Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

No Mínimo

JK NA GLOBO
Carla Rodrigues

JK e a herança dos coronéis, 30/01/06

‘Há quem critique a minissérie JK, de Maria Adelaide do Amaral e Alcides Nogueira, pelo excesso de romantismo. Embora reconheça que há um certo exagero nas tintas, estou fora do grupo que faz essas restrições. Romantizar a história é parte inevitável do trabalho de narrar, pelo menos para quem tenta contar a vida das pessoas sem o compromisso acadêmico dos estudiososo ou do rigor dos historiadores. Em parte é essa romantização que garante a existência do Coronel Licurgo, personagem de ficção criado com tons dramáticas que muitos, como o colunista Guilherme Fiúza (leia no link abaixo), acham excessivas. Para mim, embora Licurgo seja ‘de mentirinha’, é um personagem muito real, e usá-lo foi um belo truque dos autores. É por oposição a Licurgo que a minissérie mostra a modernidade de JK. Na TV, a primeira vez que foi eleito, Juscelino Kubitschek conquistou um mandato de deputado federal ao derrotar o candidato do coronel Licurgo, antigo cacique de Diamantina, detentor dos votos de cabresto dos colonos da fazenda.

A morte trágica de Licurgo na TV ainda não assegurou a morte de suas idéias , infelizmente ainda presentes na sociedade brasileira. Comandante de uma família aterrorizada por suas ordens, o coronel, muito bem interpretado pelo ator Luiz Mello, reúne tudo aquilo de execrável na sociedade patriarcal e machista: dispõe sobre a vida da mulher, Maria, do filho, Zinque, e da sobrinha, Salomé, por quem alimenta desejos sexuais. Seu respaldo é o poder econômico, em casa, e o poder político, na rua, exercido através da manipulação do voto de cabresto dos colonos da fazenda. Embora pareça que homens como Licurgo fora mortos e enterrados pela modernidade, o fato é que as suas práticas ainda estão vivas na hiprocrisia, nos advogados da falsa moral, nos opressores que estão por aí, a espreita, nessa nossa cruel combinação entre o novo e o antigo.

Os traços daquele tipo de autoritarismo que Licurgo representa aparecem nas manifestações preconceituosas contra as mulheres – essas que os homens acham que não existem mais, mas que, assim como as bruxas, que las hay, las hay -, no repúdio aos homossexuais (quantos pais ainda acham que seus filhos gays são ‘frouxos’?), ou nas assombrosas estatísticas de violência sexual doméstica. Na vida pública, o curral eleitoral, que se vale da ignorância e da pobreza para eleger caciques políticos descomprometidos com o interesse público, é a reprodução, em outra escala, dos velhos métodos de Licurgo, que levava seus empregados para votar com as cédulas já preenchidas.

O patriarca Licurgo se comporta como se fosse dono da vida dos que comanda ao invés de amar. Não dá nada de bom a ninguém e priva-se da possibilidade de receber qualquer manifestação de amor ou afeto. Comporta-se como se tivesse um papel pré-determinado a cumprir, e nesse roteiro não incluísse nenhum rastro de sentimento. Até sua religiosidade é impregnada dessa idéia de que há o certo a fazer em público, independente de como se vive os valores apregoados pela fé que confessa. A força da personagem Salomé, em que pese a atuação questionável de Débora Evelyn, está justamente em ousar tentar – e para tentar já era necessário ter muita coragem – desobedecer aquele que ditava todas as leis. Afinal, até então às mulheres sobrava bordar, rezar e chorar.

Maternidade redentora

Além dos já muito elogiados figurinos, que são de fato belíssimos, e do cenário inspirador de Tiradentes – apesar dos protestos dos moradores de Diamantina, queixosos de que todo o Brasil pensará que Diamantina é como Tiradentes – , é muito interessante assistir, por exemplo, à mãe de Sara lembrando à filha dos seus deveres como esposa: ‘Seu papel é seguir seu marido aonde ele for.’ Reforça as muitas demonstrações de que o próprio Juscelino viveu, como ninguém, as contradições entre o moderno e o antigo. Do lugar tradicional de esposa Sara comandava a vida do marido dentro de casa – e tê-lo na vida pública era perdê-lo para o ideal romântico de uma vida a dois na qual cada um tem como ideal máximo dedicar-se ao outro.

