Se alguém ainda duvida do “poder” extraordinário que o maior oligopólio de comunicação do RS (e quase de SC) possui, continue lendo.
As coisas vão ficando mais claras. Esses jovens são mesmo indispensáveis para a democracia. No domingo (23/6), em Porto Alegre (RS), vinha do Hospital Mãe de Deus em direção à Azenha e tive de descer do táxi ao chegar ao cruzamento da Ipiranga com a Érico Veríssimo. Tomei uma rua lateral e fui a pé até a Azenha. Ali, uma multidão de pessoas, meio paradas, tentando descer a Ipiranga, mas impedidos, nos dois lados, por uma tropa de choque.
Chuva forte. Tentei entender por que a paralisação da marcha. E fui compreendendo aos poucos. Principalmente quando pude ver “outras” imagens, muito bem feitas por um helicóptero de “outra” TV: nas duas vias da Ipiranga a tropa de choque em formação cerrada, avançando e lançando bombas “de efeito moral”, para que os manifestantes recuassem até a Azenha. Demorou uma hora, mas conseguiram fazer com que recuassem. Fiquei pensando: mas por que não se poderia passar pela Ipiranga? Seria devido à Polícia Federal que está ali localizada? Fui vendo que não, pois até à Polícia Federal os jovens tinham chegado, mas daí para a frente… não! Fui descobrindo a verdadeira razão quando ouvia o comentarista da “outra” TV dizer que na esquina da Ipiranga com a Érico Veríssimo se localiza “um grande conglomerado de comunicação”. Só dizia isso…
Monopólio midiático
Então fui tirando minhas conclusões:
1. Esse movimento que se espraia tem o bom senso do povo, principalmente dos jovens, que estão sentindo “que todo o poder vem do povo”, como diz nossa Constituição. E estão vendo que há “poderes” usurpados. E entre outros, está a nossa “grande mídia”. Foi preciso que as pessoas, através das redes sociais – que também são mídia, mas onde todos podem falar – começassem a questionar determinados privilégios, corrupções, e organizar os insatisfeitos, para que a “grande mídia” lhes desse atenção. Mas dar-lhe atenção dentro dos parâmetros definidos por ela. Está ficando claro que o que a grande mídia deveria ter feito como tarefa fundamental – propiciar o debate nacional dando voz a TODOS/AS – não foi feito, e está agora começando a ser feito por essa multidão de brasileiros reprimidos, que nunca puderam dizer sua palavra.
2. Comecei a perceber que o movimento está questionando pontos cruciais e, entre eles, o papel que a grande mídia oligopolizada está exercendo. Percebi isso já numa critica que um poderoso comentarista do maior grupo de comunicação do Rio Grande do Sul fez a uma mensagem que tinha chegado a seu programa dizendo que “os jovens protestavam também contra a grande mídia”. Em vez de discutir a questão, contentou-se em dizer que quem tinha mandado a mensagem – no caso, o assessor de imprensa do Palácio Piratini – era alguém que “estava criticando os colegas, pois ele também tinha trabalhado na mídia”. Quando o problema era bem outro…
3. Continuei a ver com bem mais nitidez a seriedade da questão quando ficou escancarado que a passeata pode passar diante de qualquer “instituição”, mas não em frente à instituição sagrada e inquestionável, que se localizava na esquina da Ipiranga com a Érico Veríssimo. Esse fato é impressionante! Mas, ao mesmo tempo, como ele é revelador! Não precisamos mais de provas para mostrar que aí está “o poder”. Os manifestantes puderam passar em frente à Assembleia Legislativa, ao Palácio do Governo, à catedral, ao Palácio da Justiça (o Legislativo, o Executivo, o Judiciário, o religioso), mas não diante do monopólio midiático! Como esses jovens sabem fazer pesquisa. Eles foram fazendo os testes, para ver onde de fato o calo doía. Passaram por tudo, mas não puderam passar pelo “verdadeiro poder”. E agora?
