. O documento foi prometido para 31 de agosto, mas só deve sair nesta ou na próxima semana. O cronograma estipulará que a primeira cidade a ter TV digital será São Paulo. Depois virão as demais capitais.


Além do cronograma, há uma série de especificações técnicas a serem definidas e discutidas com os japoneses, detentores da tecnologia. Sem esses parâmetros, a indústria não pode dar início à produção das caixas conversoras que terão de ser acopladas aos televisores.


Essas caixas, no melhor dos cenários, só devem chegar às lojas daqui a um ano.


‘Acredito que estaremos em condições de colocar o sinal [digital] no ar no segundo semestre do ano que vem’, diz Octavio Florisbal, diretor-geral da TV Globo. ‘Essa data dependerá da oferta das caixas conversoras pela indústria’, ressalva.


O executivo praticamente descarta a exibição em alta definição do Pan do Rio. Mesmo que já esteja com transmissor digital em SP em junho, quando ocorrerá o Pan, de nada adiantará exibir os jogos nessa tecnologia se não houver receptores.


CINDERELA MODERNA 1As roteiristas Jaqueline Vargas e Patricia Moretzsohn, que adaptaram o texto de ‘Floribela’, entregaram à Band a sinopse de uma novela infanto-juvenil. O projeto está em orçamento. Se vingar, poderá estrear já em março ou abril de 2007.


CINDERELA MODERNA 2Segundo um alto executivo da Band, a história mantém os mesmos elementos de ‘Floribela’: trama ingênua, com sonhos, música e amor impossível entre personagens que têm blogs e usam celular para a troca de mensagens _características que, espera a emissora, devem gerar receitas extras.


NOVIDADE O SBT resolveu fazer merchandising social em suas novelas. Fará campanha sobre o câncer de mama em ‘Cristal’.


TV INFAMEA Rede TV! resolveu criar um prêmio ‘TV Fama’ para quem se destaca na televisão. Mas ‘descobriu’ agora que poderá enfrentar rejeição. Devido à má fama do ‘TV Fama’, teme que os premiados não apareçam para receber seus troféus.


BALANÇO 1O horário eleitoral gratuito noturno teve uma audiência média de 40 pontos na Grande SP, do primeiro ao último programa, o que representa 2,2 milhões de domicílios.


BALANÇO 2Isso colocaria o propaganda política entre os cinco programas mais vistos da TV. Mas, na verdade, o que ocorreu foi um êxodo de telespectadores. Normalmente, as redes de TV somam quase 70 pontos entre as 20h30 e as 21h20.’


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