É verdade que Sara exagera no tom ao criticar o envolvimento de JK com a política, que afinal ainda pode ser uma atividade nobre desde que os homens e mulheres públicos se dediquem à causa e não ao benefício privado. Mas o exagero ajuda a mostrar, de forma sutil, o embate entre dona Júlia, mãe de Juscelino, orgulhosa do percurso político do filho, e Sara com seu permanente repúdio à vida pública do marido. Nesse contexto, a maternidade surge como redentora. A mãe Sara agora terá suas próprias preocupações e será uma mulher completa. Na pele da atriz Marília Pêra, passará a apoiar a carreira política do marido e, espera-se, virá a se orgulhar dele ou, pelo menos, a se interessar pela vida pública, flexibilizando um pouco a idéia de que, às mulheres, cabe apenas compartilhar com o marido aquilo que se passa dentro de casa, deixando que a rua seja universo único dos homens.

Esta coluna foi escrita graças a sugestão da minha amiga Maria Teresa Citeli, primeira pessoa a me chamar atenção sobre a atualidade do Licurgo.’

Guilherme Fiuza

JK de pelúcia, 25/01/06

‘A minissérie está boa. Caprichada, bem-acabada, ótimos atores. Luís Mello é um show. Poucas vezes se viu tão fiel e absoluta encarnação da maldade. Diante do coronel Licurgo, o coronel Pedro Barros, arquivilão de ‘Irmãos coragem’ (só para os velhos), é uma dama. A mistura de catolicismo doentio com tara sexual e todo tipo de perversão em nome da virtude fazem de Licurgo um legítimo monstro social. Tão impressionante que atropelou as brumas douradas dos anos JK.

A transposição da história do país para a TV, nessas produções de alta qualidade, costuma ter efeito decisivo sobre a memória nacional. Em termos de conhecimento coletivo, conseguem uma força de disseminação que os livros precisariam de décadas para produzir. A experiência mais arrebatadora de injeção de história na veia da opinião pública foi a da minissérie ‘Anos rebeldes’. Baseando-se no livro ‘Os carbonários’, de Alfredo Sirkis, Gilberto Braga jogou os brasileiros no túnel do tempo. Em 1992, o milagre da TV fez o país sentir-se em plenos anos 60, na dramática resistência da estudantada de classe média (Cássio Gabus e Cláudia Abreu) contra o terror da ditadura militar. Basta dizer que os jovens desligaram a televisão, saíram às ruas e derrubaram Collor.

Se ‘JK’ mantiver a linha dessa primeira fase de 1902 a 1937, com toda a qualidade artística, a possibilidade de qualquer despertar cívico vai ficar para uma próxima oportunidade. Até aqui não faltaram partos espetaculares e explícitos, mulheres engravidando por amor, mulheres engravidando por estupro, mulheres querendo engravidar, abortos, violência moral contra crianças e mais um bom cardápio de emoções primárias, infalíveis perante o ibope. Dizem que são as entranhas do Brasil arcaico. Tudo bem, nos anos 60 também se poderia fazer um tratado antropológico na TV sobre o êxodo rural e o drama do campesinato começando a engrossar as favelas. Não faltaria parto, estupro e aborto para mostrar. Mas aí a história dos rebeldes clandestinos ia ter que esperar sentada.

As cenas da Revolução Constitucionalista de 32, quando os paulistas peitaram o autoritarismo de Getúlio Vargas, davam a impressão de que a minissérie ia entrar fundo na reconstituição histórica. É bem verdade que o fogo cerrado e o grau explosivo do conflito estavam mais para invasão do Iraque, ou desembarque na Normandia, do que para trombada entre mineiros e paulistas em Passa Quatro. Mas a munição não iria muito longe. A Intentona Comunista de 35, por exemplo, e especialmente a decretação do Estado Novo por Vargas em 37 – um dos mais dramáticos fatos políticos do século XX – foram resolvidos com algumas linhas de texto em off lido por José Wilker (o JK maduro).

