Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mordaça ameaça promotor em Alagoas

Conforme disse no Caderno da Cidadania deste Observatório, edição de 22/2, nos últimos cinco anos a imprensa brasileira vem sendo varrida por sucessivas ondas de censura prévia, que têm com epicentro o Poder Judiciário. Desembargadores e juízes têm-se esmerado em encontrar ‘atalhos’ para ferir a Constituição em vigor no que diz respeito ao seu Artigo 5º, que trata das liberdades individuais e coletivas, ao atenderem pedidos estapafúrdios de pessoas investigadas pela polícia e pelo Ministério Público e que não pretendem ver seus nomes publicados pelos jornais ou mencionados em programas jornalísticos de rádio ou televisão.

Como se não bastasse o tsumani autoritário contra a imprensa, os censores togados investem agora contra o Ministério Público que, para quem não sabe, é uma instituição com autonomia funcional e administrativa que tem entre suas responsabilidades fiscalizar o cumprimento das leis e defender a ordem jurídica, o regime democrático, a moralidade pública, os direitos sociais e individuais da população, agindo com advogado do povo e protegendo o patrimônio público e social, além do meio ambiente e os índios, tendo ainda poder constitucional para pedir abertura de inquéritos e exercer o controle externo da atividade policial.

Mas parece que tudo isso não foi levado em conta por seis dos nove desembargadores que compuseram o Pleno do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ) que, em 22/2 resolveu aceitar a denúncia de crime de calúnia contra o promotor de justiça estadual Marcus Mousinho, movida por João Lyra, usineiro e deputado federal pelo PTB de Alagoas.

Lyra sentiu-se ofendido porque o promotor informou (em processo que apura crime de homicídio) que havia indícios de que ele (Lyra) pudesse ser o mandante, solicitando ao juiz do caso que remetesse o processo ao procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, já que, na condição de deputado federal, Lyra tem direito a fôro privilegiado.

Indícios suficientes

Marcus Mousinho investiga o assassinato do tributarista Silvio Vianna, ocorrido em 28 de outubro de 1996, caso que ganhou repercussão nacional. Vianna, à época diretor de arrecadação tributária da Secretaria Estadual da Fazenda, movia campanha moralizadora para tentar cobrar impostos dos empresários do açúcar, praticamente isentados do pagamento de tributos pelo ex-governador Fernando Collor de Mello, pelo ‘acordo dos usineiros’ (1988-89), e que acabou quebrando a economia alagoana. Gratos pelos favores de Collor, os usineiros despejaram caminhões de dinheiro na campanha que levou o sócio de PC Farias à presidência da República, em 1989.

Em 28 de fevereiro de 1996, dia do funcionário público, feriado nas repartições, Silvio Vianna foi descansar em seu sítio de Ipioca, povoado litorâneo 28 quilômetros ao norte de Maceió. Por volta das 18h, quando regressava de carro à capital, o ‘xerife da arrecadação’ (apelido pelo qual era conhecido em Alagoas) foi emboscado por pistoleiros e fuzilado com nove tiros.

Em fevereiro de 2004, dois de seus assassinos foram condenados a 19 e 18 anos de cadeia. Mas o mandante ficou impune, já que ainda não se conseguira identificá-lo. Porém, o promotor Marcus Mousinho entendeu que havia indícios suficientes para que a suposta participação de João Lyra como mandante do crime fosse investigada pela Procuradoria-Geral da República, fato que revoltou o deputado-usineiro, que resolveu processá-lo.

Julgamento ‘monstruoso’

A aceitação da denúncia contra o promotor provocou uma enxurrada de protestos em Alagoas. O procurador-geral de Justiça, Coaracy Fonseca, disse que ao aceitar a abertura de processo contra Mousinho o Tribunal de Justiça abriu grave precedente, ‘já que foi feita apenas uma referência de um fato contido nos autos’. Ele informou que vai aguardar apenas a publicação do acórdão do TJ para interpor a medida judicial cabível ou recurso de natureza excepcional.

Ainda segundo Coaracy, essa decisão do TJ ‘afronta o estado democrático de direito e a independência funcional do Ministério Público, já que é inadmissível que seu representante seja processado por exercer as suas funções constitucionais’. Logo que soube da decisão do Pleno do TJ em processar o representante do MP, o advogado Everaldo Patriota, que defendeu Mousinho, desabafou: ‘Ai dessa democracia se um promotor, um advogado ou um magistrado não puder se manifestar sobre fatos que estão nos autos’, afirmando que o promotor agiu dentro do estrito cumprimento do dever legal.

Já o desembargador José Fernando de Lima Souza que, juntamente com os colegas Antonio Sapucaí e Elizabeth Carvalho, votou contra o recebimento da denúncia, classificou o resultado do julgamento como ‘monstruoso’. A Representação da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em Alagoas também se declarou solidária ao promotor Marcus Mousinho. ‘A imprensa e o Ministério Público não podem continuar vítimas da mordaça’, disse o jornalista Oswaldo Leitão, representante da entidade.

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Jornalista e historiador