Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mídia se comporta bem na crise aérea

O sistema de transporte aéreo brasileiro está em colapso. Há 10 meses a situação se agravou com a queda do Boeing da Gol, após o choque com o jato Legacy, no Mato Grosso. Na época, os principais vilões foram os controladores de vôo. No caso do acidente com o Aribus da TAM, há três suspeitas principais que podem ter levado o avião que fazia o vôo 3054 a colidir com um prédio e matar quase 200 pessoas, em São Paulo: a pista de Congonhas, uma falha humana, ou um defeito na aeronave. Seja qual for o responsável, é preciso enxergar que as deficiências estão presentes em diversos setores da aviação – e não é de agora. O programa Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (24/07) discutiu as razões da crise e a tragédia no vôo da TAM.


No editorial, o apresentador Alberto Dines lembrou que o saldo de mortos nos acidentes que envolveram o Boeing da Gol e o Airbus da TAM é de 350 pessoas. Para ele, essas tragédias não estão separadas do colapso que se formou, como quer a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). O jornalista elogiou a cobertura da mídia no caso da TAM e criticou a omissão do Executivo.


Participaram do programa a colunista da Folha de S. Paulo, Eliane Cantanhêde, em Brasília; o diretor de telejornalismo da TV RBS e da TV Com, Raul Costa Júnior, de Porto Alegre; o diretor de conteúdo do iG, Caíque Severo, em São Paulo; e, no Rio de Janeiro, o escritor Ivan Sant’Anna.


Acidente e crise aérea


Apenas 10 meses após o acidente com o Boeing da Gol, um novo desastre, agora com um Airbus TAM, em São Paulo. A falta de estrutura do setor aéreo brasileiro já prenunciava a segunda tragédia. O acidente aconteceu na noite do dia 17 de julho, quando o Airbus que saiu de Porto Alegre aterrissou em Congonhas, atravessou a pista em alta velocidade, passou pela avenida Washington Luís e colidiu com um prédio da própria TAM. Em seguida, houve uma grande explosão.


A mídia paulista mostrou agilidade e logo boletins extraordinários foram mostrados pelas emissoras de rádio e TV. As imagens eram muito fortes: pessoas tentavam escapar do fogo se jogando do prédio. Houve um verdadeiro caos porque nenhuma das informações era precisa e conseguia diagnosticar a gravidade do acidente. Os próprios sites de notícia da internet pediram a colaboração dos internautas com notícias, fotos e imagens do local do acidente.


A mídia também acompanhou o descaso com as famílias das vítimas – três horas após o acidente muitas pessoas ainda buscavam informações sobre o que havia acontecido. Quando começaram a ser divulgados os nomes das vítimas, os parentes entraram em choque. Essas imagens comoveram o país. Passado o primeiro momento, a imprensa saiu à procura dos motivos da tragédia e as investigações iniciais apontaram para três causas: a pista de Congonhas, mesmo após a reforma, ainda não ofereceria segurança em dias de chuva; uma falha humana; ou um defeito que teria impedido o avião de frear.


Dois dias depois, uma denúncia feita pelo Jornal Nacional  revelou que um dos reversos da aeronave não estava funcionando. Diante da notícia, o assessor da presidência Marco Aurélio Garcia, flagrado assistindo ao noticiário no Palácio do Planalto, reagiu à informação com gestos obscenos. Para ele, o governo teria sido vítima da imprensa, que estaria interessada em culpar o Executivo pelo acidente. Questionado sobre o gesto, porém, Garcia pediu desculpas e justificou que aquela teria sido uma reação à pressão da mídia.


‘A cobertura tem sido extremamente eficiente, principalmente porque os jornalistas têm cumprido seu papel e procurando todos os especialistas e todas as tendências para falar. Ou seja, estão dando um volume de informações importantes para que a população possa tirar suas próprias conclusões’, avaliou em entrevista gravada o jornalista Heródoto Barbeiro, da rádio CBN e TV Cultura.


O governo só se manifestou três dias após a tragédia. Em um pronunciamento de rádio e TV, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou um pacote de medidas para reduzir o tráfego aéreo de Congonhas e redistribuir rotas. As promessas de melhoria, porém, chegam tarde. Atrasos e cancelamentos de vôos, aeroportos superlotados, longas filas de espera, nervosismo e falta de informação: essa é a realidade do transporte aéreo brasileiro há dez meses.