O espectador está imerso nas intrincadas baixarias familiares de Licurgo e Salomé, moça direita e dançarina incompreendida, quando dá de cara com Raul Cortez, na pele do presidente Antônio Carlos. Deveria ser um momento de grande tensão, quando uma manobra palaciana varguista tenta derrubá-lo da presidência da Câmara dos Deputados, e estoura uma vibrante resistência democrática dos parlamentares em apoio a Antônio Carlos. As cenas são ótimas, muito bem feitas, mas completamente vazias: a crise política cai de pára-quedas na tela, sem dar ao espectador a menor chance de captar sua dimensão histórica. Ele no máximo compreenderá, por alto, que Raul Cortez foi homenageado com um papel de bonzinho.

O que nesse caso não chega a ser uma distinção. Há vários papéis de bonzinho na trama. Em ‘JK’, a maldade é monopólio do coronel Licurgo. Ele é mau como adúltero que escraviza a mulher no moralismo cristão, é mau como pai que oprime e neurotiza o filho, é mau com os empregados que semi-escraviza e com as empregadas que estupra e aprisiona. E – surpresa – é mau como oponente político de JK quando este decide candidatar-se a deputado. Ou seja, Licurgo é o vilão onipresente do Brasil que viu Juscelino iniciar-se na política. É demais para um personagem ficcional.

De quebra, o coronel monstruoso ainda tenta matar JK com um tiro de espingarda (eis uma revelação para os historiadores). O fim precoce da trama é evitado heroicamente por Salomé, que num imenso descampado surge precisamente ao lado de Licurgo no momento exato do tiro, empurrando o cano da arma. A bala acerta o cavalo de Juscelino, o que não deixa de ser trágico, mas pelo menos salva o futuro do país.

Luís Mello e Débora Evelyn são tão bons que, mesmo com personagens vindos de outra galáxia, conseguem manter a impressão de que ali está representado o embrião legítimo do Brasil de JK. Wagner Moura, extraordinário, conseguiu dar densidade a esse peixe vivo fora d´água – com a respiração difícil da contextualização política rala. Neste departamento, tudo praticamente se resume ao conflito do marido Juscelino com a aversão de Sarah Kubitschek à política, melhor foco da minissérie. Ao talento de Débora Falabella se somou o de Otávio Augusto, com seu estupendo Benedito Valadares. A caracterização do político mineiro sonso, engraçado sem querer ser, que enxerga a vocação de JK e o arrasta para a política gastando pouquíssima saliva – para desespero de Sarah, que gasta toda a saliva que tem – é uma das boas recompensas ao tempo gasto com a chuva de ingredientes de novela das oito.

Agora é torcer para que Licurgo dê uma chance à paz (e à memória nacional), para que a trama de ‘JK’ troque um pouco a neurose pela história. Até porque eis aí uma história que não depende de chute em barriga de grávida para provocar emoções fortes.’

Zuenir Ventura

O retorno de JK, 24/01/06

‘Não sei quem matou Bia Falcão, mas parece que todos os que conviveram com ela são suspeitos. Como mal a conhecia, estou fora de cogitação. Já em relação ao coronel Licurgo, da mini-série ‘JK’, não se pode dizer o mesmo. Ele provoca em mim os sentimentos mais primitivos, como dizia o outro, lembram-se? Tenho vontade de repetir: ‘V. Exa. amedronta as pessoas, eu tenho medo, confesso que V. Exa. provoca em mim…’.

Escrevo na segunda-feira e me informam que ele será assassinado na quarta. Não era isso o que eu queria, evidentemente, mas justiça. Até o momento, porém, nenhuma providência foi tomada contra os crimes desse truculento coronel: nenhuma ação da Polícia ou do Ministério Público, nem CPI, nada. A não ser protestos dos leitores. Recebi vários e-mails indignados, principalmente em relação a um dos estupros cometidos por ele. ‘Espero, esperava, sua palavra e protesto’, dizia uma mensagem me cobrando posição, ‘sobre tão nojenta como porca cena’.

