Os episódios de violência ocorridos no Rio de Janeiro neste último fim de semana foram amplamente divulgados pela mídia nacional. Até internacionalmente, agora que a cidade foi escolhida para sede das Olímpiadas de 2016, as violentas ações mereceram destaque nos meio de comunicação.
Atento e contumaz leitor de jornais que sou, sinto falta de um papel mais informativo e, principalmente, reflexivo sobre o problema crônico que afeta a chamada Cidade Maravilhosa.
Há muitos anos trabalho em diversas favelas da cidade, agora chamadas de comunidades pela Academia, ONGs e até mesmo alguns jornais, e vejo e sinto a compulsória submissão de todos, moradores ou visitantes, ao poder territorial dos traficantes de drogas. Armas pesadas são ostensivamente exibidas, drogas vendidas e consumidas na frente de todos, crianças ou velhos, pontos de reunião de bandidos, muitas vezes chamados de quartéis-generais, chegam a ter o conforto de velhos sofás e coberturas para o sol. Enfim, uma vergonhosa realidade para o Estado de direito e uma constante humilhação para os milhões de trabalhadores e suas famílias residentes nestas áreas.
Com relação à mídia, algumas questões preocupam. A primeira delas é a total limitação de algumas notícias que mereceriam mais aprofundamento. Por diversas vezes lemos que policiais, cujos baixíssimos salários são freqüentemente citados como causas do mau funcionamento da polícia, se envolvem em incidentes com carros de mais de 50 mil reais. São tiroteios, arrastões, assaltos em que, coincidentemente, algum policial está no meio. E, invariavelmente, em carrões inacessíveis à classe média.
Não mereceriam estas notícias algum desdobramento?
Imagem cristalizada
Outra questão impressiona e preocupa é como a imprensa, intransigente inimiga da censura, se dá o direito de sonegar à população informações importantes e mesmo fundamentais para que se entendam os episódios ocorridos, subtraindo a ela o direito de participar de forma mais ativa na reflexão e na busca de estratégias de enfrentamento do problema. Assim, fica restrito aos sábios da mídia e dos governos o conhecimento dos nomes das facções do crime organizado, as diferenças entre elas, suas estratégias de dominação dos territórios, suas metodologias de comércio e suas relações com as polícias. Não se sabe se as populações sofrem mais com a facção A, B ou C. Se alguma delas é mais violenta do que a outra.
A verdade é que é feita um censura descabida, principalmente pelos ditos jornalões e mídia televisiva, enquanto que os jornais direcionados à classe D e E divulgam, muitas vezes em letras garrafais, notícias com as siglas e nomes das facções. Pergunto-me, com que direito os donos da imprensa nos furtam o direito a ser informado?
A população favelada, quando compra seu jornal de R$ 0,50, lê a realidade que ela vive, nua e crua e sem qualquer reflexão maior. Nós, da classe média, somos tratados como imbecis que não podem conhecer a dura realidade do ‘lado de lá’ da nossa cidade. É o Quarto Poder ratificando e contribuindo para cristalizar a imagem que um grande jornalista [Zuenir Ventura] cunhou em 1994, sem que com o tempo esta realidade se modificasse: Cidade Partida.
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Médico, Rio de Janeiro, RJ