É cada vez mais marcante a presença, nas páginas dos suplementos de jornais e revistas juvenis, de temas que contribuem para a formação cidadã de seus leitores. A constatação é do Relatório A Mídia dos Jovens, divulgado no dia 20 de junho, em São Paulo. O lançamento aconteceu durante a Oficina de Interação entre Fontes e Jornalistas, evento que reuniu, por dois dias, profissionais de Mídia Jovem, especialistas de diversas áreas e jovens integrantes de projetos sociais de todo o País. O relatório foi produzido pela ANDI e Instituto Votorantim, com apoio do Unicef e do Instituto Ayrton Senna.
Durante a oficina, oito grupos de trabalho foram formados para discutir aspectos da prática jornalística voltada ao jovem e especificidades relativas aos temas de interesse desse público – muitos dos quais ainda se encontram longe das redações.
Cerca de cem pessoas participaram do evento. A abertura contou com a presença da presidente do Conselho da ANDI, Cenise Monte Vicente, do vice-presidente do Instituto Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes Filho, e do diretor-editor da ANDI, Veet Vivarta. Cenise lembrou a importância de garantir-se atenção prioritária à juventude, principalmente em uma sociedade na qual os jovens, em sua grande maioria, não contam com oportunidades concretas de desenvolvimento. Segundo ela, essa população está impedida de viver o ‘presente-futuro’, contexto que contradiz o sentido da própria palavra jovem, que significa ‘aquele que ainda tem muitas escolhas a fazer’.
Problemas que afetam diretamente a juventude, o papel da imprensa na reversão dessas questões e a atuação social do Instituto Votorantin foram temas abordados por Antônio Moraes Filho. Houve espaço para uma análise da grave situação de desemprego que atinge esse público.
Momentos não previstos no protocolo marcaram a cerimônia. Presente na platéia, a jornalista Âmbar de Barros, fundadora da ANDI e atual representante da Unesco em São Paulo, foi convidada a tomar a palavra. Em breve fala, Âmbar contou sobre as circunstâncias que levaram ao surgimento da ONG em 1991 e traçou uma perspectiva dos desafios enfrentados até os dias de hoje. Durante a tarde do primeiro dia, capacete da moto nas mãos e autoridade de quem ajudou a construir o presente perfil da Mídia Jovem brasileira, a jornalista Soninha Francine – hoje vereadora pelo PT em São Paulo passou o recado para os colegas: ‘É muito importante ampliar os enfoques das matérias, sempre há espaço para levar uma abordagem reflexiva e construtiva aos leitores.’
Com a apresentação do Relatório A Mídia dos Jovens pela coordenadora de Mídia Jovem da ANDI, Carina Paccola, os participantes puderam conhecer em primeira mão o Índice de Relevância Social relativo a cada veículo monitorado, com base nos textos publicados nos últimos três anos. Puderam ainda entender a metodologia utilizada na análise das publicações e esclarecer dúvidas sobre todo o processo de produção da pesquisa.
No debate, a equipe da ANDI teve a oportunidade de ouvir sugestões de aprimoramento da pesquisa dos atores sociais e jornalistas presentes. A ausência do tema Esporte na tabela de classificação – o que por sinal já havia sido incorporado no sistema de análise que vem sendo aplicado em 2005 – foi um dos pontos: ‘Compreendo que é difícil dizer o que pode ser não-relevante dentro do universo de juventude, mas senti falta desse tema na análise, uma vez que o Esporte é uma poderosa ferramenta de transformação social’, acrescentou o sociólogo Wagner Romão, de São Paulo.
Políticas Públicas
‘O cenário das juventudes brasileiras e o papel da mídia no agendamento de políticas públicas’ foi tema do debate que encerrou a manhã de abertura do evento e contou com a participação da secretária-adjunta da Secretaria Nacional de Juventude, Regina Novaes, e da estudante Ísis Lima Soares, 18 anos, integrante do Projeto Cala-Boca Já Morreu, de São Paulo.
