A questão ambiental está na ordem do dia. As mudanças climáticas previstas para as próximas décadas assustam até aos mais céticos. Elevação no nível do mar, verões escaldantes, invernos mais rigorosos deixaram de ser profecias de ‘cientistas malucos’ e entraram na agenda de discussões dos principais líderes mundiais. Da dona de casa ao empresário, todos passaram a ter seu papel na preservação do meio ambiente questionado. A torneira precisa jorrar água continuamente enquanto lava-se a louça? Qual a quantidade de gases poluentes que a produção de determinado produto libera na natureza? A edição do Observatório da Imprensa da TVBrasil de terça-feira (14/07), excepcionalmente gravado, discutiu o papel da mídia na criação de uma consciência ambiental.
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o cenário do debate. Alberto Dines entrevistou três jornalistas ligados à questão ambiental. Paula Saldanha, diretora e apresentadora do programa Expedições, exibido pela TVBrasil, tem cerca de trinta anos de experiência no setor e foi a criadora do primeiro programa de meio ambiente exibido pela televisão brasileira, o ‘Globinho Repórter’, na década de 80. André Trigueiro, apresentador do ‘Jornal das Dez’ e do programa ‘Cidades e Soluções’, da Globonews, tem pós-graduação em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental na PUC-Rio. Sérgio Abranches, cientista político e analista de risco político, é um dos diretores do site ‘O Eco’. É comentarista e colunista da rádio CBN sobre eco-política, a relação entre desenvolvimento econômico e sócio-ambiental, com ênfase na mudança climática e no desenvolvimento da Amazônia.
O longo caminho da criação de uma consciência
Dines pediu para os convidados comentarem o panorama da consciência ecológica nacional, considerada deficitária pelo apresentador do programa. Paula Saldanha relembrou que no tempo de seus avós, chaminé soltando fumaça e desmatamento eram considerados mostras de progresso da nação. Anos depois, quando estreou o programa ‘Globinho Repórter’ e passou a abordar as grandes questões ambientais, os brasileiros ainda não conheciam a palavra ecologia, já empregada na Europa e nos Estados Unidos desde 1972. Procuravam no dicionário e não encontravam o significado do termo. Para Paula, é necessário ‘tirar a ciência da prateleira’ e exibir na televisão para o grande público.
‘A consciência ecológica já foi incorporada ao discurso – à retórica – no setor público, no setor privado, nas religiões e ONGs’, avaliou André Trigueiro. A dificuldade maior é provocar uma mudança cultural, alterações de hábitos e padrões de consumo. ‘As mídias hoje estão muito mais atentas e sensíveis a este tema do que estiveram em um passado recente, mas ainda estão aquém do que podem ser’, observou. O jornalismo deve incorporar o olhar sistêmico, interligado. E a mudança precisa ser detectada pelos cidadãos: ‘A gente deve perceber no jornalismo um olhar preciso sobre a realidade que nos cerca. Isso não se resolve por decreto’, disse.
O problema da segmentação
Na análise de Sérgio Abranches, o noticiário das mídias eletrônicas e impressa apresenta informações sobre a questão ambiental de forma regular, mas a segmentação da cobertura prejudica o noticiário. ‘Ainda não há o aprendizado de fazer a pergunta que faz o link, que faz o elo’, criticou o cientista político. Se em um leilão de energia só foi licenciada uma termoelétrica a carvão, o setorista que cobre o evento não questiona o uso de formas alternativas de energia, como a eólica. Deixa de fazer perguntas óbvias porque está focado na questão do investimento nas formas de energia convencionais. É possível que os jornalistas mudem de postura, só é preciso ‘caminhar para isso’.
Alguns fatores impulsionaram a criação de uma consciência ambiental no Brasil na opinião de Paula Saldanha. Em 1988, a transmissão dos debates da Assembléia Nacional Constituinte e a promulgação da Constituição Federal, considerada pela jornalista como uma das mais avançadas do mundo no capítulo dedicado à preservação, começaram a difundir o assunto. Quatro anos depois, com a conferência internacional Rio-92, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para debater a ligação entre meio ambiente e desenvolvimento, o tema popularizou-se. Nesta época, a mídia começou a criar espaços específicos para a cobertura ambiental.
Dines questionou se já há uma mudança na retórica, se o cidadão comum começa a pensar ecologicamente. Paula explicou que algumas populações rurais e tradicionais apresentam soluções inovadoras e preocupam-se com a preservação do meio ambiente. Nas grandes cidades, a população está conectada com a mídia e tenta acertar. ‘Mas o consumismo tem um apelo muito grande e isto não está funcionando’, lamentou.
Consumo: um ato político
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 83% dos brasileiros vivem em cidades. Para André Trigueiro, o consumo que tem origem na cidade é a alavanca do processo de degradação do meio ambiente. Neste sentido, é preciso entender o consumo como um ato político. A população das grandes cidades é a maior responsável pelo consumo de madeira ilegal e de carne de gado que utiliza mão de obra escrava no processo de produção. Todas as esferas da sociedade devem participar deste processo, não apenas o cidadão comum. Trigueiro citou como exemplo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é acionista dos quatro frigoríficos que foram apontados pelo Ministério Público do Pará como aqueles que fomentam a exploração insustentável de gado no estado.
