Naquela manhã de outubro, só havia um assunto nas redações das revistas de fofocas, nos estúdios de gravação de novelas e na Dias Ferreira, a rua do Leblon frequentada por celebridades: depois de tomar um tabefe do ator Dado Dolabella numa boate, a modelo Luana Piovani resolvera terminar o namoro com ele.
A notícia já havia sido divulgada em blogs e sites na noite anterior, mas para o Meia Hora, o tablóide carioca que vive de manchetes bem-humoradas e abordagens inusitadas, ainda era a melhor opção para a primeira página do dia seguinte.’Tenho que perfumar as notícias todos os dias’, disse o editor-executivo Henrique Freitas. Era preciso bolar um título que, além de requentar a fofoca, fosse intrigante e fizesse os leitores rirem. A resposta veio em uma mensagem enviada por um dos editores, Humberto Tziolas, que havia passado a noite em claro pensando em uma saída.’Genial. Vou manchetar isso’, disse Freitas ao abrir sua caixa de e-mails. O’isso’ em questão era:’Luana não tem mais Dado em casa.’
O que parecia uma solução simples – e genial – deu origem a uma intrincada charada visual.’Como a nossa manchete é sempre em caixa alta’, disse Freitas dias depois, usando a expressão que designa as letras maiúsculas,’as pessoas leriam o verbo dar antes do nome Dado, o que poderia ficar pesado.’ Para atenuar a grosseria – e evitar um possível processo – resolveu abrir uma exceção: faria o título em letra minúscula, para que’Dado’ pudesse ser lido como nome próprio. O problema, porém, continuava: nem todos entenderiam a piada.
Freitas se lembrou então de uma manchete que vira décadas antes, na primeira encarnação do jornal O Povo, que dizia:’O sonho da casa própria.’ No lugar da palavra’casa’, havia o desenho de uma casa.’É isso’, concluiu. No dia seguinte, a manchete do Meia Hora provocava risos nas bancas cariocas:’Depois da briga e da separação… Luana não tem mais [foto de Dado] em casa.’
Período conturbado
Lançado em setembro de 2005 com uma tiragem de 50 mil exemplares, o Meia Hora se destacou pelo baixo preço (50 centavos), pela linguagem popularesca – e às vezes francamente vulgar – e pelas manchetes que, independentemente do conteúdo, pendiam para a pilhéria. Calcado no quarteto crime-futebol-mulher-celebridade, dobrou a circulação já no terceiro mês. Atualmente, com tiragem de 230 mil exemplares diários, é o terceiro jornal mais vendido do Rio, atrás do Extra e de O Globo – que contam com a estrutura financeira e de circulação das Organizações Globo, além da propaganda gratuita nas rádios e TVs do grupo no Rio.’Tem dias que chegamos a ficar em primeiro’, contou Henrique Freitas.’E olha que quase não fazemos promoção. A cereja do nosso bolo é a manchete.’
Quando Ronaldo Fenômeno trocou o futebol carioca pelo paulista, a chamada do Meia Hora foi:’Ronaldo mete bola nas costas do Mengão e fecha com o Corinthians.’ Quando Fábio Assunção abandonou a novela das seis para se tratar do vício em drogas, leu-se que o ator daria’um tempo na carreira’. A morte do ex-policial militar Marcelo Silva, ex-marido de Suzana Vieira, devido a uma dose excessiva de cocaína, foi apresentada assim:’Do pó viestes, pelo pó passastes, ao pó retornarás.’