O avião da Gol que se chocou com o Legacy na serra do Cachimbo, no Mato Grosso, detonou a crise. O então ministro da Defesa, Waldir Pires, se apressou em culpar os pilotos americanos pela tragédia, mas as investigações da mídia mostraram que havia mais responsáveis. Os pilotos e controladores de vôos denunciaram falhas nos radares e falta de condições de trabalho, o que expôs as dificuldades do setor aéreo do país. Depois disso, começou uma briga entre controladores de vôo, Aeronáutica e governo. Funcionários do setor reagiram com greve e motins e acabaram punidos com prisões. Enquanto isso, os passageiros estiveram condenados a passar horas e horas em aeroportos.


O Observatório na TV debateu o assunto em dezembro de 2006 e mostrou que a mídia demorou em investigar as razôes do caos aéreo. Houve pedidos de desculpa e gafes por parte do governo. A mais marcante delas foi o conselho que a ministra do Turismo, Marta Suplicy, deu aos passageiros diante da crise: ‘relaxar e gozar’. Nesse contexto, os passageiros são os maiores prejudicados: as companhias aéreas não conseguem prestar o serviço que vendem e o governo não consegue fiscalizar e ordenar o setor. O acidente com Airbus da TAM gerou mais um ciclo nessa crise, cujo último capítulo foi um deslizamento de terra na cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas, na segunda-feira (23/7).


Testemunho de um colapso


Alberto Dines abriu o programa com duas observações: a primeira, lembrando que no último dia 17 o OI na TV não foi transmitido pela TV Cultura em virtude da cobertura do acidente da TAM que a emissora paulista fazia, e que essas imagens não puderam ser transmitidas pelo programa porque a Rede Pública ainda não está entrosada. A segunda observação dizia respeito à situação do próprio apresentador, que nos últimos 10 meses não foi um mero observador do caos, mas uma testemunha da crise. ‘Sobre desastres aéreos eu não entendo, mas sobre o caos que se transforma em colapso, eu sou testemunha porque demorei 24 horas para vir de São Paulo para Rio (para apresentar o programa)’, explicou Dines, que só conseguiu chegar à cidade de ônibus.


Dines informou que a cúpula da Aeronáutica havia se reunido naquele dia e que o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), declarou que o inquérito da FAB sobre o acidente da Gol foi entregue, por pressão do governo, à Polícia Federal, contrariando normas internacionais. O apresentador perguntou para Eliane Cantanhêde – que escreveu diversas matérias sobre a crise aérea – como ela avaliava essa decisão.


A jornalista da Folha disse que esse assunto é muito complicado porque no mundo inteiro, em casos de acidente, há uma investigação prévia dos técnicos da Aeronáutica sobre suas causas. Esta não tem a função de punir ninguém, mas de descobrir o que aconteceu e evitar que aconteça novamente. ‘Aqui no Brasil houve uma inversão. A Polícia Federal antecipou resultados, o Congresso antecipou resultados antes mesmo dos especialistas falarem’, comentou. Eliane contou que estava na coletiva em que o brigadeiro fez essas declarações e que ele havia dito que a legislação brasileira obriga que os dados oficiais da investigação da Aeronáutica sejam passados para outros órgãos. ‘Acho que de certa forma ele tem razão. Os técnicos têm que concluir seu trabalho para depois entrar a Polícia Federal.’


Comportamento exemplar da mídia


Ivan Sant’Anna escreveu o livro Caixa preta: três desastres que entraram para a história da aviação brasileira e trabalha no programa Linha Direta. Dines pediu que ele avaliasse o comportamento da mídia ao longo dos 10 meses que separam as duas tragédias. O escritor comentou que ‘essas duas tragédias foram cercadas de grande mistério’ e não foi fácil de definir o que aconteceu, mas que ‘o comportamento da mídia foi quase que exemplar’. Para ele, existe a sensação de que essa tragédia foi uma seqüência de eventos aeronáuticos e erros administrativos, que somados levaram a essa situação.