“Tire as sandálias!”
4. Mas há mais evidências para comprovar essa tese: a Rede Globo estava cobrindo as manifestações de todo o Brasil – Rio, Brasília, Recife, Salvador, Curitiba, Goiânia, Belém etc. Mas vejam o que dizia de nossa querida cidade: alguns flashes no início, mas depois que os manifestantes chegaram à Avenida Ipiranga, NADA MAIS! William Bonner e Patrícia Poeta até avisavam, de quando em quando, que iriam falar de Porto Alegre. E eu esperando. E o que se passava na Ipiranga era candente. E nada. Só apareceu algo de Porto Alegre mais de uma hora depois da chegada os jovens à Ipiranga, quando eles já tinham sido obrigados a recuar e, segundo uma repórter que repetia chavões – constrangida – estavam “depredando as lojas da Azenha”.
5. E ainda mais evidências: a maior rádio do Grupo, na manhã de sexta-feira (21/6), ao noticiar o que tinha se passado na noite anterior, falou de todo o Brasil, mas de Porto Alegre apenas que foram “15 a 20 mil, e foram do centro até a Avenida Ipiranga, em frente à Polícia Federal”. Nada mais. Certamente muitos ouvintes ficaram curiosos para saber por que pararam no meio da Ipiranga, em frente à Polícia Federal. Teria sido ela que teria impedido? De fato não foi. Foi um “poder” bem maior. O noticiário também sequer mencionou o fantástico aparato da tropa de choque fazendo recuar, passo a passo, a multidão até a Avenida João Pessoa.
6. Fiquei pensando sobre nossa triste realidade. Alguns estudos mostram que o “politizado” povo gaúcho, devido ao oligopólio de um grupo de comunicação, está impedido de saber muito do que se passa aqui, pois esse grupo é responsável por algo como 80% do que se vê, se ouve ou se lê. E foi isso que aconteceu ontem, e está acontecendo hoje, ao menos se dependermos da afiliada da Globo da rádio que se diz de maior audiência no Rio Grande do Sul. O povo gaúcho, nessas circunstâncias, está impedido de saber o que se passa. O papel da mídia – de educar, de informar imparcialmente, de estabelecer o debate nacional sobre as questões mais importantes da nação – não está sendo cumprido em nossas querências. Alguém ainda duvida da inteligência dos manifestantes em decidir marchar até “lá”?
7. Vendo aquele enorme aparato policial, impressionante, avançando como se fosse numa guerra tremenda, lembrei-me dos inícios da Revolução Industrial, quando os grandes donos das fábricas e indústrias só admitiam a intervenção do Estado se fosse para defender seus direitos e sua propriedade. Além disso, “fora o Estado”, “Estado mínimo”, como dizem nossos liberais. O Estado só tinha sentido se fosse para defender os “direitos” dos donos do poder, contra quem tentasse contestá-los. Fiquei pensando: qual a diferença? Por que, quando se trata de defender determinadas instituições, os aparatos públicos estão imediatamente à mão, impedindo até que se passe diante? Não é impressionante essa semelhança entre o fim do século 19 e o começo do século 21?
Fico perguntando aos meus silenciosos botões, como nosso Mino Carta:
– Será que algum dia alguma marcha poderá passar diante dessa poderosa instituição, diante desse espaço sagrado, como dizia Javé a Moisés: “Tire as sandálias! Pisas um solo sagrado!” Ou não seria esse um espaço “apropriado”?
Mas, de maneira mais séria: como pode uma instituição se desprestigiar tanto? Quem não vê que há aqui uma usurpação de “poder”? Como pode alguém querer ser “prestigiado” e mostrar tais comportamentos?
Fico meditando: esse pessoal pode enganar a muitos por algum tempo, mas não a todos, nem o tempo todo. Vejo isso nessas manifestações.
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Pedrinho Guareschi é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul