[Este texto constitui reprodução tão precisa quanto possível – estou baseado apenas na memória – da intervenção que fiz no painel ‘Imprensa e Poder Judiciário’, em evento realizado pela Federação Latino-Americana de Magistrados (Flam), em 16/4/04, na Escola da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris).]
Tenho observado que em todos os encontros como esse, entre representantes da imprensa e da magistratura, os porta-vozes da mídia têm insistido e reiterado em um ponto: as condenações cíveis dos órgãos de comunicação social (cujos montantes seriam excessivamente altos) estariam levando as empresas jornalísticas ao risco de falência. Isso seria uma censura e, portanto, um atentado à democracia. Logo, seria necessário que a nova Lei de Imprensa estabelecesse um teto às indenizações, evitando a chamada ‘indústria do dano moral’.
Diante disso, resolvi estudar a matéria. E descobri duas coisas:
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a primeira é que não é observado qualquer teto na legislação de imprensa de nenhum país do mundo;**
a segunda é que, para a normalidade dos casos, o Superior Tribunal de Justiça – última instância, no Brasil, para o julgamento desse tipo de processos – estabeleceu o que seria um ‘teto judicial’, de 300 salários mínimos.Então, a primeira pergunta é: será que condenações de empresas jornalísticas de 300 salários mínimos (no máximo, para a normalidade dos casos que vão a julgamento pelo STJ) seriam capazes de comprometer a democracia da República brasileira?
Resolvi, então, ler Rui Barbosa para ver como era a situação 100 anos atrás, no início do século passado. Pois bem.
De 15 para sete
No texto ‘A imprensa e o dever da verdade’, publicado em 1920, Rui Barbosa diz: ‘A imprensa é a vista da nação’. Mais adiante, porém, Rui Barbosa aponta para os riscos de uma imprensa que recebe dinheiro, a título de publicidade, do governo, asseverando: ‘Não há, para qualquer sociedade, maior desgraça que a de uma imprensa deteriorada, servilizada, ou mercantilizada.’
Passaram-se 84 anos, e o que nós vemos?
No auge da crise gerada pelas denúncias envolvendo Waldomiro Diniz, com o governo enredado em graves suspeitas de corrupção, o BNDES, por pressão das empresas jornalísticas, faz a estas um empréstimo de 15 bilhões de reais!
Esse fato não compromete mais a democracia brasileira do que a condenação das empresas jornalísticas ao pagamento de 300 salários mínimos por dano moral? (Ou seja: a quem sofrer ataques a sua honra e privacidade?).
Resolvi, então, estudar mais.
E constatei que, apesar de a Constituição Brasileira proibir a formação de monopólios e oligopólios na área da comunicação social, afirma José Paulo Cavalcanti Filho, no livro ‘Informação e poder’, que 90% dos meios de comunicação de massa são controladas por sete conglomerados econômicos, leia-se sete – e aqui estou repetindo, textualmente, o que diz o autor – ‘famílias’, que ele cita quais são, mas que eu não vou citar…
Retroajo, então, há quase 500 anos.
E percebo que, no sistema das capitanias hereditárias, a divisão do poder era mais democrática que hoje, no Terceiro Milênio. Pois, na época das capitanias hereditárias, o poder se dividia entre 15; agora, se divide entre sete…
Isso não compromete a democracia brasileira?
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Juiz de Direito da Vara de Falências e Concordatas de Porto Alegre, 45 anos