Raul Costa Júnior coordenou a cobertura do acidente com o vôo 3054 na TV RBS e TV Com. Dines lembrou que se emocionou duas vezes diante de transmissões televisivas: no 11 de Setembro e no acidente da TAM. ‘Qual foi a reação a esse grito de dor que você reproduziu, montou, e que vocês apresentaram ao Brasil?’, perguntou.


O jornalista contou que foi uma das transmissões mais difíceis de sua vida. ‘Pela primeira vi pessoas chorando na redação’, disse, lembrando que ‘foi muito difícil administrar o grupo’. Raul lembrou que naquele dia estava no aeroporto para viajar para o Rio e foi informado pela redação que havia acontecido um grave acidente. Depois disso, começou a investigar o que aconteceu no próprio aeroporto, mas ainda não tinha noção da proporção do fato. Raul disse que cancelou sua viagem e voltou para redação.


Às 22h, nem a Infraero nem a TAM informavam nada e ele recebeu imagens ‘que pessoalmente me revoltaram’, conforme seu testemunho: ‘Chamaram a polícia de choque para cima dos parentes e passageiros’. Raul lembrou que neste momento resolveu colocar uma repórter experiente para cobrir a falta de informação no aeroporto porque sabia que ‘seria um momento difícil, envolvendo a emoção das pessoas’. Ele disse que não havia informação alguma e por isso o desespero era tremendo. O jornalista contou que retiraram os parentes dos passageiros do aeroporto, ‘levaram para um hotel e os deixaram fechados, sem acesso a rádio e internet’.


Noticiário burocrático e sem força


Dines comentou que as últimas informações divulgadas pela imprensa sobre o colapso aéreo têm sido burocráticas porque alguns jornalistas têm transmitido apenas estatísticas oficiais da Infraero, ‘sem o calor e força da imagem que a RBS e a Globo apresentaram’. O apresentador perguntou para o diretor de conteúdo do site IG se a internet conseguirá evitar esse tom burocrático. Caíque Severo afirmou que a internet pode contribuir com algumas ferramentas para quebrar com essas barreiras, uma delas é a participação dos leitores e usuários. Como a internet consegue inserir esse conteúdo de maneira imediata, é possível multiplicar os pontos de vista.


No segundo bloco, Dines lembrou o debate sobre os controladores e as dificuldades que alguns vôos ainda encontram para aterrissar em determinados aeroportos e perguntou a Eliane como anda essa questão. A colunista analisou que o grande marco desta história foi o dia 29 de setembro, quando caiu o avião da Gol. Até então, havia uma média histórica de 15% de atrasos e 12% de cancelamentos de vôos. Depois disso, esses índices se multiplicaram. ‘É claro que tem uma participação humana nessa crise toda’, avaliou a jornalista. ‘O fato é que o governo não teve comando, não teve gestão, não teve administração e não soube substituir os agentes dessa tragédia toda para impedir que a crise se aprofundasse e traumatizasse os agentes do setor, e não dá para dizer que a nova queda da TAM não tenha nada a ver com isso, pode não ter no detalhe, mas com certeza é efeito de toda uma bagunça por falta de gestão.’


Dines recordou que já teve aulas de pilotagem no passado e que boa parte da sua aprendizagem girava em torno de simulações de possíveis imprevistos para treinar a reação. E perguntou para Ivan, que também foi piloto, se a técnica de simulação, de prever acidentes, não poderia se inserir melhor no aparato aeronáutico. O escritor opinou que os aviões são dirigidos por profissionais, mas a aviação está sendo dirigida por amadores. Disse também que o caos se formou por causa do gerenciamento amador da aviação.


O apresentador do OI na TV afirmou que as cenas transmitidas pela RBS dos familiares em desespero eram antológicas. E indagou Raul se o governo se comoveu com as cenas apresentadas. O diretor de jornalismo das emissoras gaúchas respondeu que a falta de uma política de informações impressiona: ‘Faltou respeito aos cidadãos. Nos trataram de uma forma absurda. Chegou ao cúmulo de algumas pessoas dizerem para parentes que se eles falassem com repórteres, não teriam informações sobre seu parente’, disse. Raul contou que a única coisa que eles desejavam era uma lista de quem fez check in, já que a situação era de pânico na cidade porque ninguém sabia quem havia, de fato, embarcado. Raul comentou ainda que os repórteres foram maltratados e a Infraero e a TAM não ajudaram em nenhum momento.