Encaminhei todas as cartas para Juscelino Kubitschek, que a meu ver é quem pode fazer alguma coisa contra a impunidade, embora agora, depois do golpe dado por Getúlio Vargas, ele esteja sem poder. Mas de qualquer maneira continua tendo muitos amigos influentes em Minas, sobretudo em Diamantina, onde age o celerado, que se acha dono das terras e das pessoas que trabalham para ele em regime de semi-escravidão. Revoltante.

Como disse, mal conheço a Bia, porque raramente assisto a novelas, inclusive por causa do horário. Em compensação, acompanho com grande interesse a mini-série de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira. Acho esses dois uns craques da teledramaturgia, desde ‘Um só coração’, que escreveram sobre a São Paulo da época do Modernismo, misturando ficção e personagens reais como Oswald e Mario de Andrade, Tarsila, Cicillo Matarazzo, Assis Chateaubriand, entre tantos outros que circulavam por aquele universo efervescente dos anos 20/30. Essa de agora, que ainda está no começo, é sobre a Era JK, tendo como pano de fundo Minas e o Rio de Janeiro dos anos 50.

Está sendo um sucesso. Criou até um revival dos ‘anos dourados’, não só pela qualidade da reconstituição e pelo desempenho de atores e atrizes, mas também pelo nosso desencanto generalizado com o presente. O mesmo estado de espírito que faz muita gente pregar o voto nulo como forma de protesto está levando também a buscar nas lembranças do passado um país melhor. Olha-se para trás com saudade porque parece não valer a pena o que se vê e se vive hoje. Até os jovens estão com nostalgia, uma nostalgia do não vivido.

Diagnostiquei em outro lugar que, misturado com as recordações do passado, às vezes por demais idealizado, há uma espécie de saudade do futuro – do Brasil com que se sonhava naqueles tempos. De tudo o que JK deixou como legado, incluindo o saldo negativo, que não foi pequeno, o que alimenta o imaginário moderno foi sua capacidade de pensar grande, de fazer projeto, de olhar para a frente e de sonhar.

O perigo de lançar essa mini-série agora, em ano eleitoral, é surgir um movimento alternativo, como o do voto nulo, pedindo: ‘queremos JK!’.’

PLÁGIO ACADÊMICO
Bruno Garschagen

Universidade em tempos de plágio, 29/01/06

‘Plagiar nunca foi tão fácil e freqüente nas universidades brasileiras, principalmente depois da popularização da internet. Os professores universitários são obrigados a duvidar de todos os trabalhos entregues pelos alunos. ‘O plágio nas universidades se tornou uma pandemia’, lamenta Lécio Augusto Ramos, professor de metodologia da pesquisa do curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá e orientador de trabalho de conclusão de curso da cadeira de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Segundo ele, há um grande processo intenso de apropriação indevida de frases, parágrafos e até trabalhos inteiros nos cursos de graduação e pós. Embora exista uma legislação especifica sobre direitos autorais e o Código Penal estabeleça punições, a cópia se torna cada dia mais comum entre os estudantes. ‘O plágio intelectual é indefensável e está presente em todos os níveis, do jornalismo à academia’, ressalta Lécio.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a cópia também tem sido detectada de forma freqüente. Ana de Alencar, professora de Teoria Literária da Faculdade de Letras da UFRJ, conta que o tema se tornou recorrente nas conversas entre os professores, que aplicam nota zero quando identificam o furto teórico. Ana, no entanto, não dramatiza a questão. Acha que o desenvolvimento tecnológico provocou uma revisão do debate sobre direitos autorais. Mesmo assim, considera o plágio inaceitável.

Ruim como certos chopes

Rosa Benevento, coordenadora do departamento de Comunicação Social da UFF, que engloba os cursos de jornalismo, publicidade e cinema, revela que, tão grave quanto o plágio, foi descobrir que a cópia, em muitos casos, não ocorre exatamente por má-fé, mas porque o aluno aprendeu a plagiar no ensino médio: ‘Isso me alertou para o tipo de ensino de pesquisa e elaboração de trabalho que esses alunos estão aprendendo antes de chegar à faculdade. Isso é muito preocupante’, avalia.

Rosa conta que a identificação cada vez mais regular de trabalhos com plágios obrigou a faculdade a realizar palestras de orientação sobre o assunto. ‘A idéia é mostrar para eles que o mais importante é criar e não copiar’. Para os alunos, copiar é preciso. Exercitar o intelecto, nem tanto.