Entre os redatores do jornal, cocaína vira invariavelmente’pó’, tiro é’pipoco’, facção criminosa é’bonde sinistrão’. A polícia, quando invade,’dá sacode’; quando atira,’larga o dedo’; quando prende,’mete em cana’. Bandido escondido’tá malocado’, bandido vivo’toca o terror’, bandido morto’levou ferro’. Ladrão de galinha é’safado’ e estuprador é’monstro’. Cadeia fica melhor como’tranca’,’jaula’ e’xilindró’. O exterior é’no estrangeiro’. Mulher bonita recebe diversas caracterizações, em boa parte frutais: morango, melancia, jaca…
Alcunhas de criminosos cariocas também são exploradas. O bandido Digato morreu’miando’, Skol da Rocinha desceu’redondo pro inferno’ e Batman,’o bandido morcego da milícia’, fugiu voando de Bangu 8.’Uma vez a polícia pegou um traficante chamado John Lennon. A notícia nem era tão importante, mas publicamos só pela graça de dizer que a PM tinha prendido o John Lennon’, contou a subeditora Joana Ribeiro, em sua mesa enfeitada com uma imagem do dragão de São Jorge. Foi o mesmo pensamento que norteou a notícia’Anões dão show de bola. Fugiram da mesa de totó’, para celebrar o sucesso de um time de jogadores de baixa estatura de Belém, no Pará.
No Meia Hora, a crise mundial, as eleições americanas e a invasão do Iraque são assuntos secundários.’É uma coisa muito longe da vida do nosso leitor’, explicou Henrique Freitas. No panorama internacional, a exceção foi o enforcamento de Saddam Hussein, noticiada com o título’Saddam morre com a corda no pescoço’. Não houve espaço na primeira página para a vitória de Barack Obama e (incompreensivelmente) nem para a sapatada do repórter iraquiano no presidente George W. Bush. Perguntado sobre qual seria a manchete do jornal, se num mesmo dia houvesse um ataque terrorista, nos moldes do 11 de Setembro, e uma chacina no Rio de Janeiro, Henrique Freitas respondeu:’Provavelmente daria uma capa dupla.’
O Meia Hora pertence ao grupo O Dia, do qual fazem parte o jornal de mesmo nome, uma rádio FM, um portal na internet, uma agência de notícias e o Instituto Ary Carvalho. Em 1983, Ary Carvalho, que havia dirigido as redações do Última Hora no Rio e em São Paulo, e do Zero Hora em Porto Alegre, comprou o diário, de forma e conteúdo sensacionalistas. Coube a ele mudar o projeto gráfico e editorial para disputar o público de classe média. No auge, no final dos anos 90, O Dia vendeu 900 mil exemplares aos domingos. Hoje, sua tiragem média é de 105 mil exemplares.
Em 2003, com a morte do patriarca Ary de Carvalho, o conglomerado ficou com suas filhas Ariane, Eliane e Lígia, conhecida como Gigi. Após um conturbado período na administração dos negócios, Ariane se afastou para criar um jornal vespertino, o Q!, que durou pouco mais de dois meses. Eliane, que estudou Ciências Políticas nos Estados Unidos, ficou apenas como acionista. E Gigi, formada em comunicação visual pela Faculdade da Cidade, acabou ficando na presidência da empresa. Com o fim do Grupo Bloch e do Jornal do Brasil, O Dia é a única empresa de comunicação carioca que sobrevive ao quase-monopólio da Globo.
Braço direito
A sede do tablóide, que divide o andar de um prédio no bairro da Lapa com a redação de O Dia, tem paredes amarelas encobertas por um emaranhado de cartazes, cartas, capas, papéis, fotos e recortes de reportagens. Vê-se um pôster do filme Sexo no Salão 2007 – com uma loira seminua em meio a uma chuva de purpurina –, a foto-flagra de um repórter da casa beijando o derrière da ex-chacrete Rita Cadillac e outra que mostra em primeiro plano a face alegre de um ex-Big Brother.’A toda equipe do Meia Hora, com beijão carinhoso do Tinho’, dizia a dedicatória em caligrafia infantil.
Entre as capas coladas à parede, há aquela em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, usando um boné com a logomarca do jornal, aparece segurando o diário sob o título:’Eu topo ser colunista do Meia‘. A cena foi produzida durante uma entrevista coletiva para jornais populares, em Brasília, quando o presidente disse que aceitaria escrever para o tablóide ao deixar o Planalto. Rente a ela, outra primeira página é a do dia em que o jornal alcançou 303 mil exemplares de circulação, graças a uma promoção que premiava os leitores com um celular. Os editores garantem que a notícia em destaque também teve peso nas vendas.’Matou a família e cozinhou os corpos no forno por três dias’, anunciava.