Regina falou sobre os desafios do Plano Nacional de Juventude, que estabelece ações a serem desenvolvidas nos próximos dez anos para o atendimento aos interesses desse grupo etário. Segundo ela, três pontos podem ser considerados marcos geracionais da juventude atual: o primeiro – trazendo de volta o tema desemprego – é o ‘medo de sobrar’. ‘Quando havia o casamento da educação com o trabalho era possível planejar o futuro, o que já não acontece hoje’, destacou. O segundo marco é o ‘medo de morrer’ precocemente e de forma violenta; e o terceiro, o amplo acesso à informação, o que caracteriza os jovens como ‘conectados’. O Conselho Nacional de Políticas Públicas de Juventude também esteve em pauta: o grupo está sendo formado pelo governo a partir da indicação de pessoas de diferentes perfis, no entanto Regina reconhece ser difícil contemplar a todas as diversas vozes que hoje discutem a questão no País.
No debate, a voz dos jovens cobra presença na pauta e nos bastidores dos veículos. ‘A comunicação deve acontecer de uma forma que seja feita do jovem para o jovem. É necessário que esse grupo tenha cada vez mais acesso e direito à produção’, argumentou Ísis Soares. Ela apontou ainda a importância do conceito Educomunicação para os jornalistas de veículos infanto-juvenis, uma vez que seus produtos exercem forte influência junto a essas faixas-etárias. Ísis compartilhou sua experiência no Projeto Cala-Boca Já Morreu, do qual participa desde os 8 anos. A iniciativa promove oficinas de produção de mídia para crianças e adolescentes, fortalecendo uma perspectiva de mídia comunitária e de ‘veículos não pautados pelos valores do mercado’, que abram espaço neutro para o jovem se expressar.
A mídia em discussão
Como a Mídia Jovem pode ampliar a qualidade da cobertura de temas que dizem respeito à juventude, mas nem sempre encontram espaço nas publicações e programas dirigidos a esse público? Para responder a questão, jornalistas, especialistas e jovens foram colocados lado a lado, em oito grupos de trabalho. Assim, aqueles que acompanham de forma crítica o trabalho da mídia e muitas vezes são fontes de informação, o público alvo desses veículos e os próprios profissionais – que, por sinal nem sempre encontram na redação condições adequadas para uma atuação mais consciente – puderam trocar sugestões para o aprimoramento desse processo.
As discussões partiram da premissa de que não existe uma juventude homogênea, mas várias juventudes, com características diferentes, e que nem sempre essa diversidade está clara nas páginas dos jornais e revistas. Outro ponto comum foi a importância de ampliar a participação dos adolescentes na mídia, seja fazendo parte de um conselho editorial, seja sendo mais ouvidos nas matérias. A questão foi mais fortemente debatida no grupo Formas de Participação do Adolescente na Mídia Jovem, que sugeriu ainda a utilização da internet como canal de interação entre os jovens e os jornalistas, além da organização de núcleos de diálogo para a discussão de pautas específicas. ‘A participação do jovem na produção de mídia faz com que ele se aproprie de conceitos e práticas da comunicação e, mais ainda, com que ele entenda a mídia de uma forma reflexiva e crítica’, explica Carolina Lemos, 22 anos, integrante do Conselho Editorial da revista Viração.
A Formação Profissional do Jornalista de Mídia Jovem foi tema de outro grupo, que apontou a importância do comunicador ter clara consciência de que seu trabalho influencia na formação do seu público e, portanto, exige um conhecimento amplo de questões relacionadas à juventude. A sugestão é que o jornalista esteja sintonizado com esse universo, de uma forma que permita ir além de qualquer visão preconceituosa. É recomendável ainda conhecer um ‘pacote básico’ de legislações e documentos que compõem o sistema de garantias de direitos dos jovens.