O apresentador disse que Raul tocou numa questão fundamental: a gestão de crise. Apesar da referência ter sido às companhias e aos governos, Dines questionou Caíque: ‘Nós, os jornalistas, estamos preparados para administrar as crises?’. Caíque avaliou que ainda há muito para melhorar nesse sentido, principalmente na internet, que trabalha com muitos profissionais novos. Ele disse ainda que a perspectiva das pessoas que estavam em Porto Alegre era diferente das de São Paulo: ‘Por ser um lugar menor, gera uma comoção social maior’. E observou que nesses momentos é preciso estar preparado para informar ambos os leitores.


Durante o terceiro bloco, a apresentadora leu a participação por telefone de um piloto da aviação civil que pedia a digitalização do controle do tráfego aéreo e também que o governo encare a situação como um problema real. Ele avaliou que, se nada for feito, corre-se o risco de discutir uma nova tragédia daquia a mais 10 meses.


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Mídia, crise aérea e o desastre TAM


Alberto Dines #  editorial do programa Observatório da Imprensa na TV, exibido em 24/7/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Inicialmente chamava-se crise aérea. Esta crise cresceu, cresceu e converteu-se em caos. E ontem, segunda-feira (23/7), este caos assumiu-se como colapso. Nas duas pontas desta sucessão de dramáticos substantivos temos duas tragédias: a do Boeing da Gol e a do Airbus da TAM. Com dez meses de diferença, o sacrifício de cerca de 350 vítimas.


As autoridades, como a diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Denise Abreu, insistem em separar o colapso do transporte aéreo das duas tragédias. A ANAC, como sempre, está errada: entre as causas da tragédia com o avião da Gol, além do transponder desligado no jatinho Legacy, estão as falhas no tráfego aéreo e os pontos cegos no espaço aéreo da Amazônia. E, na terça-feira passada (17/7), pouco antes do fatídico pouso do Airbus da TAM, havia um grande congestionamento aéreo em Congonhas, porque todos os aviões que se dirigiam ao Santos Dumont estavam sendo remanejados para o Galeão, por conta de um incêndio numa lanchonete no Santos Dumont.


Não foi este incêndio no Rio que provocou a catástrofe em São Paulo, mas o colapso já estava delineado.


Dever e omissão


E a mídia? No desastre da Gol, entre o primeiro e segundo turno das eleições presidenciais, a mídia foi acusada de fazer o jogo da oposição. Acusação injusta: a mídia foi na onda do ministro Waldir Pires que, desde os primeiros momentos, tentou jogar a culpa nos pilotos americanos. E na última quinta-feira (19/7), flagrado numa manifestação incompatível com o seu cargo, o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia tentou explicar o gesto como uma revolta contra a cobertura da mídia.


Ora, se a notícia do Jornal Nacional, que tanto agradou o assessor do presidente, livrava o governo de culpas, sua denúncia contra a imprensa é, no mínimo, impertinente, descabida.


A verdade é que, no vácuo de informações e providências que se seguiu à catástrofe da terça-feira passada, a imprensa cumpriu imediatamente com todos os seus deveres. Os demais poderes omitiram-se. Principalmente o Executivo.


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Em tempo: O programa Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (24/7), na reportagem que habitualmente precede o debate, incluiu algumas cenas tomadas em seguida à explosão do Airbus da TAM, quando a aeronave chocou-se com o depósito da empresa, na semana passada.


Na qualidade de editor-responsável do programa, e sabendo que a equipe de reportagem da TV Cultura fizera uma esmerada cobertura in loco (razão pela qual o OI na TV não foi exibido no fatídico dia 17/7 na Cultura), fiz questão de exibir alguns segundos daquela dramática reportagem. Cheguei até a comentar no ar a força daquelas imagens. Infelizmente não sabia da determinação da direção da TV Cultura em não exibir certas cenas.


A responsabilidade pela exibição indevida é minha. Peço desculpas, mas a intenção foi a melhor possível: valorizar o trabalho de uma emissora que hospeda nosso programa há quase uma década. Infelizmente, veiculamos imagens que a Cultura não pretendia liberar. (A.D.)