A equipe do Meia Hora tem vinte jornalistas, na faixa dos 25 anos, que andam em trajes esportivos e usam tênis. Eles trabalham mais como redatores do que como repórteres. As matérias são feitas pela equipe de O Dia e enviadas à redação-irmã para que sejam reescritas e resumidas a, no máximo, cinco parágrafos. No começo de dezembro, a mesma reportagem que apareceu em O Dia como’São Cristóvão: funcionário da feira suspeito de assaltos’, no Meia Hora virou’Bandidos tocavam o terror em São Cristóvão’.
‘Aqui não tem nenhum ista e nenhum ólogo para explicar o que está acontecendo. Noticiamos o fato. Só isso’, explicou Henrique Freitas.’Nosso jornalismo é sério. A gente não defende justiceiro, pena de morte, nada disso. Mas eu chamo assaltante de vagabundo quando precisa’, disse.
Alto, magro e vestido sempre com camisa e sapatos sociais – e resfriado, boa parte do mês passado –, Freitas é o cérebro do jornal. Aos 36 anos, passou a vida entre Rio, Manaus e Niterói, onde se formou na Universidade Federal Fluminense. Trabalhou três anos em O Globo e sete no Extra, onde foi subeditor da seção Geral. Desde 2005, ocupa a editoria-executiva tanto do Meia Hora quanto de O Dia, onde também participa da decisão sobre a capa do jornal. Integrante da classe média alta, ele só usa gírias quando dita uma manchete. Palavrões, jamais.’Não convivo com o meu leitor. Isso só aconteceu na época em que eu estava no Globo‘, contou.
Para se aproximar do gosto de seu público, ele diz assistir a muitas horas de televisão:’Meu programa preferido é o Pânico. Depois, o Zorra Total. Não quero saber o que está passando no GNT. Me interesso pessoalmente, mas como pessoa jurídica, não. Preciso ter referência de cultura pop.’ Ele citou um exemplo:’Batman foi o filme mais visto do ano. É claro que vou aproveitá-lo numa manchete. Mas não tenho como fazer uma referência a O Escafandro e a Borboleta ou a Camelos também Choram.’
Seu braço direito é o editor Humberto Tziolas, de 34 anos, o mentor intelectual da manchete sobre Dado Dolabella e Luana Piovani. Sua mesa de trabalho tem poucos adornos, salvo um calendário do Campeonato Brasileiro colado ao computador. Criado em Copacabana e Botafogo, também passou pelas redações de O Dia e do portal Globo.com antes de se tornar o segundo na hierarquia do jornal.’Não sinto falta do que eu fazia’, disse.’Agora falo com um público com quem ninguém falava antes.’
Fenômeno de vendas
À diferença dos sensacionalistas do século passado, dos quais se dizia que se espremidos soltariam sangue, o Meia Hora cultua a crônica policial sem recorrer a imagens explícitas. Fotos de corpos destroçados, cadáveres putrefatos e sangue aos borbotões são evitadas.’Isso foi uma determinação desde o começo, para não criar um estigma negativo’, disse Henrique Freitas.’Nossa influência vem do Pasquim, do Planeta Diário e da Casseta Popular.’
Ele acredita que o tablóide atinge várias classes sociais no Rio.’O segredo está na linguagem popular. Se fosse em São Paulo, que termos eu teria que usar? `Os mano´? `As mina´?’, indagou.’Geograficamente, São Paulo é muito diferente. Lá, a periferia é realmente periférica. Aqui, todo mundo vai à mesma praia. Um sujeito que mora numa cobertura em Ipanema vê uma favela a 400 metros.’ Para ele, o carioca’tem alma de classe média’. Então,’mesmo o cara da elite pode ler e se identificar com o jornal’.
Outra diferença, segundo ele, é que o Meia Hora tem posição, pelo menos no campo esportivo. Posição a favor.’Nosso jornal torce. Quando um time ganha, exalta. Quando perde, sacaneia.’ Equipe de fora é tratada com indiferença. Equipe carioca, no aumentativo: Mengão, Fluzão, Fogão, Vascão.
