Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Mídia se deixa manipular e apanha

 

José Serra usou novamente o ataque à imprensa (já o fizera em outras campanhas) como arma para se defender de estocadas adversárias. Em entrevistas à rádio CBN e ao portal UOL, acusou os repórteres de facciosismo ao ser questionado a respeito da distribuição pela Secretaria Municipal de Educação, quando era prefeito, de material orientador para discussões sobre preconceito, entre eles a homofobia.

Esse tópico emergiu por iniciativa de seus adversários petistas, como antídoto contra os ataques que a campanha de Serra fizera ao “kit gay” produzido, mas não distribuído, na gestão de Fernando Haddad no Ministério da Educação.

O assunto foi comentado por Renato Janine Ribeiro no Facebook:

“Ninguém pode me acusar, salvo se for mentiroso, de prevenção contra José Serra. Defendi antes do 1º turno o voto nele, caso fosse o finalista contra Russomanno. Mas sua entrevista à CBN é espantosa. Não responde às perguntas. Desqualifica o jornalista, chamando-o de petista, quando quem lê a Folha sabe que não pode chamar assim a Kennedy Alencar. Com isso, foge da pergunta. Usa a palavra ‘PT’ como palavrão, o que não é argumento. Provavelmente, com isso, perde eleitores que estejam indecisos e que vejam méritos e deméritos dos dois lados. Mas não importa, na discussão ética, se assim ele ganha ou perde votos. Importa que nada justifica lidar com a res publica com tanto desrespeito ao outro. (…)”

Pelo menos três aspectos merecem atenção, nesse caso.

Primeiro,  pessoas que lutaram pela redemocratização, como tucanos (não todos) e petistas (idem), hoje não hesitam em atacar de modo não republicano a mídia jornalística.

Todo assunto comporta discussão. A veemência é uma escolha do debatedor. Mas apontar ou insinuar segundas intenções é golpe baixo. Se o assunto está na mesa, cabe ao jornalista suscitá-lo. Questionar esse direito é questionar o exercício do papel da imprensa em regime democrático. É um ataque, mesmo sem recurso a leis de exceção, intimidações, perseguições, assassinatos.

Manipulações

Segundo, jornais e jornalistas precisam lutar o tempo todo contra manipulações. O modo de funcionamento da imprensa, a cada etapa de sua trajetória, é deslindado por pessoas suficientemente espertas – ou inteligentes, vá lá – para usar esse conhecimento a seu favor, mas contra a verdade (cognoscível) dos fatos. Quando estava ainda em seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso explicou em livro-entrevista a Roberto Pompeu de Toledo o modus operandi dos plantadores de notas. Pouca coisa mudou desde então.

Terceiro,  jornal tem posição, sim, em cada centímetro do que publica. Admita-se que a preocupação com o “kit gay” reflita o modo de pensar de uma parcela da população. (A denominação deveria ser rejeitada, mas oferece a jornalistas a conveniência de ser curta, o que talvez tenha sido malandramente percebido por seus criadores.) Isso pode justificar que se pondere a validade da pauta (não necessariamente que essa pauta se imponha). Mas não é disso que se trata.

A rejeição ao material anti-homofóbico do Ministério da Educação (sem entrar no mérito de sua concepção e de sua qualidade editorial) foi feita para desqualificar o tema, a necessidade de combater, no terreno educativo, discriminações e preconceitos. Essa foi a démarche de igrejas protestantes e da igreja católica.

Trevas ou luzes

É uma pregação reacionária, embora congruente com o papel que as igrejas têm. A mídia, em relação a essa faceta, precisa decidir se cede espaço a trevas ou se se pretende filha das luzes.

Muito pior, entretanto, é a exploração eleitoral do tema, mediante a qual os partidos (melhor dito, as coligações) praticam a mais deslavada manipulação, que só prospera porque a mídia lhe dá espaço.

Se as redações tivessem um pouco mais de juízo, pensando no presente e no futuro do país, e não tanto em “vender jornal”, desqualificariam a pauta, ou a reduziriam ao ridículo, bastando para isso ouvir pessoas capazes de desmontar argumentações medievalescas (e hipócritas, em tantos casos).

Padres e pastores continuariam usando seus púlpitos e sua mídia para pregar o atraso, mas ele não entraria na corrente sanguínea do “grande debate público”, instância por excelência das repúblicas democráticas.