Cada vez mais esse país me dá nojo. E me dá esperança. Explico.
Todos estão cientes do tufão provocado pela prisão do até então Rei do Brasil, Daniel Valente Dantas. E valente o sujeito era, de verdade. E corrupto. E inteligente ao extremo. Aliás, todos os grandes criminosos o são. Mas a história por detrás da mais importante operação da Polícia Federal da história é um romance que nenhum escritor conseguiria relatar de maneira tão arrebatadora.
Daniel Dantas é um criminoso internacional. Suas relações esbarram nos maiores conglomerados empresariais do mundo e, além de empresas de telefonia, como a Telecom Itália, envolviam corporações como a Pirelli, maior conglomerado empresarial da Itália. O sujeito era um mafioso internacional, com entrada em qualquer círculo onde o dinheiro era o anfitrião.
E por que digo que o país me dá nojo e esperança? Primeiro, me dá nojo por ver tudo o que aconteceu até a prisão do delinqüente, quantas autoridades foram compradas, quantas instituições maculadas, quantos desvios impostos à legalidade realizados por apenas um homem, que carregava a chave-mestra violadora de qualquer porta: o dinheiro.
Vergonhoso, vergonhoso
Dantas comprou todos, partidos políticos (e, óbvio, políticos), juízes, policiais, empresários e jornalistas. O mundo girava à velocidade determinada por ele. Já havia se safado de vários processos, de vários imbróglios que jogariam na cadeia um cão menor. E por isso ele não fugiu, como disse Bob Fernandes e outros, por acreditar em demasia em seu poder.
Me dá nojo também saber como foi fratricida a disputa interna na polícia para prendê-lo. A própria polícia foi o maior empecilho para que e a Operação Satiagraha se desenrolasse. Claro, por influência de Dantas, seu dinheiro e sua memória, que armazena nomes de alta patente na política e economia nacionais. Esvaziamento da equipe, recursos materiais minguantes, pressões vindas dos palácios, tudo para impedir que o rei ficasse nu.
Me dá nojo ver como a imprensa foi totalmente manipulada – não sutilmente, mas financeiramente – pelo grupo mafioso. Vários jornalistas habitantes de páginas renomadas na imprensa nacional estão na lista de assessores informais de Dantas, reproduzindo em seus escritos a voz do chefe. Vergonhoso, vergonhoso, vergonhoso.
Sabotagem interna
Me dá nojo ainda me deparar com uma discussão cínica e menor, sobre a espetacularização da operação. Ora, meu Deus, a polícia desmonta o maior grupo criminoso do país, manda para a cadeia especuladores internacionais, com intervenção mesmo no Banco Central norte-americano (FED), expõe os porões do poder, joga luz sobre como se dão os acertos e conchavos escusos tão rotineiros por aqui, e a imprensa, que sai tão suja da história como o próprio Dantas, se presta a discutir se deveriam ter sido usadas algemas, se a TV deveria estar presente, e outros tantos temas de menor relevância num momento histórico como esse. Claro, como a imprensa está na linha de fogo, desmerecer o acontecido é a primeira reação. Ressalte-se, a grande mesquinha imprensa.
Mas me dá esperança ver como um delegado da PF, Protógenes Queiroz, enfrentou a sabotagem interna de seus companheiros, não se rendeu a nada, valeu-se de sua sagacidade para esconder os pontos cruciais da operação até de seu chefe, o diretor-geral da Polícia Federal Luiz Fernando Corrêa. Pois se Dantas tomasse conhecimento de fatos sigilosos da operação em curso, provavelmente conseguiria anulá-la. E quase o fez.
A melhor cobertura
Me dá esperança saber que essa cruzada contra o crime dos grandes, os de colarinho branco, já vinha sendo travada há anos por jornalistas como Luis Nassif, Mino Carta, Paulo Henrique Amorim, Bob Fernandes e outros. Eles já haviam cantado a pedra há muito. Mas, como a grande imprensa está até o pescoço envolta na sujeira, ninguém repercutiu.
Um capítulo da história do Brasil, que até então era escrito com desonra, sordidez, corrupção, traições, disputas ferrenhas e imorais, foi finalizado com palavras de mestre, de pura altivez e compromisso com isso que chamamos Brasil.
Deixo aqui o reconhecimento especial a Bob Fernandes e ao site Terra Magazine, de onde me nutri das informações necessárias para a confecção deste texto. A cobertura da revista digital foi a melhor do caso, indiscutivelmente. Leiam tudo, cada palavra lá escrita é importante e crucial para entendermos como as coisas funcionam. De verdade.
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Jornalista, Belo Horizonte, MG