Em meados dos anos 60, o Notícias Populares, publicado pelo Grupo Folha em São Paulo, foi um fenômeno jornalístico em razão das manchetes – sensacionalistas, engraçadas e nem sempre verídicas. Uma de suas chamadas mais vendedoras envolveu o cantor Roberto Carlos, que passava férias em Nova York. Como seu empresário não conseguiu localizá-lo, num determinado dia, o jornal estampou na primeira página:’Desapareceu Roberto Carlos.’ A notícia aumentou a vendagem em 20 mil exemplares. No dia seguinte, a manchete foi:’Acharam Roberto Carlos.’
Nos anos 70, o Notícias Populares criou o’bebê diabo’. A notícia se originara de um fato concreto: uma criança nascera com o corpo e a cabeça deformados, no ABC paulista. Foi o que bastou para haver 27 capas, todas divulgando a aberração de que a criança era fruto de um pacto com o demônio.’Esse tipo de coisa não publicamos’, comentou Henrique Freitas.’Não estamos fazendo um jornalismo mentiroso, estamos trazendo humor para o jornalismo.’
No final dos anos 90, embalado pela boa vendagem, O Dia resolveu mudar seu perfil, para buscar o público de classe média que se desgarrara do agonizante Jornal do Brasil. As Organizações Globo contra-atacaram lançando o Extra, ao preço de 30 centavos, que era o valor exato de um troco de passagem de ônibus, para chegar ao público de baixa renda. O lançamento foi amparado por uma massacrante campanha publicitária nas emissoras de rádio e tevê do grupo e por uma promoção que presenteava os leitores com um jogo de panelas.
A ascensão do Extra foi rápida e O Dia amargou prejuízo. Em 2005, Gigi de Carvalho abriu uma nova investida contra as Organizações Globo: contratou o jornalista Eucimar de Oliveira, que fora, justamente, o responsável pela criação do Extra, e o colocou à frente de O Dia.’Eu não podia repetir o erro dos anos 90′, ele disse num café da manhã recente, em uma lanchonete no bairro do Humaitá.’Para levar O Dia para cima, era preciso arrumar uma proteção para baixo, ou seja, não deixar órfãos os leitores de classes mais populares.’
Meses depois, surgia o Meia Hora. O Dia, no entanto, não decolou. Mas o tablóide popular, criado para cobrir a retaguarda do carro-chefe do grupo, surpreendeu e se tornou um fenômeno de vendas.’O Meia Hora acabou sendo uma vacina para a sobrevivência da empresa’, disse Oliveira.
Expressão de efeito
Numa quinta-feira de novembro, Henrique Freitas parecia animado. Com tiroteio no subúrbio e polêmica no futebol, a tarde fora rica em notícias para um tablóide. Por volta das sete da noite, sentou-se ao lado do diagramador para preparar a primeira página. Na parte inferior, ordenou que se colocasse a foto de três viaturas metralhadas da Polícia Civil. O título era simples:’Foi tiro a rodo.’ Seguia-se uma pequena explicação:’Após o ataque, polícia promete forra em Manguinhos.’ Freitas pediu que a foto fosse manipulada no computador.’Tem que realçar os tiros’, explicou.
Às vésperas de ser rebaixado no Campeonato Brasileiro, o Vasco vivia nova crise: surgira o boato de que, se livrasse o time da degola, o técnico Renato Gaúcho, e apenas ele, seria fartamente recompensado.’Procura uma foto do Renato reclamando’, mandou Freitas. Contente com a imagem do técnico de braços abertos, ditou em voz alta:’Se salvar o Vasco, Renato ganha um capilé. Os jogadores, não’ – era a manchete que ficava em cima da foto. Na parte inferior, colocou em letras garrafais:’Pô, professor, divide com a galera.’ A capa estava pronta.
