Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Na imprensa, histórias pela metade

Uma greve em São Paulo. Uma greve de professores, que não deveria ser encarada como uma greve a mais. Como nos posicionarmos perante esse fato, se sabemos da história apenas a metade? Ou se nem isso sabemos?

Idealmente, a mídia teria a responsabilidade de nos contar essa história com mais detalhes e profundidade. Trazer ao nosso conhecimento as informações necessárias. Sem ilusória neutralidade, mas também sem omissões intencionais. De posse de informações e dados confiáveis, poderíamos julgar a situação. Emitir uma opinião menos apressada.

Para começar, a divulgação de números.

Na passeata realizada na Avenida Paulista no dia 20 de junho, havia 60 mil pessoas, segundo o Sindicato dos Professores (Apeoesp). A Polícia Militar afirmou que havia apenas 8 mil. Uma semana depois, outra manifestação. Para a Apeoesp, de novo 60 mil pessoas. Para a Polícia, parcos 6 mil grevistas. Dia 13 de junho, quando deflagrada, a greve levou 30 mil pessoas às ruas da capital (versão Apeoesp)… ou cerca de 5 mil professores (versão Polícia Militar).

Meros agitadores?

Ora, não haverá nenhum repórter capaz de nos esclarecer qual das duas estimativas é a menos manipulada? Será tão difícil saber qual das duas possibilidades, tão díspares, mais se aproxima da verdade? Não havia ninguém in loco para avaliar as duas versões?

O mesmo com relação ao número de professores que aderiram à greve. No dia 17 de junho, a Secretaria de Educação de São Paulo divulgou seu balanço: somente cerca de 2% dos 250 mil professores da rede pública estadual estavam de braços cruzados. Para o Sindicato dos Professores, 50% das unidades escolares em todo o Estado interromperam suas atividades. No dia 2 de julho, a Secretaria continuava insistindo nos 2%. O Sindicato noticiava: 75% da categoria aderira à greve.

Se já parece impossível eliminar dúvidas quantitativas, como descobrir e discutir os reais motivos da greve? O que pensar das atitudes e declarações da Secretaria de Educação? O que pensar dos professores? Serão eles meros agitadores em ano de eleição?

Estranho gesto

Fazendo eco ao governo Serra, alguns jornalistas tentam desmoralizar a greve, como Gilberto Dimenstein, nos artigos ‘Sindicato quer motel em escola‘ (18/06) e ‘Educadores, bêbados e assassinos‘ (29/06). Gustavo Ioschpe (revista Veja) também ataca os professores. No portal do governo de São Paulo, a sintomática reprodução do editorial do Estadão (18/06), que nada diz a favor dos grevistas.

O ombudsman da Folha de S.Paulo, no domingo (06/07), faz uma avaliação sensata (‘Aos mestres, sem carinho‘). A Folha tratou ‘sem nenhuma boa vontade’ a revolta dos professores e desperdiçou várias oportunidades de aprofundamento: não discutiu o decreto governamental que deflagrou a greve, não atentou para as dificuldades do dia-a-dia escolar que também estão em jogo, não realizou diagnóstico sério das condições salariais médias do docente. Em suma, não fez investigação alguma, não considerou a educação como tema prioritário, nem mesmo num momento de tensão social.

A greve foi interrompida no dia 4 de julho, até segunda ordem. A Secretaria de Educação mostrou-se disposta a conversar sobre a pauta de reivindicações, que não se restringe a questões salariais. Estranho gesto, o da Secretaria. Afinal, se eram tão poucos os professores em greve e insignificante o número de manifestantes nas ruas, por que ceder às pressões?

******

Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br