Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Nina e Lucas na política

À resposta truculenta do Estado paulista, vocalizada pelo governador Geraldo Alckmin, com apoio explícito ou velado da mídia jornalística, e levada à prática pela Rota na quinta-feira (13/6), a opinião pública reagiu com indignação, incentivada pela mesma mídia. O tiro pela culatra levou Alckmin a mudar completamente o discurso.

Este momento da vida brasileira faz pensar em Tocqueville:

“Quando a desigualdade é a lei comum de uma sociedade, as desigualdades mais fortes nunca atraem o olhar; quando tudo é mais ou menos nivelado, as menores o ferem. É por isso que o desejo de igualdade torna-se cada vez mais insaciável à medida que a igualdade é maior” (apud Marcelo Jasmim, Alexis de Tocqueville: a história como ciência da política, 1997; registre-se que Tocqueville não tinha apreço pela igualdade, ao contrário, o que não o impedia de defender a liberdade).

Ninguém pode saber o que será do Movimento do Passe Livre depois da segunda-feira (17/6) que o levou a um protagonismo além de qualquer previsão de seus líderes e dos governos que se viram obrigados a lidar com ele.

Governos civis…

Diante do número de pessoas que foram às ruas em 17 de junho, em manifestações cuja natureza pacífica não chegou a ser alterada pela ação de adeptos da violência dos dois lados da barricada, começou-se a falar em divisor de águas.

A impossibilidade de saber o que virá faz o olhar se voltar para trás. O que estaria acabando? Dá vontade de pensar que a ditadura só está acabando agora, que o divisor de águas não foi a Constituição de 1988, nem a primeira eleição direta depois do golpe, nem os governos de Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Pensando novamente em Tocqueville, pode-se imaginar que todos os governos civis, desde Sarney, prepararam este momento, ampliando as liberdades e diminuindo a desigualdade: é difícil fazer revolução com a barriga roncando.

O que os jovens do MPL enxergaram sozinhos foi um campo imenso de possibilidades, dadas pela liberdade. E pela redução da desigualdade: se já tenho isso, por que diabos não posso querer mais, que é tão pouco, afinal de contas?

O programa Roda Viva, da TV Cultura, teve a ótima ideia de entrevistar dois dos líderes do MPL, Nina Capello e Lucas Monteiro de Oliveira, enquanto as manifestações ainda se desenrolavam em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília, Recife, Belém.

É muito auspiciosa a entrada de Nina e Lucas na arena política, como representantes daqueles que enxergaram as limitações da equação política atual. A política institucional funciona hoje em grande parte, como escreveu Carlos Melo no Estado de S.Paulo (17/6), para a “manutenção mecânica de espaços de poder”.

…polícias militares

Os jornalistas tiveram nisso um papel notável. Não por corporativismo, depois que vários foram alvejados pela Rota em São Paulo, mas por civismo, por decência. Porque passaram a enxergar o Movimento do Passe Livre em suas fontes limpas, a montante das águas de pequenos afluentes poluídos.

Não todos os jornalistas, longe disso, mas muitos, e situados em posições estratégicas da imprensa.

Os jornalistas estão entre os primeiros a saber dos podres, que em tantos casos não conseguem noticiar, por falta de quem os denuncie publicamente ou de evidências que os livrem, e a suas empresas, de processos judiciais. Dá angústia ver tanto cinismo, tanta arrogância, tanto esforço, tanto media training para esconder a informação, para furtar-se ao diálogo com a sociedade, para preservar a própria imagem e tentar destruir a dos adversários.

No programa Roda Viva, o jornalista Milton Coelho da Graça, com jovialidade comparável à de Nina e Lucas, deu uma pista preciosa sobre o que está acontecendo. A Polícia Militar herdada quase intacta da ditadura militar começou a acabar. Esse processo não será uniforme no país, muito menos linear. Mas começou. E poderá ser a porta de entrada da democratização das Forças Armadas.