Nesse sentido, o grupo Políticas Públicas e Metas do Milênio também sugeriu que o jornalista de Mídia Jovem esteja atento às recentes propostas de Políticas Públicas de Juventude apresentadas pelo Governo Federal e acompanhe a implementação dessas medidas. Além disso, a cobertura das PPJs e das Metas do Milênio deve utilizar uma linguagem acessível ao jovem e mostrar o quanto essas questões estão ligadas ao seu cotidiano. ‘É importante que a mídia fiscalize a implementação das PPJs, porém, mais importante ainda, é o jovem também participar desse monitoramento, para que ele vivencie e atue no sentido de buscar sua concretização’, afirma Francimara Carneiro, do Cedeca-CE.
Incentivo à participação juvenil
‘Não existe o ‘jovem modelo’ que a mídia insiste em construir ou o ‘jovem problema’. É preciso também sair da dicotomia ‘juventude alienada’ ou ‘juventude politizada’ e reconhecer que temos jovens que participam de formas diferentes, não apenas no âmbito político-partidário’, destacou o documento final do grupo que discutiu o tema Participação e Protagonismo Juvenil.
Já no debate sobre Diversidade: Gênero, Etnia, Desigualdade Social, Deficiência e Orientação Sexual, ficou claro que os jovens em situação de diversidade não se vêem representados na maior parte dos produtos da mídia, o que contribui para perpetuar a percepção distorcida sobre sua realidade. A consciência dessa diversidade deveria estar presente não apenas nas pautas específicas sobre gênero, homossexualidade ou outra questão específica, mas na cobertura de assuntos diversos. ‘Um jovem com deficiência não deveria aparecer na mídia apenas quando a matéria é sobre deficiência. Por que não ouvi-lo em pautas sobre novas tecnologias ou gravidez na adolescência?’, questiona Márcia de Souza Dias, da ONG Escola de Gente.
A cobertura sobre Drogas na Mídia Jovem foi tema de outro grupo, que reconheceu dificuldades na abordagem dos veículos. Como recomendação para o tratamento de questões tão polêmicas, destaca-se a priorização de informações com embasamento científico; a discussão sobre os conteúdos contraditórios da atual legislação, dos aspectos históricos e econômicos do uso de drogas, e dos avanços representados pelas atuais políticas de redução de danos. Devido à complexidade do assunto, uma boa estratégia – alertou o grupo – é aprofundar enfoques com a segmentação das mensagens para públicos específicos. A cobertura atual muitas vezes fica na superficialidade, sem contribuir para a formação de opinião.
Traçando um paralelo entre a quantidade e qualidade das matérias sobre emprego e o interesse dos jovens pelo assunto, o grupo Juventude e Trabalho chega à conclusão de que a Mídia Jovem pode contribuir de maneira mais efetiva para esse debate. Além de cumprir pautas que tratem da necessidade da qualificação e da formação para ingresso no mercado, os jornalistas precisam também mostrar que nem sempre os direitos trabalhistas são respeitados e que há segmentos da população que são discriminados por sua condição de etnia e gênero.
Outro grande desafio foi enfrentado pelo grupo Consumo e Padrões de Beleza na Mídia Jovem. Em sua conclusão, os participantes ressaltaram a importância de tratar o jovem como cidadão e não como mero consumidor. Entre as sugestões, estão a de produzir matérias que reforcem o respeito à diversidade e a auto-estima de pessoas que não se enquadram nos padrões ditados pela moda, além de um reposicionamento frente às pautas que envolvem o mundo da estética. Ao sugerir que suplementos e revistas aproveitem colunas de moda para explicitar temas culturalmente relevantes, Pedro Paulo Carneiro, da TVE, exemplifica com o caso da banda inglesa Oasis, cujos integrantes usaram seus paletós pelo avesso em um show. ‘Muitos passaram a se vestir daquela maneira, mas poucos sabiam que se tratava de uma manifestação contra a posição da Inglaterra em relação à guerra das Malvinas’, explicou.
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