Ali Kamel, atual diretor executivo do jornalismo da Rede Globo, publica artigo no jornal carioca do grupo. O título: ‘A grande imprensa‘. Ali Kamel também é autor do livro Não somos racistas. Curiosamente, na capa, as letras do título explodem num fundo branco, bem branquinho. Nesse seu trabalho de ‘investigação intelectual’ a tese de fundo é a de que as diferenças se resolvem com educação e saúde de qualidade para todos. Ou seja, segundo ele, quando brancos e negros tiverem as mesmas condições, não haverá desigualdade. Foram umas 200 páginas para provar tal tese. Faço-lhe duas perguntas:
1.
Por que os negros ganham o correspondente a 53% do salário dos brancos com o mesmo nível educacional?2.
Por que a distância percentual entre o salário de brancos e negros aumenta quanto maior o nível escolar de ambos os grupos?Como é autor de um livro sobre o tema, talvez esteja disposto ao debate. Há muita gente disposta, tenho certeza, mas se preferir fazê-lo comigo, aqui estamos. Não sou especialista, mas, sinceramente, você também não é.
Mas de comunicação Ali Kamel deve entender ou não seria diretor executivo do jornalismo da TV Globo. Como do tema também entendo um pouco, ao debate.
Diversidade informativa
Ele se diz preocupado com os ataques que a ‘grande imprensa’ está sofrendo. Separei alguns trechos do artigo, para que o leitor possa fazer suas comparações. Duvido que ele fizesse o mesmo na democrática Globo ou no democrático jornal da família. Falaria sozinho.
Diz Kamel: ‘A grande imprensa está sob ataque. Não do público, que continua considerando o jornalismo que aqui se produz como algo de extrema confiabilidade, conforme atestam pesquisas de opinião recentes. Os ataques vêm de setores autoritários e antidemocráticos, que, diante do noticiário, sentem-se ameaçados.’
Digo eu: Primeiro, a grande imprensa deixou de ser grande faz tempo. Só ela mesma e o pessoal que articula a comunicação no governo Lula é que acreditam nisso. Quanto à confiabilidade e a credibilidade dessa parte da mídia, piada. Se a população acreditasse na mídia comercial teria ido à rua derrubar Lula em 2006. Ela utilizou toda a sua ‘credibilidade e confiabilidade’ para que isso se realizasse. Perdeu. Se quiser saber um pouco mais de credibilidade e confiabilidade na mídia comercial, pode ler Midiático Poder – O caso Venezuela e a guerrilha informativa. Sou o autor do livro, mas as histórias são da mídia. Lá tem algumas a respeito da cobertura do Jornal Nacional e do Jornal da Globo no dia do golpe midiático-militar contra Hugo Chávez.
Diz Kamel: ‘Costumam seguir o seguinte padrão: mentem, atribuem à grande imprensa coisas que ela não fez e denunciam conspirações que não existem. Sempre num tom indignado, dourando a grita com defesas `apaixonadas´ da liberdade de expressão e do que chamam de democratização da mídia. Um disfarce.’
Digo eu: Apresente as teses mentirosas dessa mídia que tanto lhe incomoda e que lhe motivou a escrever tal artigo, que daqui listo as ‘conspirações’ que você considera falsas. Por favor, usando documentos ou depoimentos que não sejam em off. Assim não vale. Jornalismo, Kamel, jornalismo. Quanto à tese de democratização da mídia, por acaso a preocupação se deve ao fato de as concessões da TV Globo vencerem em outubro? Se for, lhe digo, estaremos fazendo campanha, sim, para levar o Brasil ao primeiro mundo. Não é isso o que os senhores querem? Vamos fazer campanha para que a legislação das comunicações no Brasil adote padrão que não seja o das capitanias hereditárias e da barganha política. Isso é disfarce? Disfarce é o que vem a seguir.
