‘A imprensa européia, ao contrário do que aconteceu com a mídia norte-americana no momento da invasão do Iraque, em 2003, não se engajou em uma guerra santa após os atentados terroristas em Madri e em Londres.’
A afirmação é da jornalista e parlamentar espanhola Pilar Rahola, especialista em relações Ocidente-Oriente. ‘Não consigo imaginar como é que a divulgação de informações possa prejudicar um Estado democrático’, disse Pilar ao Observatório, durante visita a São Paulo, na terceira semana de agosto. Para ela, ‘os recentes atentados terroristas colocaram a Europa democrática diante de um grande desafio: combinar a segurança à convivência com as diferenças, incluindo aí as comunidades de imigrantes’.
Ex-vice-prefeita de Barcelona, ela foi deputada ao Parlamento espanhol e ao Parlamento Europeu pelo partido Izquierda Republicana Catalana. Uma das mais conhecidas jornalistas da Espanha, é articulista dos jornais El País, El Periódico e Avui (em catalão), e apresenta um programa de entrevistas na TV. Cobriu a guerra entre Etiópia e Eritréia, a guerra dos Bálcãs, a queda do Muro de Berlim, o ataque ao Parlamento russo e o processo de independência dos países bálticos. É doutora em Filologia Hispânica e Catalã pela Universidade de Barcelona e publicou, entre outros livros, Carta ao meu filho adotado, Mujer liberada, hombre cabreado e História de Ada – Los derechos pisoteados de los niños.
A seguir, sua entrevista.
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Em 2003, quando os EUA invadiram o Iraque, a Casa Branca pediu à mídia que aderisse à causa, evitando reproduzir informações que pudessem prejudicar o esforço de guerra. A sra. vê isso acontecer também na Europa, depois dos atentados terroristas?
Pilar Rahola – De jeito nenhum. Fiquei muito surpresa com a atitude da mídia norte-americana que, tradicionalmente, é livre. O grande desafio que o terrorismo moderno coloca para a Europa democrática é a combinação entre segurança e tolerância. Não consigo imaginar como a divulgação de informações pode ser prejudicial a um Estado democrático. Só posso atribuir isso à comoção gerada nos EUA, após a destruição das Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Sem dúvida o país era um antes dos ataques e outro, depois. Isso não aconteceu na Europa. Muito pelo contrário: a liberdade de imprensa foi fundamental para revelar a mentira do então primeiro-ministro espanhol José Maria Aznar, que, depois das bombas em Madri e às vésperas de eleições, tentou aproveitar a comoção popular para obter mais votos, acusando o grupo separatista basco ETA. Quando se mostrou a verdade, Aznar, que era o favorito nas pesquisas, foi culpado pela opinião pública e terminou perdendo as eleições.
Qual foi o efeito dos atentados terroristas na Espanha e na Grã-Bretanha sobre o relacionamento entre as populações locais e as comunidades de imigrantes?
P.R. – Creio que houve reações diferentes de país para país. Na Espanha, por exemplo, onde o fenômeno da imigração estrangeira é relativamente recente, acredito que a opinião pública consegue separar bem os terroristas dos grupos de imigrantes estrangeiros e tem claro que a convivência é um bem supremo. Na Inglaterra as coisas são mais complicadas: os atentados talvez tenham feito detonar mecanismos antigos de preconceito.
Um rapaz brasileiro foi assassinado pela polícia de Londres, que o confundiu com um terrorista. A sra. acredita que estamos assistindo a um fenômeno de demonização dos estrangeiros?
P.R. – Uma das conseqüências do terrorismo é a paranóia coletiva, que atinge até mesmo aqueles que deveriam manter a calma a qualquer custo. O terrorismo provoca mudanças no comportamento individual e coletivo, que devem ser combatidas. No caso do rapaz brasileiro em Londres, o que houve foi uma execução e os policiais responsáveis devem ser levados a julgamento.
A sra. acredita que vêm fazendo sucesso as tentativas de lideranças islâmicas européias, de diferenciar-se dos grupos terroristas?
P.R. – Sem dúvida começam a ser feitos alguns esforços, com o objetivo de evitar represálias às comunidades de imigrantes. Veja-se o caso da França, onde as populações muçulmanas sofreram bastante quando jornalistas franceses haviam sido seqüestrados no Iraque. Mas é preciso dizer que nenhuma grande personalidade muçulmana da Europa condenou com veemência as ações terroristas. Seja por medo, por conivência ou mesmo por simpatia. A única exceção foi o escritor Salman Rushdie, até porque ele foi vítima do integrismo islâmico, ao ver-se condenado à morte por um tribunal religioso.
Acredita, então, que as ações terroristas têm um certo apoio entre as comunidades muçulmanas européias?
P.R. – Não estamos tratando com uma forma usual de terrorismo. A al-Qaeda, de Osama bin Laden, não é uma organização centralizada e sim uma espécie de franquia, à qual aderem grupos muito diferentes de país a país, unidos principalmente pela hostilidade aos EUA e a Israel. Há simpatia pelos extremistas em certos bolsões; já se sabe que algumas mesquitas são verdadeiros centros de doutrinação e recrutamento do terror. Mas também se espalha a consciência de que o totalitarismo de vários Estados islâmicos é prejudicial às populações. É preciso, agora, que as lideranças muçulmanas combatam abertamente os terroristas.
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Jornalista