Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Não há santo nesta história suja

Nada justifica o incêndio ateado à CMN e que atingiu o jornal Diário de Marília e duas rádios. É crime, sim, e todos os envolvidos devem pagar por isso. Mas dizer que o incêndio foi um atentado à liberdade de imprensa não cola. Não há santo nesta história suja. Há um bando de amigos e agora ex-amigos que resolveram brincar de Al Capone em Marília, onde há muito tempo falta um Eliott Ness, da série americana Os intocáveis.

Os poucos que tiveram a oportunidade de conviver nos bastidores da imprensa de Marília sabem que liberdade de imprensa foi uma prática suprimida por quase uma década pelo Diário e todos veículos de comunicação da cidade. Todos fizeram o ex-prefeito Abelardo Camarinha virar Deus para população mal-informada. Nos bastidores, todos diziam que o ex-prefeito ou era dono dos veículos ou pagava aos que não eram com propaganda dos órgãos oficiais da prefeitura.

O diretor do Diário, José Ursílio, alegou no programa Observatório da Imprensa na TV (20/9) que é normal os jornais de qualquer local ‘darem um tempo’ às novas administrações em início de mandato até que elas se adaptem, para começar a analisá-las criticamente. Acontece que o tempo que o Diário deu ao prefeito foi longo demais e culminou com a omissão em centenas de denúncias de corrupção feitas à Justiça e colecionadas pelo ex-prefeito. Algumas dessas denúncias foram originadas por desavenças entre amigos do prefeito que se consideravam traídos ou preterido no grupo.

Neste ‘dar um tempo’, o poder do ex-prefeito foi crescendo e extrapolando os limites do bom senso, envolvendo todos os poderes da cidade. O ex-prefeito tornou-se um coronel poderoso no centro-oeste paulista. Paralelamente ao poder e aos desmandos, as contas bancárias do grupo também cresciam. Muitos se tornaram proprietários de terras e fazendeiros.

Deus e diabo

O ex-prefeito, diziam que por intermédio de laranja, tornou-se dono do Diário de Marília. Não me recordo a data, mas um de seu desafetos, hoje vereador, chegou a denunciá-lo por enriquecimento ilícito, em processo que originou outros. Um deles envolvia o atual proprietário do Diário, como suspeito de ser laranja de Camarinha. O processo, se não me engano, acabou arquivado.

Enquanto isso, o diretor do Diário já respondia também pela Rádio Clube de Marília, arrendada pelo ex-prefeito em nome de uma pessoa próxima à família de Ursílio. Isso está no arquivo do próprio Diário, com foto e tudo. Acontece que o ex-prefeito deixou de cumprir seus compromissos financeiros com Ursílio, deixando-o endividado, desesperado e humilhado.

Esta briga começou em 2000 e atingiu o ápice em 2004, com a tomada do Diário pelos proprietários de papel, mas não de fato. E as matérias sobre as suspeitas de corrupção do prefeito começaram finalmente a ser publicadas no jornal que antes o tratava como Deus. Agora virou diabo. E o ex-prefeito se enfureceu.

Como diria Bush

Sou jornalista fora da ativa, e trabalhei nos jornais de Marília nos anos 80 e 90. De 2001 a 2004, com um vereador da oposição ao então prefeito José Abelardo Guimarães Camarinha, coordenei um boletim quinzenal chamado A Verdade, que denunciava solitariamente as suspeitas dos crimes políticos do Executivo, de vereadores, secretários e demais envolvidos. O boletim circulou como pôde e poucas pessoas a ele tiveram acesso. Muito do que relatei acima está documentado nas páginas do A Verdade. Por isso não estou ferindo a ética. Se a chamada grande imprensa der o destaque que toda esta situação merece e recorrer aos processos (muitos arquivados) no Fórum da cidade, poderá verificar que tudo é a mais pura verdade.

Antes do A Verdade, nenhum jornal local havia abordado os reais fatos políticos de Marília envolvendo Camarinha. O Diário ignorou tudo e prosseguiu anos a fio engordando o Deus que virou diabo.

Sei que o diretor, José Ursílio, tentará me desqualificar, assim como fez aqui neste sítio com o jornalista Osvaldo Machado. Dirá que não tenho emprego na imprensa de Marília por ser incompetente e tal. Dirá que trabalhei no Diário porque ele me deu emprego por compaixão, já que Camarinha nunca me suportou por saber que sempre combati corruptos. E em Marília ou se trabalhava nos veículos de Camarinha ou se trabalhava para Camarinha. Dirá que o boletim que editei pertencia ao um ex-vereador de oposição, do PP, e que só fazia barulho etc. Como diria Bush, ‘quem não está comigo, está contra mim’.

Oportunidade preciosa

O que diretor do Diário jamais poderá dizer é que estou inventando o que escrevi ou que estou a serviço de alguém tentando desviar o foco da discussão. Ele sabe que não se pode queimar a memória de todos que vivenciaram de perto a realidade das empresas de comunicação de Marília. Sabe que em vez de agir como jornalista isento agiu como servo do ex-prefeito.

Infelizmente nesta história também tem muita gente inocente, profissionais excelentes, que trabalham honestamente no jornal e nas rádios. Estes, sim, são as maiores vítimas desses homens inconseqüentes, que se sentem donos do município, que resolveram bancar Al Capone e medir forças ao extremo.

Deu no que deu. Que todos os envolvidos paguem por este incêndio, mas não se esqueçam: não há santo nesta história. Há um bando de gente brigando por partilha. Mas há uma oportunidade preciosa e única para que a população de Marília se livre de uma só vez de gente que lhe fez e faz tanto mal, jornalistas vendidos ao poder, políticos e autoridades corruptas. Volto a dizer: não há santos nesta história suja.

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Jornalista; trabalhou nos anos 1980 e 90 nos jornais Correio de Marília e Diário de Marília