Seja por desconhecimento ou má-fé, o fato é que nunca se viram na história do ensino brasileiro tantos plágios identificados, segundo os professores entrevistados. A maioria dos alunos ignora ou finge não saber que a cópia sem citação da fonte tem conseqüências jurídicas nas esferas civil e penal.

O advogado Rodrigo Borges Carneiro, especialista em direitos autorais e propriedade intelectual, diz que o plágio configura o crime de violação dos direitos do autor, tipificado no artigo 184 do Código Penal. O plagiário pode ser condenado a pena de detenção de três meses a um ano, ou multa. Caso a violação consista ‘em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, (…) sem autorização expressa do autor, (…) ou de quem os represente’, a pena será de ‘dois a quatro anos de reclusão, e multa’.

A lei de direitos autorais (9.610/1998), que regula a matéria, estabelece que ‘ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor’ (artigo 33). O artigo 7 da lei define as obras intelectuais protegidas pela lei (os textos de obras literárias, artísticas ou científicas, obras dramáticas, composições musicais etc.) e o artigo 22 diz que os direitos morais e patrimoniais sobre a obra criada pertencem ao autor. É óbvio, mas é a lei, que, não raro, é óbvia.

Direito autoral, na definição de Henrique Gandelman no livro ‘O que você precisa saber sobre direitos autorais’, ‘é a proteção jurídica das formas de expressão originais e criativas, tanto de idéias como de conhecimento e sentimentos humanos’. Mais claro do que isso, só chope de má qualidade servido em certos barzinhos da predileção dos universitários.

O uísque como padrão

No Brasil, os direitos do autor foram reconhecidos legalmente pela primeira vez em 1891, com a primeira constituição republicana. A matéria passou a ser regida pelo Código Civil a partir de 1917, mas em 1973 entrou em vigor uma lei específica (lei 5.988). Atualmente, como já dito, os direitos autorais são regulados pela lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Além das normas internas, o país aderiu a cinco tratados internacionais que protegem a propriedade intelectual: Convenção de Berna; Convenção Universal; Convenção de Genebra; e Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPs).

O conceito de copyright, porém, é bem mais velho. Surgiu na Inglaterra mais de um século antes da inserção da matéria na constituição brasileira. Foi durante o reinado da rainha Ana, mais precisamente em 1709, que se elaborou o Copyright Act, segundo Gandelman em seu livro sobre direitos autorais.

A coroa passou a proteger por 21 anos, idade de um uísque de ótima qualidade, as cópias impressas de determinadas obras registradas formalmente. As obras não impressas eram protegidas durante 14 anos, pouco mais do que o padrão de um scotch mais do que razoável. Até então, sob a vigência do Licensing Act, de 1662, só os editores comiam o pirão. Os autores chupavam dedo.

Na França, os autores conseguiram fazer valer seus direitos no final do século XVIII. A Revolução Francesa em 1789, que, além das decapitações, teve na defesa dos direitos individuais uma de suas marcas mais significativas, foi o estopim para que o conceito do copyright inglês fosse incorporado à legislação do país de Rabelais.

De lá para cá, a legislação foi se aperfeiçoando no mundo ocidental. E, em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU), na assembléia geral realizada em 10 de dezembro, inseriu na Declaração Universal dos Direitos Humanos que todo homem tem ‘direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção literária, artística ou científica de qual seja o autor’ (artigo 27, parágrafo 2).

Aranhas em teia alheia

Desde a popularização da internet, o uso muitas vezes indiscriminado do conteúdo disponível na rede gera debates intermináveis sobre a propriedade intelectual e sua proteção legal. Estabeleceu-se a confusão (para alguns, uma certeza inabalável) de que os textos disponíveis para leitura e consulta pudem ser reproduzidos ad nauseam sem ao menos um pedido de permissão por e-mail – que dirá remuneração. Quem escreve sabe que, na world wide web, as aranhas se incumbem de espalhar a teia alheia.