Em julho, um torcedor do Fluminense moveu uma ação de reparação contra o jornal por danos morais. Após um começo de ano na penumbra, seu time conseguira, contra qualquer previsão, chegar à última fase da Copa Libertadores da América. Em consequência, o grito de guerra das arquibancadas passara a ser:’Ô, ô ô, ô ô! Eu acreditô!’ Quando a equipe, em pleno Maracanã lotado, perdeu a final para a desconhecida LDU, do Equador – o que lhe custou a chance de disputar o Campeonato Mundial Interclubes –, o Meia Hora publicou a manchete’Eu acreditava’. Sob a imagem de torcedores desesperados, o texto continuava:’No título do Flu, em duendes, em Papai Noel…’
Na capa do dia seguinte, novo deboche:’Grátis: Pôster do Fluzão rumo ao Mundial.’ Dentro do jornal, havia de fato um pôster, mas da equipe andando rumo a um supermercado da rede Mundial, uma das mais baratas do Rio. Foi o gatilho para que Carlos Almir da Silva Baptista resolvesse mover um processo no 25º Juizado Especial Cível, alegando ser vítima de propaganda enganosa.
A sentença, proferida menos de um mês depois de instituída a ação, começou de forma inusitada:’É absolutamente incrível que o Estado seja colocado a trabalhar e gastar dinheiro com uma demanda como a presente, mas… ossos do ofício!’, escreveu o juiz José de Arimatéia Macedo. Baseado no argumento de que’a gozação é inerente à existência do futebol’, o magistrado classificou a ação de’surreal’ e acusou o autor de má-fé. O caso foi considerado improcedente. O advogado Robson Luis Castro da Silva, representante do torcedor ofendido, me disse que irá recorrer.’Eu gostaria de saber por que a ação foi julgada com tanta pressa. A sentença do juiz não é a resposta que o cidadão contribuinte merece’, argumentou.
Sentado em seu escaninho, decorado com uma miniatura do Cristo Redentor nas cores do Fluminense, o jornalista Giuseppe Amato pegou o telefone.’É você, Elisângela, querida?’, ele começou.’Você tem que mandar de frente, de costas, de lado, mas sem vulgaridade. Tem que obedecer a certos critérios, meu amor. Tem que falar o que gosta de fazer de dia, de noite, qual é o seu time.’ Silenciou alguns momentos.’É vascaína, né? Coitada. Você faz o quê, querida? – desculpe a pergunta.’ E encerrou:’Meu nome é Giuseppe. Nome italiano. O e-mail é gamato. Em vez de gamado, gamato, com `t´. Pode mandar as fotos.’
Franzino, de bigodinho, cabelo cobrindo o pescoço e idade’cinco ponto quatro, meu querido’, Giuseppe Amato tem o cargo mais invejado da redação. Cabe a ele selecionar e descrever em cinco linhas as moças que enviam fotos de biquíni ou lingerie, em poses de costas, de gatinhas, agachadas ou deitadas, para a seção’Gata da Hora’, a mais lida do jornal.
‘É uma merda fazer isso aqui’, ele contou.’Todo mundo vem me perguntar: `Por que você publicou essa baranga?´ Mas eu só respondo às que têm bala na agulha’, disse-me, abrindo uma imagem no computador para comprovar sua tese.’Olha isso aqui! Como é que vou colocar isso aqui, meu querido?’ Amato considera seu trabalho parecido com o de um detetive:’Como é que eu vou saber que esse e-mail é da mulher? Como é que eu vou saber que não é do vizinho, que não conseguiu a mulher e mandou a foto para se vingar? Por isso peço que elas mandem telefone, time, hobby, para eu ligar e conferir antes de publicar.’
Embora dez entre dez’Gatas da Hora’ sejam apreciadoras da trinca funk-praia-Fábio Junior, Amato tem a impressionante capacidade de não se repetir quando as descreve.’O meu lance é texto’, jactou-se. Sua metodologia consiste em sempre começar com uma expressão de efeito –’Não é fraca, não!’,’Pô, aê: me rende, gata!’,’Aí, quem quer ser o sobrinho?’,’Perdeu algo, Lulu?’ – e terminar com uma expressão de efeito:’Nooooossaa!’,’Yes!’,’Que delícia!’ Seu maior medo é publicar a foto de uma menor de idade.’Aí me levam em cana e a coluna fecha, Mané’, explicou.