Para fazer com que a preocupação com o meio ambiente chegue ao cidadão, na avaliação de Sério Abranches, é preciso que a imprensa exponha a origem dos produtos e que a questão ambiental chegue ao sistema político. É preciso ter regras claras e respeito à Lei. ‘Tudo isso que nós estamos discutindo sobre a Amazônia é sob o manto da absoluta impunidade e da total ilegalidade. E evidentemente não existe ilegalidade e impunidade nesta escala sem conivência, cumplicidade e corrupção. Nós estamos falando das falhas da democracia brasileira’, disse.
Dines comentou o fato de que pessoas que se intitulam ‘ambientalistas’ no dia a dia cometem atos que prejudicam o meio ambiente, como utilizar carros com tração nas quatro rodas, movidos a diesel, nas grandes cidades. E há interesses comerciais das empresas de comunicação envolvidos. Os jornais precisam vender anúncios destes carros pouco ecológicos. ‘Aonde há competição entre mídias não pode haver rabo preso’, observou André Trigueiro. O jornalista criticou a forma como se organiza a informação sobre a questão ambiental. ‘Respeito as opiniões contrárias, mas sou contra a existência de uma editoria de Meio Ambiente. Ela é mais uma gaveta na mobília. Se a gente está falando de visão sistêmica, precisamos ter todas as editorias entendendo o que é sustentabilidade’, disse.
Ciência ainda é tabu
Os jornalistas precisam ter curiosidade pela área de Ciências, uma vez que a informação, em grande parte, emerge da comunidade acadêmica. A Ciência continua sendo um assunto que por princípio é um tabu, muitos consideram um tema ‘erudito’. ‘Você consegue tornar a Ciência um assunto muito apetitoso e interessante vinculando estas informações à qualidade de vida’, avaliou André Trigueiro. A existência de um ministério com a bandeira ambiental é outro fator prejudicial. ‘Enquanto tivermos na Esplanada dos Ministérios um ministério do Meio Ambiente, é sinal de que nós não estamos fazendo gestão pública comprometida com sustentabilidade’, avaliou.
‘Para que isto tudo funcione é preciso que se tenha um Estado minimamente regulador’, observou Dines. Trigueiro comentou o exemplo da água doce e limpa que chega à casa dos brasileiros. Por um lado, jovens começam a exigir dos pais e responsáveis a economia deste recurso natural. Mas o poder público não faz a sua parte. A cultura de não medir o consumo individualmente é uma injustiça fiscal. O custo de tratamento e transporte da água é altíssimo. Lava-se a calçada com mangueira porque o custo do dano ambiental não está embutido no preço da água.
‘É preciso ter o preço adequado das emissões de carbono que vão embutidas em todas as ações que nós fazemos’, alertou Sérgio Abranches. O preço deve ser estabelecido pelo mercado, mas se isto não ocorre, a regulação é legítima. É necessário um imposto regulatório. Enquanto o petróleo ficaria mais caro, formas alternativas de energia teriam um preço mais acessível. ‘A regulação tem que ir lá e dizer o seguinte: ‘este preço está baixo demais por causa dos danos que causa ao conjunto da sociedade’ ‘. Estados Unidos e Europa já caminham neste sentido.
A imprensa pode melhorar?
‘Sou otimista e realista. Há uma mudança em curso, uma mudança cultural. Me preocupa, enquanto profissional de comunicação, que a gente se esmere tanto no discurso, na retórica, e enquanto jornalistas não sejamos tão capazes ou dispostos a perceber a fraude no discurso’, avaliou André Trigueiro. É preciso denunciar ‘quem fala uma coisa e faz outra’, completa. ‘O jornalismo que não incomoda não é o jornalismo verdadeiro. O jornalismo ambiental, por vício de origem, tem que incomodar muito. Ao poder econômico, ao poder político e a quem tem as vestes nupciais para transitar no céu do ambientalismo e não é digno disto’.
O jornalista é um arauto da população para Paula Saldanha. Deve ouvir todos os segmentos da sociedade, checar as informações, atualizar-se e colocar-se como um prestador de serviços para a comunidade. ‘Como o jornalista pode fazer isto se ele fica quietinho, dentro da sua redação e não levanta aspectos polêmicos que vão servir à população agora e ao futuro da nação? Eu me considero como uma operária do meu trabalho. Vou até os lugares mais distantes do país para dar voz a estas comunidades que não conseguem chegar a uma televisão ou a um grande jornal e mostrar o que está errado’, disse.
Sérgio Abranches é otimista. Acredita que a sociedade está vivendo uma revolução e ainda não conseguiu perceber a revolução no dia a dia. O mundo está mudando radicalmente por causa da ameaça climática, mas ao mesmo tempo está havendo uma mudança de comportamento, de atitude. ‘O século XXI vai ser muito diferente daqui para frente, a mudança vai se acelerar. E a imprensa também está vivendo uma enorme revolução. A criação da internet, a mídia social, o Twitter, o blog, isto tudo está mexendo com a imprensa. Ela tem que incorporar isso tudo’. A imprensa tem que continuar ‘fazendo o seu trabalho’, com suas regras e métodos. É papel da imprensa separar o rumor e a fofoca da informação fidedigna, acredita Abranches.