E se os internautas estão se criando e sendo criados sob a mentalidade do desrespeito com a proteína mental alheia, alguns intelectuais referendam a velhacaria e estimulam o crime.

Pierre Lévy, popstar do pensamento sobre o mundo digital, teve a desfaçatez de escrever no seu livro ‘O que é virtual’ que a ‘distinção do original e da cópia há muito perdeu qualquer pertinência’ na internet. Ele acha que ‘não há mais um texto, discernível e individualizável, mas apenas texto, assim como não há uma água e uma areia, mas água e areia’.

Se o pecado fosse apenas a obviedade, tudo estaria resolvido. Mas o problema é de outra ordem. E muito mais grave. Lévy quer vender a idéia abjeta de que no espaço virtual não cabe falar em originalidade e autoria. O texto, como obra individual, se perderia num imenso sopão de letrinhas. Assim, não haveria razões para se estabelecer critérios de qualidade. Qualquer viúva de Bukowski seria colocada na altura de Philip Roth, para ficarmos em autores contemporâneos.

Lécio Ramos, professor da Universidade Estácio de Sá, atribui a quatro fatores o crescimento do plágio intelectual:

1- A deformação na formação educacional e intelectual de alunos, professores e demais profissionais da área;

2- A diluição ética do que é e do que não é lícito fazer;

3- A facilidade trazida pela internet, que coloca à disposição, em escala geométrica, muitos textos para quem quiser copiar;

4- A falta de tempo e pressão para produzir trabalhos.

Amigo e alcagüete

D.G, aluno de direito na UniverCidade no Rio de Janeiro, diz que 90% dos trabalhos que entregou na faculdade são plagiados de textos disponíveis na internet. O acadêmico revela que copia pela praticidade, agilidade e certeza de que assim terá um trabalho de melhor qualidade do que se fizesse por conta própria.

E sobre o aspecto ético e legal, tão caros ao direito? ‘Na verdade, nunca parei para pensar nisso. Quase todos os meus colegas na faculdade também copiam da internet ou copiam trabalhos que foram feitos assim’, diz D.G. ‘Mas sei que o maior prejudicado serei eu mesmo.’

O plágio se tornou um problema tão sério que os professores universitários ouvidos por NoMínimo defendem a adoção imediata de um trabalho pedagógico de conscientização e o ensino mais eficaz de como pesquisar e usar as fontes de informação. Ana Alencar, da UFRJ, acha fundamental seduzir o aluno despertando-lhe o interesse pelo desenvolvimento intelectual. E ela não propôs chopada nem churrasco, mas aulas dinâmicas.

Rosa Benevento, da UFF, diz que os professores podem coibir o plágio acompanhando o desenvolvimento do aluno. ‘Conhecendo o aluno, é possível perceber imediatamente se o trabalho que ele produziu está de acordo com sua formação e rendimento.’

Lécio Ramos, da Estácio de Sá, acha que esse é um dos caminhos, mas lembra aos professores que consultar um programa de metabusca também é importante para verificar a origem da cópia. Na maioria das vezes, o Google denuncia imediatamente a fonte do furto intelectual. O programa criado por Sergey Brin e Larry Page é, ao mesmo tempo, grande amigo dos plagiários e o mais eficiente alcagüete dos jovens criminosos.

Por tão suspeito quanto o mordomo

Há três tipos muito comuns de plágio, segundo o professor da Estácio de Sá:

– plágio integral – a transcrição sem citação da fonte de um texto completo;

– plágio parcial – cópia de algumas frases ou parágrafos de diversas fontes diferentes, para dificultar a identificação;

– plágio conceitual – apropriação de um ou vários conceitos, ou de uma teoria, que o aluno apresenta como se fosse seu.

Muitos alunos, para engabelar os professores, deixam para entregar os trabalhos no fim do prazo na esperança de que o acúmulo de textos para corrigir impeça a descoberta do plágio.

Uma dica para não copiar por erro ou ignorância (excluindo a má-fé) é seguir as recomendações de Umberto Eco no livro ‘Como se faz uma tese em ciências humanas’. O professor italiano cita exemplos bastante claros de uma ‘paráfrase honesta’, ‘uma falsa paráfrase’ e uma ‘paráfrase textual que evite o plágio’. Ali está o caminho das pedras.