‘Não vai sair’
O Meia Hora não vende assinaturas. A circulação é calculada em razão do dia da semana (segunda-feira, regada em esportes, vende mais que domingo), do dia do mês (quanto mais próximo ao pagamento do salário do leitor, melhor), da previsão do tempo (chuva forte é mortal porque ninguém pára na banca) e, principalmente, do teor e da área onde ocorreu a manchete.
‘Vendo o jornal em 4 500 bancas, os jornaleiros são meus 4 500 repórteres’, contou o superintendente de vendas, Ronaldo Mendes.’Eles me ligam dando um furo. Eu informo à redação e, se me confirmarem que a notícia vai ser publicada, ligo de volta perguntando: quantos jornais você quer que eu mande? O triplo? Está certo.’ Após uma pausa, exemplificou:’Se tem um crime na comunidade de Manguinhos, que é controlada pelo Comando Vermelho, intensifico a distribuição nas favelas ao lado, que também são controladas pelo grupo.’
Embora chegue a vender três vezes mais que O Dia, o Meia Hora arrecada três vezes menos. A preço de tabela, uma página de publicidade sai por 20 mil reais. O mesmo espaço custa 30 mil no jornal matriz. A razão é que 72% dos leitores do tablóide fazem parte das classes C e D. Os principais anunciantes são as Casas Bahia e os Supermercados Guanabara.
Em 2006, foi a vez das Organizações Globo lançarem um jornal sensacionalista, para concorrer com o Meia Hora. É o Expresso da Notícia, também vendido a 50 centavos, em formato tablóide e com projeto gráfico muito similar ao precursor do gênero. A média anual de circulação empacou nos 70 mil exemplares.
No dia seguinte ao rebaixamento do Vasco, em que se decidia a capa’Galera enterra o bacalhau ao som de `Arererê, o Vasco vai jogar na série B´’, o repórter Pedro Moraes correu à mesa de Humberto Tziolas.’Humberto, sabe aquela matéria que eu estou fazendo sobre a marchinha de Carnaval?’ Tziolas assentiu.’Só consegui falar com a Mulher Moranguinho para aparecer na foto. Mas ela não é citada na música.’ Diante do impasse, perguntou:’Continua valendo?’ Não, assim não valia.
Moraes é o especialista no universo feminino hortifrutigranjeiro, um dos atrativos do jornal. Pelas páginas do tablóide já passaram as mulheres Melancia, Jaca, Maçã, Moranguinho, Melão e Filé – essa última batizada na própria redação. Por ter descoberto a dançarina, até então desconhecida do grande público, o ineditismo da matéria valeu a Moraes o prêmio interno de 1 mil reais. Em outubro, após granjear fama nacional, a Mulher Filé foi destaque da Playboy.
Em abril, a reportagem premiada dizia respeito à reconciliação dos funkeiros Mister Catra e MC Créu. Em maio, ao fato de que, na falta do pagodeiro Belo, sua esposa teria recorrido a mercadorias de uma sex shop. Em junho, outro artigo de Moraes: Mulher Melancia havia sido agredida por moradores da favela Tavares Bastos enquanto posava para a Playboy. A matéria, intitulada’Melancia fatiada’, ainda trazia fotos inéditas do ensaio, flagradas por um membro da comunidade.
Com cabelo escovinha, óculos e camisa pólo, Moraes parece um nerd de filme americano para adolescentes.’Como não tenho muita vergonha na minha cara, acabam me pegando para esse tipo de matéria’, ele disse.’O Henrique e o Humberto são as mentes diabólicas. Eu sou o executor das maluquices.’
Enquanto me mostrava a capa de dois filmes pornográficos (‘Esse é o tipo de literatura que eu recebo’, falou), um repórter se aproximou da mesa, roubando-lhe o baralho’Gata da Hora’, com fotos de mulheres no lugar dos naipes, brinde ofertado pelo jornal. Moraes se alarmou:’Cuidado que está na ordem, cara.”Ordem numérica ou das mais gostosas?’, retrucou o colega. Antes que pudesse responder, o telefone tocou.’Está bem, pode mandar para o meu e-mail’, replicou Moraes ao interlocutor. Ao desligar, comentou:’É uma mostra sobre o Fernando Sabino na PUC. Nunca vai sair.’
******
Repórter da piauí