Na novela em que se transformou a implementação da audiodescrição, o Ministério das Comunicações adicionou mais um capítulo: abriu pela quarta vez uma consulta pública sobre o recurso que permite a inclusão de pessoas com deficiência visual em cinema, teatro e programas de televisão. Dessa vez, a consulta é para mudar a definição de audiodescrição e, mais uma vez, retardar o início da sua implementação na TV. Além disso, a nova proposta posta em consulta pelo Ministério diminui as horas de programação acessível em relação ao que estava previsto na primeira versão da norma. Depois do prazo de 11 anos, as emissoras terão de oferecer 24 horas semanais de conteúdo audiodescrito. Na versão original, em 10 anos, as TVs teriam de ter 100% da programação acessível.
‘A minuta também propõe desobrigar a audiodescrição na TV analógica. Com isso, o Ministério obriga as pessoas com deficiência a adquirirem televisores digitais que, pelos padrões de renda brasileiros, estão com preços proibitivos para 90% da população’, denuncia Paulo Romeu Filho, deficiente visual, analista de sistemas que assessorou a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) na definição da norma sobre acessibilidade. Participante de vários grupos de discussão na internet específico de pessoas com deficiência, Paulo relata que a indignação nestes espaços é geral. ‘Não é possível que, depois de tantas consultas, audiências, reuniões técnicas, o Ministério ainda precise de dois meses para receber novas contribuições. Só podemos pensar que se trata de uma protelação para empurrar o assunto com a barriga até março do próximo ano, para que algum técnico sem força política que assumirá o Ministério cumpra a tabela até o final do mandato do presidente Lula e fique com o mico.’
Consulta ‘inútil’
Em reportagem publicada em 3 de novembro, o Observatório registrou o descontentamento de pessoas com deficiência e militantes pela inclusão com a falta de vontade por parte do governo que, além de não cobrar que as TVs cumpram o regulamento, segue protelando a vigência total da portaria que estabelece as regras para a acessibilidade na televisão. A indignação ainda era alimentada pelo fato de que a última consulta realizada pelo Ministério – depois de ter ampliado por duas vezes o prazo para adaptação das empresas aos requisitos da audiodescrição – não era acessível a pessoas com deficiência visual, impossibilitando que esse grupo interessado pudesse se manifestar via web. Esta consulta foi encerrada no dia 28 de outubro.
Em 2005, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou uma norma de acessibilidade na TV que informava como fazer legendas para as pessoas surdas e a audiodescrição para as pessoas cegas. A Norma Complementar 1/2006 tornou a audiodescrição obrigatória na TV. Ao fim do prazo de dois anos previstos por esta norma para a implementação do recurso, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) manifestaram-se ao Ministério dizendo que não teriam tempo para implantar a tecnologia.
Assim, o Minicom deu novo prazo de 30 dias, que depois foi estendido por outros 90. Ao fim deste prazo, o Ministério colocou o texto da norma pela segunda vez em consulta pública sem acessibilidade para pessoas com deficiência visual. À época, em entrevista a este Observatório, Paulo Romeu classificou a nova consulta como ‘totalmente inútil’.
Nova proposta é mais limitada
Segundo o site do Ministério das Comunicações, a portaria publicada pelo Diário Oficial da União de sexta-feira (27/11), coloca em consulta a minuta de uma nova portaria que altera o texto da norma sobre audiodescrição. O subitem 3.3 passa a definir audiodescrição como ‘a narração, em língua portuguesa, integrada ao som original da obra audiovisual, contendo descrições de sons e elementos visuais e quaisquer informações adicionais que sejam relevantes para possibilitar a melhor compreensão desta por pessoas com deficiência visual e intelectual’.
Já o item 7 aponta os prazos para que a audiodescrição entre em vigor, propondo um cronograma no qual as emissoras que já estão transmitindo em sistema digital têm 12 meses, a partir de 1º de julho de 2010, para começar a fazer a audiodescrição. Inicialmente, pela proposta, as emissoras teriam que transmitir no mínimo duas horas semanais de programação audiodescrita. Esse tempo vai aumentando gradativamente, até a obrigação de transmitir 24 horas semanais de conteúdo audiodescrito no prazo de 11 anos.
As emissoras que ainda não transmitem em sinal digital terão o mesmo prazo para adaptação, mas este será contado a partir da autorização para operação no novo sistema.
Na proposta original da Portaria 310/2006, a veiculação inicial seria de duas horas diárias, no mínimo, depois de vinte e quatro meses ou dois anos de carência, para preparação das emissoras. A acessibilidade aumentaria gradualmente e, ao fim de 10 anos, a programação seria 100% acessível. Comparativamente, a nova proposta é bem mais limitada, já que ao final de 11 anos a quantidade satisfatória de programação acessível é de 24 horas semanais. Essa medida vai contra os interesses de 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual total e parcial.
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Da equipe do Observatório do Direito à Comunicação