O plágio ampliou as responsabilidades do professor, que, pela regularidade com que encontra trechos copiados, opta por aplicar uma nota zero ou solicitar ao aluno que refaça corretamente o trabalho. Alguns são diretamente encaminhados ao departamento responsável para as devidas punições, que começam com uma advertência e podem culminar na expulsão da universidade.

E se engana quem acha que só os alunos se valem do plágio. ‘Tivemos casos aqui até de professores plagiando trabalhos de outros professores’, revela Rosa Benevento, da UFF. Um dos casos mais notórios, que não envolve internet, foi apontado pelo diplomata José Guilherme Merquior, intelectual de primeira e uma espécie de pitbull das polêmicas. Num texto para a ‘Folha de S. Paulo’ em julho de 1989, Merquior revelou a ‘desatenção’ da professora de filosofia Marilena Chauí ao inserir vários parágrafos do pensador francês Claude Lefort, sem citar a fonte, no seu livro ‘Cultura e democracia’.

O filósofo Roberto Romano, num texto para o ‘Correio Popular’ de setembro de 2005, lembra que ‘movido pela piedade e diante dos lamentos dramáticos por ela encenados’, tentou defendê-la. E levou ‘merecidas pauladas de Merquior’. Romano revela que um figurão ‘importantíssimo no Panteão da esquerda’, único a não se sentir indignado com Merquior, ‘disse clara e distintamente:Ela colou’. Lefort, professor e amigo de Marilena, tentou publicamente salvar a aluna da acusação, mas Merquior não havia deixado abertura para refutações.

Nenhuma instituição está salva do plágio e os alunos passaram a ser tão suspeitos quanto o mordomo dos romances policiais. E, se a cara de pau dos plagiários não tem nada de virtual, a velha assassinada não é mais uma vovozinha rica, mas o presente e o futuro intelectual de uma nação.’

CRÔNICA
Ricardo Kotscho

Rolando escada abaixo, 27/01/06

‘Posto fora de combate nos últimos dias graças a um ridículo acidente doméstico que me fez rolar as escadas e me mandou para o hospital com algumas costelas quebradas, tive tempo de sobra para pensar sobre algumas coisas que nos movem nesta vida. No caso dos que vivemos de escrever, além de garantir o pagamento das contas no fim do mês e a nossa sobrevivência material, ficamos imaginando, cada vez que nos sentamos diante do computador, que força maior nos leva a escolher determinado tema e não outro que de alguma forma possa interessar aos leitores.

Às vezes, enquanto escrevemos sobre um assunto quente da semana, já ficamos pensando na repercussão que a coluna vai ter, que reações vai provocar a favor ou contra – e não acontece nada. Outras vezes, começamos a digitar algumas frases sem ter muita idéia de onde queremos chegar, apenas para cumprir tabela, quase sem esperanças de retorno – e as mensagens não param de chegar, cada leitor querendo não só dar sua opinião, mas relatar também uma experiência pessoal ligada ao assunto.

Foi o que aconteceu com a coluna de duas semanas atrás. Em meio ao marasmo do noticiário que atingiu a categoria dos escrevedores semanais nestas primeiras semanas do ano, segundo o nosso editor Tutty Vasques, resolvi contar como estava vivendo sem um emprego fixo pela primeira vez na vida. Para minha surpresa, o assunto rendeu mais de 50 mensagens de leitores, meu recorde até agora. A grande maioria entendeu que eu não estava ali defendendo uma tese nem justificando coisa alguma, apenas mostrando uma opção de vida entre tantas outras, muitas vezes determinada pelas próprias circunstâncias do mercado, das novas tecnologias ou até por falta de alternativas.

Vieram muitos testemunhos de leitores que tomaram o mesmo caminho e outros dispostos a trocar a segurança e outras benesses de um emprego fixo pela liberdade de fazer seus próprios horários. Alguns poucos, é claro, aproveitaram para esculhambar comigo e com o governo. Faz parte. Se tivesse encaminhado todas as mensagens à seção ‘Fala Leitor’ do site, certamente o assunto renderia uma boa discussão entre mais gente, mas resolvi não fazê-lo por razões que exponho mais abaixo.

