‘As ações da Polícia Federal, tal como estão sendo conduzidas, resultarão num tiro no pé da instituição. Em vez de agilidade e competência, correm o risco de ficarem conhecidos pelo contrário’, disse-me um amigo, promotor de Justiça. Surpreso com aquela leitura diferente dos fatos noticiados, quis saber por quê. ‘Da maneira como eles estão fazendo as prisões, a justiça acabará vendo-se forçada a soltar todo mundo.’ ‘Isso seria uma desgraça’, retruquei, não acompanhando seu raciocínio. ‘Mas é o que vai acabar acontecendo. Aliás, é o que já está acontecendo em muitos casos. Com provas frágeis, as brechas são inúmeras.’
Pode ser que meu amigo tenha razão, pode ser que os espetáculos exibidos em cadeia nacional, em horário nobre, sejam apenas espetáculos sem consistência. Pode ser. Só que a percepção do leitor e telespectador não é a que ele prevê. É bem outra. Não é a PF que sairá mal na foto, mas o judiciário. Nós, pobres ignorantes dos meandros legais, dos labirintos jurídicos, só conseguimos que nosso espírito crítico vá até metade do caminho. E nos perguntamos: por que a justiça solta os marginais que a polícia prende?
O risco do efeito oposto
Acusar delegados e agentes de vaidosos por curtirem seus cinco minutos de fama é bobagem. Vaidade é o nome de um aminoácido incrustado no gene do ser humano. Tem-se vaidade como se tem fome e sede. Acusar a imprensa que dá trela pra isso é não assumir outra característica da natureza humana, a curiosidade mórbida. Funciona mais ou menos assim: a imprensa vende espetáculos (e não notícias) pelo mesmo motivo que um executivo de uma rede de fast food confessou não vender saladas – não dão ibope. A turma quer hambúrguer e batata frita, não quer alface e rúcula. O leitor e o telespectador querem espetáculo, não querem notícia. Notícia é chata. E se tiver muita letrinha, então, nem pensar. Pensar? O que é isso mesmo?
O poder judiciário (assim como o Ministério Público) deve aprender a se comunicar melhor, ou vai ficar em péssima situação. E há um subproduto disso. Como lembrou Merval Pereira no Globo ( ‘Ações inconseqüentes’, 19/5/2007, em que, enumerando as últimas ações espetaculosas da PF e seus desdobramentos decepcionantes, denuncia o mesmo que meu amigo promotor), não é só descrença no judiciário que as pessoas passarão a ter, mas no sistema todo, no país. Do efeito inicial desejado (que, imagino, seja o de coibir preventivamente outros delitos semelhantes, demonstrando presteza na punição), corre-se sério risco de se obter outro, oposto, o de aumentar ainda mais a sensação de impunidade.
Seria desastroso para nossa auto-estima se as ações da PF resultarem no mesmo que as CPIs marco-valerianas. Que Deus (se for mesmo brasileiro) não permita.
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Médico, cronista do jornal O Popular, Goiânia, autor de Epitáfio (Nankin Editorial)