Até um mês atrás, a imprensa vinha se dedicando a debater intensamente o comportamento do ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como a perscrutar suas possíveis intenções, pois que ele tinha tomado decisões jurisdicionais, segundo diz, de olhos voltados para a ‘governabilidade’ do país. Suas decisões passaram a ser questionadas diante de seu eventual interesse em voltar dentro em pouco à atividade político-partidária, de onde tinha saído em 1997, guindado ao STF enquanto era o ministro da Justiça.
Diante das notícias de que o ministro se aposentaria até o fim de março, para assumir candidatura político-partidária (o que ele por último vem negando), um grupo de juristas e integrantes de outros setores da sociedade, como a imprensa e a igreja católica, protocolou uma interpelação no STF – logo recusada pelo relator, ministro Joaquim Barbosa –, na qual pediam que o magistrado declarasse se concorreria ou não, hipótese em que apontavam a incompatibilidade de que o ministro continuasse na função jurisdicional, pois o caso poderia envolver crime de responsabilidade.
Tendo em vista que, talvez por falta de receptividade de seu nome na chapa dos presidenciáveis, o ministro Nelson Jobim posteriormente passou a negar que tivesse interesse em disputar eventual indicação, a imprensa pareceu desinteressar-se da questão: se ele vai se aposentar, mas não é mais possível candidato a vice-presidente ou a presidente da República, deixou de ser notícia.
Capa mágica
Na verdade, porém, o problema persiste e vai bem além da questão imediata da candidatura ou não do futuro ex-ministro Nelson Jobim. Causa um certo desapontamento que a imprensa só se interesse pelo problema enquanto ele é notícia de impacto. É que, atrás desse problema imediato, existem outros, tão ou até mais importantes.
O verdadeiro problema começa pelos critérios de escolha dos ministros do STF. Se este tribunal é mais que mera corte judiciária e constitui uma corte constitucional, pois diz em última instância a vontade da Lei Fundamental, deveria então ser composto por representantes, com mandato, dos três Poderes, mais um representante da Ordem dos Advogados do Brasil e outro do Ministério Público, e não por pessoas apenas da confiança do governante e dos seus aliados (o presidente da República e senadores da maioria).
O problema passa pelas nomeações para o STF de quem esteja ocupando cargos de procurador-geral da República, de advogado-geral da União, de ministros de Estado, de chefes de gabinete, de líderes do governo no Congresso Nacional, de parentes etc.
Por último, o problema envolve a ética que permite que um membro do Judiciário ou do Ministério Público possa exonerar-se hoje e começar campanha político-partidária amanhã, sem um prazo mínimo de desincompatibilização… como se a toga fosse uma capa mágica que, uma vez vestida, torna a pessoa imparcial, e, desvestida, de imediato restaura o homem de partido de antes…
Os vetos
Ora, a Constituição veda a atividade político-partidária aos membros do Judiciário (arts. 95, parágrafo único, III) e do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, e, cf. Emenda n. 45/04), ressalva feita apenas aos membros do Ministério Público admitidos antes de 5 de outubro de 1988 (art. 29, § 3º, ADCT). A finalidade é assegurar maior independência diante dos interesses que apreciam, inclusive na Justiça Eleitoral. A atividade político-partidária leva a aproximações, composições, compromissos e envolvimentos com grupos, facções ou setores econômicos e políticos, sendo inconciliável com a necessária isenção para as questões submetidas a julgamento.
Ao juiz ou ao membro do Ministério Público, como cidadão, não se proíbe tenha opinião político-partidária. Mas é incompatível que se filie a partidos políticos, pertença a órgãos de direção partidária, exerça qualquer ação direta em favor de um partido, ou participe de campanhas político-partidárias. Deve ainda se abster de fundar partido político ou de praticar qualquer ato de propaganda ou de adesão pública a programas de qualquer corrente ou partido político, bem como se abster de promover ou participar de desfiles, passeatas, comícios e reuniões político-partidárias, ou de exercer ou até mesmo concorrer aos cargos eletivos correspondentes, pois para tanto não se dispensa a militância político-partidária.
É-lhe vedada a própria suplência de cargo político eletivo (membro do Legislativo ou Executivo), pois é a ela inerente a atuação político-partidária, tanto que a aceitação do cargo de juiz ou de membro do Ministério Público significa renúncia tácita à suplência. Mesmo o registro de candidatura é inequívoco exercício de atividade político-partidária, até porque, para tanto, é imprescindível prova de filiação partidária. Já o exercício de funções administrativas como secretário de município ou de estado, ministro de Estado, chefe de gabinete ou assessor de autoridades administrativas, tudo isso é vedado ao juiz ou promotor por se tratar de indevido exercício de outra função pública (Constituição, arts. 95 e 128).
Credibilidade em xeque
Assim como os predicamentos da Magistratura e do Ministério Público, também as vedações são garantias para o correto e isento exercício das relevantes funções cometidas a seus membros. Longe estão de representar diminuição à cidadania, como alguns procuram incorretamente vê-las, para tentar depreciá-las e contorná-las. Em face da tradição social e cultural do país, o exercício de atividade político-partidária por parte de membros da Magistratura e do Ministério Público não se justifica, porque absorve, desvia e desprofissionaliza seus agentes.
Quando assumem posturas político-partidárias, aproximam-se demasiadamente de tendências e grupos políticos, inviabilizando a atuação isenta. A atividade político-partidária, a disputa de indicações para integrar chapas políticas ou para concorrer a cargos eletivos e o financiamento de campanhas levam a compromissos político-partidários e mesmo a aproximações, no mínimo delicadas, com grupos econômicos. E até mesmo antes de formalizar a candidatura, normalmente o membro da instituição já começa a comportar-se em função de eventuais interesses eleitorais.
As vinculações político-partidárias incluem compromissos e esquemas do poder econômico e político dos quais dificilmente se desvencilha o membro da Magistratura ou do Ministério Público, que pode comprometer, e não raro compromete efetivamente, sua independência funcional, ou, quando não, ao menos concorre para desmerecer a credibilidade de sua atuação.
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Advogado, ex-integrante do Ministério Público de São Paulo, autor de Regime jurídico do Ministério Público (Ed. Saraiva, 5ª ed., 2001) e outros livros jurídicos; (http://paginas.terra.com.br/servicos/hmazzilli/)