Antes, quero agradecer ao leitor Filipe Galliano, de Jundiaí, no interior paulista, que me deu uma ótima sugestão para a coluna, um assunto que também não está no noticiário: ‘Que tal falar sobre o velho e conhecido BOM SENSO? Este que sumiu das nossas vidas, e que tanto poderia simplificá-las? Parece bobagem, mas ultimamente, com tantos programas de melhoria das empresas, metas a serem atingidas, sistemas de controle total e todos os MBAs da vida, cadê o velho e querido bom senso?’

Bem, não sei se sou a pessoa mais indicada para tratar do assunto – já que, se o dominasse, não faria nem escreveria tantas besteiras na vida -, mas gostei da idéia do Galliano. Pensando bem, a maioria dos nossos problemas e os do país poderia ser minimizada com a utilização mais freqüente destas duas palavras tão simples quanto mágicas: bom senso. No entanto, parece que é exatamente isso o que mais tem faltado aos que gostam de apontar os dedos para cima e para os lados, sem se dar ao trabalho de, vez ou outra, se olhar no espelho para saber se está tudo bem do lado de dentro.

Meu amigo leitor faz uma pergunta atrás da outra: ‘A lógica da distribuição dos produtos nas prateleiras dos supermercados não faz você pensar que alguém pensa muito diferente de nós, pobres seres humanos normais? Para que facilitar? E entre o relacionamento das pessoas? Você já reparou como o bom senso sumiu das nossas vidas?’ Até compartilho das mesmas dúvidas, mas não tenho as respostas.

Está aí um bom tema em que não há donos da verdade e a internet, por meio de seus sites e blogs, pode servir de belíssimo instrumento para a discussão de diferentes pontos de vista, desde que se encontre uma maneira de fazer isso de forma civilizada, respeitando as leis do país, com cada um assumindo a responsabilidade pelo que escreve, como acontece com todos nós, jornalistas, que assinamos nossas colunas e reportagens.

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As pré-condições acima listadas foram provocadas por uma nota do ‘Observatório da Imprensa’ divulgada esta semana sob o título ‘Limite do Respeito’. Segundo a nota, o ‘Washington Post’ fechou na quinta-feira, dia 19, a seção de comentários de um de seus blogs, em razão de muitos comentários com ataques pessoais, ofensas e palavrões dirigidos a Deborah Howell, ombudsman do jornal. ‘Transparência e debate são partes cruciais da cultura da internet, e é muito frustrante para nós não podermos manter um diálogo civilizado, especialmente sobre assuntos polêmicos’, afirmou Jim Brady, editor executivo do site do ‘Post’.

Como já se dizia quando do advento do rádio e da televisão, não há tecnologias boas ou más em si mesmas – tudo depende do uso que se faz delas. O mesmo ocorre agora com a internet, provocando discussões em todo o mundo sobre as suas enormes virtudes para tornar mais democrática a difusão de informações bem como para incentivar a participação dos leitores/ouvintes/telespectadores, que deixam de ser agentes passivos para se tornar também comentaristas das notícias ou opiniões que recebem.

A todos os direitos, porém, correspondem também deveres. Não dá para dialogar com pessoas que enviam mensagens apócrifas, se escondem sob pseudônimos ou codinomes, chegando a concluir comentários com a sugestiva assinatura ‘Covarde’. Para estes, pouco importa o que você escreve – aproveitam-se apenas do espaço que lhes é dado para ofender, agredir, caluniar.

Tenho uma sugestão bem simples para se estabelecer uma regra do jogo democrática que valha para todos: só deveriam participar destas discussões os cidadãos que se dispuserem a entrar num cadastro, com nome, endereço e erregê, até para que o site ou portal possa se defender de eventuais ações judiciais. Enquanto isto não for possível, vou responder diretamente aos leitores que me enviarem mensagens pelo webmail, mas não as encaminharei mais ao site – em respeito a eles e a mim mesmo.

PS (30 de janeiro) – Mudei de idéia. Estou encaminhando à seção ‘Fala Leitor’ algumas mensagens que recebi neste final de semana, que podem interessar também a outros leitores.’

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