Violência explícita, exposição de pessoas ao ridículo e apologia à tortura são cenas comuns na programação regional da televisão brasileira em horários livres para crianças e adolescentes. A constatação, presente em uma série de denúncias de organizações da sociedade civil que lutam pelos direitos humanos e pelo direito à comunicação, nos últimos tempos também tem sido constatada pelo Ministério Público Federal (MPF). ‘Tais problemas não são detectados pelo Ministério da Justiça, visto que os programas regionais não são monitorados. Daí, a necessidade da atuação do Ministério Público em cada capital, particularmente das Procuradorias Regionais dos Direitos do Cidadão’, afirma Fernando Martins, procurador da República que integra o Grupo de Trabalho de Comunicação Social do MPF.
O GT coordenou, em junho, uma oficina de trabalho no Recife sobre programas noticiosos policiais exibidos pelas emissoras de televisão que violam sistematicamente os direitos humanos, que reuniu procuradores de outros estados, como Rio Grande do Norte, Piauí, Minas Gerais e Paraíba, além de Pernambuco. No encontro, foram apresentados aos procuradores casos práticos de violações e experiências de ações de controle público já realizadas. Os procuradores recomendaram a realização de um monitoramento por parte do MPF dos programas regionais por meio de clipagem junto às assessorias de comunicação das capitais. Além disso, elaboraram um roteiro de monitoramento de programas policiais regionais que violem os direitos humanos nos casos de exposição da violência, exposição do ridículo e apologia à tortura.
Os procuradores também definiram um procedimento para coibir a violação dos direitos humanos pelas emissoras. Após a constatação de conteúdos violadores, serão enviadas recomendações às emissoras e, no caso de recusa de diálogo por parte do concessionário de televisão, serão elaboradas ações civis públicas requerendo a retirada do ar das cenas e até a suspensão da emissora por 30 dias ou a cassação da concessão para execução do serviço de radiodifusão. É possível também pedir a produção de vinhetas e programas que difundam e promovam os direitos humanos, a título de contra-propaganda.
Normas constitucionais
‘É importante que estes procedimentos sejam acordados entre o Ministério Público Federal e os ministérios públicos estaduais locais, pois já existem uma série de ações de monitoramento da programação, mas quando queremos denunciar, não sabemos direito a quem recorrer’, questiona Rosário de Pompéia, do Intervozes e do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom). Segundo ela, as organizações articuladas no Fopecom apresentaram em agosto do ano passado uma representação aos ministérios públicos Estadual e Federal. ‘Este procedimento se criado com Grupo de Trabalho de Comunicação Social do MPF será um avanço, pois pressiona os procuradores locais a agir localmente e cuidar dos casos que escapam ao monitoramento nacional’, afirma.
Renata Ribeiro, advogada que assina a representação das organizações do Fopecom diz que é preciso ampliar o espectro do monitoramento, que não pode ficar restrito aos programas policiais ou policialescos. ‘Os programas de televisão locais desrespeitam os direitos humanos, especialmente das mulheres, crianças e jovens infratores. Trata-se do não cumprimento das normas constitucionais que estabelecem os princípios da programação televisiva. Nossa intenção com a representação foi fazer com que as emissoras locais respeitem as normas constitucionais e os tratados internacionais assinados pelo Brasil’, afirma.
Mais que conteúdo
Edgard Rebouças, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco e integrante da Campanha pela Ética na TV afirma que a portaria da Classificação Indicativa editada pelo Ministério da Justiça reforça o papel do monitoramento local da programação. ‘Vai ser preciso um maior acompanhamento não só das violações de direitos humanos, mas do cumprimento da classificação, já que a portaria deu total liberdade para a auto-classificação dos programas pelas emissoras. Cabe à população denunciar os programas que não estão sendo classificados ou classificados de forma equivocada. As redes nacionais estão cumprindo a portaria, mas as redes regionais não cumprem. Como isso está longe do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, ninguém vê’, diz.
Ivan Moraes, do Movimento Nacional de Direitos Humanos e do Fopecom, aponta na mesma direção: ‘Especialmente no Nordeste, temos um espaço reduzidíssimo para a programação local. Quando há programação regional, os próprios mecanismos da Justiça têm dificuldade de interferir sobre estas questões. O ministério público estadual diz que não pode fazer nada, porque a concessão é federal. Já o Ministério Público Federal diz que não pode fazer nada, porque a programação é local. Precisamos de mecanismos formais que nos auxiliem a coibir este tipo de coisa’, diz.
Rebouças, entretanto, diz que a oficina realizada ajudou a dirimir o equívoco apontado pelo Fopecom. ‘As concessões são federais, mas não é só o MPF que pode agir. O estadual também pode e deve. E a oficina e o procedimento que foi tirado dela servem para comprovar isso’. Rebouças informa que, em paralelo às movimentações junto aos ministérios públicos, na Universidade Federal de Pernambuco deu-se início à elaboração de um projeto para constituição de um Observatório Regional de Mídia e Direitos Humanos, que tem como objetivo acompanhar a programação, elaborar relatórios e pareceres, dialogar com agências, anunciantes e emissoras, além de acionar os procuradores para que tomem providencias. ‘A grande barreira é a estrutura deste projeto, que é cara. Estamos tentando viabilizá-la junto a agências de fomento e apoiadores locais’, afirma o professor.
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Do Observatório do Direito à Comunicação