Duas notícias de sexta-feira (22/4) têm mulheres como personagens. As duas foram dadas com pouco destaque pela imprensa. E as duas fazem parte da pauta de assuntos policiais. A primeira veio de Bagé (RS):
‘Uma adolescente de 14 anos, com dez semanas de gestação e decisão judicial em mãos permitindo a interrupção da gravidez, está tendo seu pedido de aborto negado por hospital em Bagé (RS). O Código Penal determina que vítimas de estupro têm direito ao aborto. Em março, o Ministério da Saúde determinou que os médicos não precisam de ocorrência policial para efetivar o aborto. Basta o depoimento da suposta vítima. O Conselho Federal de Medicina recomenda que os médicos realizem o procedimento apenas com a apresentação da ocorrência.
A segunda é de Campinas (SP):
‘Depois de quase quatro meses de investigação, a Polícia Civil de Campinas (95 km a noroeste de São Paulo) pediu nesta quarta-feira a prisão preventiva dos três universitários da PUC-Campinas acusados de estuprar uma colega de 24 anos em uma república estudantil. O inquérito policial foi entregue na tarde de hoje à Justiça com o pedido de prisão preventiva. Eles foram denunciados por estupro e atentado violento ao pudor, com pena prevista de 20 anos de prisão. Os três estão detidos temporariamente desde 5 de abril. O prazo da prisão temporária vence no dia 5 de maio. A universitária registrou boletim de ocorrência no dia 10 de dezembro de 2004 no qual acusa os três estudantes. O suposto estupro teria ocorrido na noite de 8 de dezembro. Em seu depoimento, em boletim de ocorrência, ela diz ter acordado no dia seguinte a um churrasco no banheiro da república com diversos hematomas e nua.’
O que a adolescente gaúcha e a universitária paulista têm em comum? Talvez apenas o fato de estarem nos jornais na mesma semana, aumentando as estatísticas de abuso contra mulheres. E têm em comum também, na visão da imprensa, não o fato de terem sido vítimas, com boletim de ocorrência feito na polícia, mas de sua versão da notícia não convencer a imprensa. Caso contrário, como se explica que nos dois casos elas são apresentadas como supostas vítimas?
Tudo por uma manchete
A palavra suposta, na maioria dos casos, é louvável. Não se pode condenar ninguém antes de provas concretas e um julgamento imparcial. Ou a imprensa poderia estar condenando inocentes, como no famoso episódio da Escola Base.
Mas, nos dois casos citados, o termo suposta deveria vir acompanhada de algumas análises ou informações.
A menina de Bagé está na décima semana de gravidez e tem 13 anos. Vítima de violência ou não, o fato é concreto. Nenhum jornal apresentou uma matéria que fosse além do registro policial. Não se discutiu, por exemplo, o que diz o Código Penal a respeito de aborto, não se mostra a posição da igreja católica e nem fala das opções clandestinas de abortar, que acabam se transformando num dos grandes custos da saúde pública no Brasil. Quanto aos médicos, fica-se apenas na decisão do Conselho Federal de Medicina de exigir o boletim de ocorrência, contrariando até a decisão governamental.
Mas, o pior de tudo, é que se perde a oportunidade de fazer uma boa matéria, procurando a direção do hospital, que recebe dinheiro do Sistema Único de Saúde (SUS) e contraria uma decisão do governo que o sustenta, quando nega o direito da menina de 13 anos de interromper a gravidez provocada por um estupro.
As notícias, do modo como foram veiculadas, resumindo-se à palavra dos acusados, podem gerar uma nova forma de preconceito: aquele que transforma as vítimas em culpadas, como ocorria nos casos de legítima defesa da honra, quando se discutia mais o comportamento da mulher assassinada do que de seu algoz.
E se a universitária engravidar? Terá direito ao aborto pelo SUS ou vai ter que, como disse a mãe da menina de Bagé, recorrer a uma clínica clandestina (outro ponto que a imprensa desprezou) e resolver o problema rapidamente?
Fica-se apenas na manchete policial, como se o crime contra mulheres fosse mais uma das formas de violência assimiladas e banalizadas em nossa sociedade.
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Jornalista