Diz Kamel: ‘Às vezes, publicam livros, financiados por partidos, com estudos pseudocientíficos como os que tentam demonstrar que, em 2006, os jornais penderam pesadamente a favor de [Geraldo] Alckmin e contra Lula, no noticiário eleitoral. Tais estudos se esquecem apenas de contar que todo o noticiário sobre o mensalão e outros escândalos foi considerado prova de desequilíbrio contra Lula. Ora, se é assim, qual seria a alternativa para que o estudo apontasse equilíbrio? Não noticiar os escândalos? Mas isso sim seria perder o equilíbrio e a isenção.’
Digo eu: Coragem, Kamel, nome aos bois. Diga com todas as letras que está tratando do livro A mídia e as eleições de 2006, organizado pelo professor Venício A. Lima e no qual tenho um texto publicado. O livro é da Editora Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT. Curioso é que nunca li nada de Kamel tratando do Instituto FHC. Ou mesmo falando do financiamento do mesmo. Quanto ao argumento do ‘mensalão’, pergunto: na cobertura da TV Globo em Minas Gerais, por exemplo, o ‘jornalismo’ fez questão de mostrar em que momento nasceu o valerioduto? Isso foi explorado como deveria, ao menos em Minas Gerais? Venhamos, Kamel, venhamos.
Kamel diz: ‘Quanto mais variadas forem as fontes de recursos que sustentam um jornal, uma revista, um portal de internet ou uma emissora de rádio e televisão, mais livres e independentes serão esses veículos. O leitor pode fazer o teste. Veja os anunciantes da grande imprensa e verifique: a variedade é tanta que o veículo não depende, nem de longe, de ninguém isoladamente para sobreviver. E por isso é livre. E por isso é independente. O leitor poderá fazer outro teste. Procure algum veículo que se diga livre e independente e ao mesmo tempo se dedique costumeiramente a atacar a grande imprensa e a defender este ou qualquer governo. Veja os anunciantes. Eles serão poucos e a concentração, grande. Quase sempre, será propaganda governamental. Se o veículo for um portal de internet, verifique quem são os controladores: fundos de pensão de órgãos do governo.’
Digo: Ok, aceito o desafio. Kamel abre as contas da TV Globo, daqui abrimos a da revista Fórum, que tal? Não posso responder pelo iG, que me parece ser o portal que ele acusa, mas falta-lhe coragem para nomear. Não posso responder por CartaCapital ou outras publicações que costumam apontar o profundo pântano de mídia comercial brasileira. Posso adiantar-lhe que nunca fomos ao BNDES assaltar os cofres públicos, que não fizemos lobby por Proer da mídia e que não ganhamos concessões. Mas, permanece o desafio, contas na mesa.
Kamel ainda diz: ‘Portanto, livre mesmo, só a grande imprensa. Só ela tem os meios para investir em recursos humanos e tecnológicos capazes de torná-la apta a noticiar os fatos com rapidez, correção, isenção e pluralismo.’
Eu retruco: A verdade é que a tal ‘grande imprensa’ já está se coçando porque meia dúzia de veículos e alguns jornalistas livres e pouco afeitos a serem papagaios de patrões têm utilizado seus espaços para fazer o contraditório. E com isso tem conseguido garantir não só um pouco de diversidade informativa, como obtém furos como os de Raimundo Rodrigues, que desmascarou a armação daquele Jornal Nacional que não noticiou o acidente do avião da Gol, lembra Kamel? Ele está no livro que você chama de ‘comprado’ pelo PT. Se quiser, releia-o.
E assim ele encerra seu artigo: ‘Já aqui, temos de conviver com essas bazófias. Porque aqui, ao contrário de lá [refere-se aos EUA], há quem queira que a informação esteja a reboque de projetos de poder.’
E eu pergunto: Kamel, quando você fala em informação a reboque de projetos de poder refere-se à posição da TV Globo na época da ditadura ou nos anos FHC?
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Jornalista, editor da revista Fórum