Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

MP investiga contrato do governo de SP com Editora Abril

Na sexta-feira (24/4) de uma semana curta, imprensada pelo feriado, recebi esta boa notícia: um alento para aqueles que vêm fazendo a crítica à chegada das mídias na escola de maneira desregulada, sob o discurso da modernidade e via um projeto político-ideológico distante de dar conta do ideal de discussão de um projeto pedagógico.


O Ministério Público Estadual de São Paulo acolheu a representação do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e dos deputados estaduais do PSOL Carlos Giannazi e Raul Marcelo, e abriu o Inquérito Civil nº 249/2009 para apurar irregularidades no contrato firmado, sem licitação, entre a Secretaria Estadual de Educação e a Fundação Victor Civita – do Grupo Abril. O contrato trata da aquisição de 220 mil assinaturas anuais da revista Nova Escola, no valor de R$ 3,7 milhões.


Conforme ponderei em artigo publicado neste Observatório, o caso das revistas do Grupo Abril é apenas um dos episódios que demonstram que é preciso pensar – e já – no modo com que queremos que as mídias cheguem às escolas, especialmente às escolas da rede pública.


Discurso deslocado


O inquérito aberto pelo MPE de São Paulo carrega um potencial: o de abrir um precedente para o debate público sobre a entrada das mídias na escola, quem as regula e quem decide sobre elas. Por isso, temos que gritar este caso aos quatro cantos, mobilizar para que ele seja público e para haver pressão sobre os que vão julgar os próximos passos. E usar isso para ampliar a discussão em torno deste tema central para educadores, comunidade escolar e agentes da educação como um todo, ativistas e pesquisadores da educação e da comunicação.


Por enquanto, as regras que regem a entrada das mídias na escola as consideram como materiais didáticos e se mostram frágeis, quando o argumento dos governos – ao menos o do governo de José Serra – é de que cada mídia contratada é a única a desenvolver tal ou qual trabalho. Isso libera as empresas de passarem pelo processo licitatório.


Por enquanto, o governo do estado decide quem e o que pode entrar nas escolas e levar para dentro dos espaços públicos de educação e de formação os discursos destes veículos que, sabemos, respondem a linhas editoriais específicas, de empresas de comunicação. O professorado, os alunos, a comunidade escolar e os agentes da educação não são consultados nesses processos de contratação, não recebem qualquer tipo de formação ou informação. E passam a ter que lidar com mais um material, mais um recurso ou mais uma ferramenta (como revistas, livros, almanaques, computadores e programas de informática) que caem ‘de pára-quedas’ no contexto escolar.


Um contexto escolar que pode ser marcado, inclusive, por falta de condições reais de uso dos materiais. Onde o discurso da modernidade das tecnologias e do mundo das mídias não se encaixa. Pela precariedade das condições de trabalho dos professores, pela precariedade real – física – da escola, pela falta de diálogo, preparação e discussão em torno da adoção dos materiais, entre outros problemas possíveis.


Informação e cultura nas escolas


Mas ‘pega bem’ levar o que seria ‘informação e cultura’ para as escolas. Inclusive, na semana passada, o contrato com Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo – assinados pelo governo estadual para todas as escolas de São Paulo – foi analisado como integrante de um suposto ‘pacote de bondades’ da gestão Serra/Paulo Renato Souza (secretário da Educação] já de olho na eleição de 2010. Leia mais aqui.


Sim, é preciso levar informação e cultura para as escolas. É preciso inseri-las neste universo midiático e marcado centralmente pelas mídias, que é a nossa sociedade hoje. Mas é preciso fazer isso com política e discussão pública e junto com as escolas, para que esta entrada seja plural, democrática e participativa.


Por enquanto, não tem sido assim. As mídias têm entrado nas escolas a partir de contratos invisíveis entre os governos e empresas privadas de comunicação (no caso das revistas e jornais) e informática (o governo do estado de São Paulo, por exemplo, tem uma parceria com a Microsoft para fornecer contas de e-mails e programas de trabalho para professores da rede), sem qualquer tipo de debate público ou sobre o projeto pedagógico a que estas mídias devem corresponder – ou no qual devem se encaixar.


O que é levado para as escolas neste caso, é outro tipo de projeto, que chamei de ‘privatização subjetiva das escolas públicas’, ou seja: a entrada das mídias nos espaços educativos – sabemos – é um processo e não um instrumento. Não carrega para esses espaços somente ferramentas e recursos neutros. Leva para dentro de espaços públicos escolares os interesses, valores e visões de mundo dos grandes veículos da mídia comercial no país. Carrega consigo formas de ver o mundo, de construir o conhecimento, de olhar para a realidade. É uma privatização calada, oculta, que se dá pelas brechas.


O inquérito aberto pelo MPE de São Paulo tem um potencial, porque incide justamente em alguns dos pontos mais nevrálgicos da questão. A peça afirma que a…




‘…Secretaria da Educação desconsiderou a existência de outras publicações da área, beneficiando a editora contratada, não consultou os educadores e passou para esta Fundação privada os endereços pessoais dos professores, sem qualquer comunicado ou pedido de autorização dos mesmos, permitindo, inclusive, outras destinações comerciais aos seus dados particulares’.


Além disso, o MPE oficiou a Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo para que a entidade informe se foi consultada sobre a escolha da revista Nova Escola e se ocorreram reclamações por parte dos professores em função do fornecimento de seus endereços particulares. Por fim, notificou outras editoras que atuam no ramo educacional, consultando se teriam condições de participar do processo licitatório que sequer foi aberto.


É preciso acompanhar este processo com carinho e cuidado, buscando ampliá-lo. Ele pode criar um precedente importante na luta por uma forma mais democrática e plural de entrada das mídias nas escolas. Se permitir que se faça um debate público sobre o tema, em que se envolvam os agentes da educação e a comunidade escolar, já terá sido um passo. Se, concretamente, mexer nas relações do governo estadual com as grandes corporações de mídia, será um grande avanço. [Com informações do site Vermelho e do site do deputado federal Ivan Valente.

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Jornalista, doutoranda em Educação, assessora de Comunicação da ONG Ação Educativa e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social