Na sexta-feira (16/5), o Diário da Justiça Eletrônico publicou decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) pela concessão de habeas corpus em favor do ex-deputado distrital Pedro Passos (PMDB), preso em maio de 2007 durante a Operação Navalha, da Polícia Federal, que investigava fraudes em licitações públicas lideradas pela Construtora Gautama – empresa de Zuleido Veras, acusado de ser um dos organizadores do esquema de desvios de verbas públicas estimados em 150 milhões de reais. O inquérito da PF instruiu denúncia do Ministério Público Federal contra 61 pessoas envolvidas nas fraudes, e o ex-deputado não está entre elas.
A decisão pelo habeas corpus foi unânime e sua publicação teria sido apenas mais um ato formal da Justiça não fosse a intervenção do ministro Gilmar Mendes, atual presidente do STF e relator do processo, logo após exarado o seu voto (ver íntegra aqui, em PDF).
Mendes reclamou do vazamento de fatos sigilosos da Operação Navalha para a imprensa e lembrou o fato de seu nome ter sido mencionado indevidamente entre os destinatários das benesses distribuídas pela Gautama. ‘Até agora, não tenho ciência de quaisquer medidas tomadas pelas autoridades competentes para apurar eventual responsabilidade penal e disciplinar no caso’, disse o ministro. ‘Repito que tais providências não dependem de representação ou de requisição, mas devem ser efetuadas de ofício.’
Investigação nenhuma
Em seu voto (ver a partir da página sob o nº 715 do PDF), Gilmar Mendes desmonta o parecer da subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques, que atribui ao ex-deputado Pedro Passos ‘crime de quadrilha, na modalidade de organização criminosa’ e sustenta a necessidade de sua prisão em flagrante. Em seguida, o ministro faz ‘algumas ponderações acerca das circunstâncias peculiares que envolveram a tramitação’ do mandado de segurança (ver a partir da página sob o nº 725 do PDF).
Conta que em torno das 13h30 da sexta-feira, 18 de maio de 2007, recebeu, no Rio de Janeiro, telefonema do procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza a respeito da Operação Navalha, cujo inquérito estava no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Souza informou que a ministra-relatora Eliana Calmon ‘pretendia revogar as prisões tão logo realizada a audiência dos investigados’. Em seguida, Mendes embarcou para São Paulo e, ao chegar, foi alcançado por telefonema de uma repórter da Folha de S.Paulo, que lhe indagou sobre a conversa com o procurador-geral. A jornalista comentou ainda que suas fontes na Polícia Federal informaram que Mendes iria libertar todos os presos da Operação Navalha. Gilmar Mendes ligou para o procurador-geral e este garantir não ter feito qualquer comentário sobre o diálogo de ambos, ocorrido no início da tarde.
Diz Mendes, dirigindo-se a seus pares: ‘Fica então a indagação, Sr. Presidente: estávamos, o Procurador-Geral da República e eu, a ser monitorados por essas tais `fontes´?’.
No dia seguinte (sábado, 19 de maio de 2007), nota do site Conversa Afiada sob o título ‘Uma explicação para um HC inexplicável’ citava ‘alta fonte da Polícia (Republicana) Federal’ para informar sobre gravações de conversas telefônicas envolvendo o nome ‘Gilmar Mendes’ nos malfeitos da Construtora Gautama revelados pela Operação Navalha.
Na segunda-feira (21/5/2007), o ministro do STF constatou que o nome ‘Gilmar Mendes’ constava da lista de beneficiados da Construtora Gautama divulgada pela Polícia Federal. Na quarta-feira (23), foi indagado por repórteres da Rede Bandeirantes e da Folha a respeito de um informe da PF no qual o nome ‘Gilmar Mendes’ aparecia como beneficiário de ‘mimos e brindes’ da construtora. Naquele mesmo dia, o atual presidente do STF concedeu entrevista coletiva na qual afirmou que ‘parecia estar em gestação no Brasil um modelo de Estado policial’.
Disse Mendes em sua intervenção perante a Segunda Turma do STF:
‘Não me surpreendi com a informação, pois transcrições de escutas telefônicas envolvendo o engenheiro Gilmar de Melo Mendes, ex-secretário da Fazenda do Estado de Sergipe, constavam da decisão mediante a qual foi decretada a prisão cautelar no Inquérito nº 544/BA, em curso no STJ, e dos autos do HC 91.386/BA. (…) Surpreendeu-me, sim, Sr. Presidente, a torpeza da atitude daqueles que divulgaram essas informações, conscientes de que se cuidava de manipulação dolosa de um lamentável caso de homonímia. (…) Sr. Presidente, creio que não exagero e não inovo ao afirmar que quem inventa ou adultera lista de mimos e a divulga é capaz de fabricar provas. (…) É inquestionável que as autoridades policiais conheciam perfeitamente a identidade do suposto envolvido com a empresa Gautama. No entanto, em nenhum momento esclareceram a artificial homonímia nem corrigiram a pérfida supressão do nome do meio do ex-Secretário de Estado de Sergipe’.
Ao fim da sessão, foi acolhida proposta do ministro Cezar Peluso para que a íntegra da intervenção de Gilmar Mendes fosse encaminhada ao procurador-geral da República. Certamente terá lugar em qualquer lista que se produza sobre vazamentos mal-intencionados, daqueles que a imprensa engole sem investigar.
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Ver aqui a íntegra do documento, em PDF.